Tragédia em Brumadinho expõe fracasso da política ambiental brasileira



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“Esta serra tem dono. Não mais a natureza a governa”, assim dizia o poema Triste Horizonte, do mineiro Carlos Drummond de Andrade, desiludido com a devastação nos maciços que deram nome à capital de Minas Gerais. O trecho não poderia ser mais atual. 

Em pouco mais de três anos, a indústria da mineração provocou, em Minas Gerais, as duas maiores tragédias socioambientais da história do Brasil, envolvendo barragens que armazenavam milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro: o desastre de Mariana e o catastrófico colapso ocorrido em Brumadinho.

Em 5 de novembro de 2015, houve o rompimento da barragem do Fundão, em Mariana (MG), explorada pela empresa Samarco, controlada pela Vale e BHP Billiton. O derramamento de 39 milhões de m3 de lama tóxica provocou a morte de 19 pessoas, atingiu 41 municípios de Minas Gerais e do Espírito Santo, desabrigou 600 famílias, além de devastar rios, fauna e flora.

Os impactos socioambientais causados pela tragédia de Mariana, muitos deles ainda em curso, poderiam ter servido de uma dramática lição à política ambiental brasileira. Mas não foi isso o que ocorreu.

Em 25 de janeiro de 2019, o Brasil e o mundo ficaram chocados com a notícia de que mais uma barragem de rejeito de minério de ferro entrou em colapso, desta vez, na mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG). A proprietária da barragem é a mineradora Vale, novamente envolvida em um desastre de grandes proporções.

Os números chocantes de mortos e desaparecidos apontam que o rompimento em Brumadinho resultou em uma das maiores tragédias humanas, provocadas pela indústria da mineração, na história do Brasil.

No dia 25 de janeiro de 2020, um ano após a tragédia da Vale, em Brumadinho, foram contabilizados 270 mortos, dos quais 259 já foram identificadas. Onze continuam desaparecidas.

Às vésperas de completar o primeiro ano da tragédia de Brumadinho, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou 16 pessoas por homicídio doloso e crime ambiental. Entre os denunciados, estão o ex-presidente da Vale, Fábio Schvartsman, empregados da mineradora e da sua parceira no empreendimento, a alemã Tüv Süd.

Na sua denúncia, o Órgão concluiu que “em um contexto de divisão de tarefas, os denunciados concorreram de forma determinante para a omissão, penalmente relevante, quanto aos deveres de providenciar medidas de transparência, segurança e emergência, que, caso tivessem sido adotadas, impediriam que mortes e danos ambientais ocorressem da forma e na proporção que ocorreram”.

Após o rompimento da barragem, ocorreu uma operação bastante arriscada do Corpo de Bombeiros, com o intuito de localizar as vítimas. As operações de resgate continuam no local, realizando buscas pelas vítimas desaparecidas. 

O que essas tragédias têm em comum? Em primeiro lugar, considere que rompimentos de barragem não ocorrem por acaso. As semelhanças entre os desastres são estarrecedoras e revelam o descaso de políticos e de empresas com as pessoas e o ambiente. E a devastação pode se repetir em vários outros lugares. Há uma lista de outras cidades brasileiras com risco de desaparecerem do mapa, em função do perigo de ocorrerem mais desastres de proporções tão catastróficas.

Com base nas informações tornadas públicas, o Letras Ambientais reuniu, neste post, um panorama completo do que se sabe até agora sobre a tragédia. Entenda os fatores que podem ter provocado o rompimento da barragem de rejeitos em Brumadinho, bem como os graves impactos ambientais e socioeconômicos decorrentes do colapso dessa estrutura.

1) Lama já afetou área de 3 mil quilômetros quadrados

Imagem de satélite mostra caminho da lama no rio Paraopeba. Fonte: Lapis.

Segundo monitoramento feito pelo Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), a avalanche de lama de rejeitos tóxicos da barragem da Vale que rompeu em Brumadinho devastou uma área de pelo menos 3 mil quilômetros quadrados. Também já foram atingidos pelos rejeitos 90 quilômetros de extensão do rio Paraopeba.

A imagem acima foi elaborada pelo Lapis, com base em dados do satélite europeu Sentinel-2, empregadas para analisar degradação de vegetação e solo. O modelo computacional permitiu comparar dados de satélites antes de ocorrer a tragédia (07 de janeiro de 2019), e dois dias após o desastre em Brumadinho (27 de janeiro). Dessa forma, foi possível identificar com precisão as consequências da devastação. As áreas na cor branca correspondem às cicatrizes irreversíveis deixadas na natureza pelos rejeitos da mineração.

A lama decorrente do rompimento destruiu a mina Córrego do Feijão, afluente do rio Paraopeba, uma importante bacia hidrográfica, do ponto de vista do abastecimento público. Os especialistas afirmam que a biodiversidade da região terá sequelas permanentes, parecido com o que ocorreu no rio Doce, com o desastre de Mariana, que levou à morte grande parte da flora e fauna aquática.

>> Leia também: Biomas do Brasil: conheça as 9 principais ameaças

Na última terça-feira, dia 06 de fevereiro, a Polícia Federal revelou que, dois dias antes da tragédia em Brumadinho, a Vale sabia de problemas com os sensores de segurança da barragem. O fato foi identificado através da análise de e-mails trocados entre funcionários da mineradora e duas empresas responsáveis pela segurança da barragem. Mesmo assim, a Companhia ignorou os alertas, ao custo de centenas de vidas humanas e danos irreversíveis aos ecossistemas.

2) Políticos beneficiaram mineradoras

 

O vídeo acima mostra o momento exato do rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho.

Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mais de 75% dos deputados estaduais eleitos, em Minas Gerais, em 2014, receberam doações de mineradoras para suas campanhas, quando era permitida pela legislação doação de empresas a campanhas eleitorais. Essa constatação configurou um verdadeiro lobby entre políticos e empresas mineradoras, no estado de Minas Gerais, culminando no afrouxamento da legislação ambiental para fortalecer grandes companhias do setor, como é o caso a Vale.

Poucos dias depois de ter ocorrido a tragédia de Mariana, foi proposto, em 25 de novembro de 2015, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, o Projeto de Lei nº 2.946/2015, visando flexibilizar o prazo do licenciamento ambiental de grandes empreendimentos no estado, desburocratizar os processos e agilizar a concessão das licenças ambientais. A Lei foi sancionada pelo então governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT), em 22 de janeiro de 2016. Segundo dados da Justiça Eleitoral, o então governador recebeu, em 2014, doação de R$ 1,5 milhão de empresas da mineradora Vale.

A Vale foi a empresa que mais se beneficiou da nova legislação ambiental naquele estado. O texto legal criou a categoria de “projetos prioritários”, escolhidos pelo governo, para acelerar a concessão das licenças ambientais. Ao todo, 57 deputados estaduais votaram a favor do projeto de lei, e apenas nove, posicionaram-se contra. O argumento de que os projetos são prioritários para o governo é de promover o desenvolvimento econômico-social e a conservação ambiental do estado.

Quase 30% dos projetos considerados prioritários pertenciam à empresa Vale, incluindo um projeto que previa alterações na barragem que desabou em Brumadinho. A Vale pretendia explorar comercialmente os minérios finos que sobravam do processo de mineração e estavam compactados na barragem que rompeu. As licenças Prévia, de Instalação e de Operação, que iriam demorar pelo menos três anos para serem aprovadas, no cronograma normal, foram autorizadas, todas juntas, em dezembro de 2018, à revelia de se tratar de um empreendimento com alto potencial poluidor e de degradação.

Os órgãos ambientais concederam licenças para a continuidade de operações da Vale, na mina Córrego do Feijão, apesar dos alertas de especialistas de que as barragens da mineradora ofereciam risco aos moradores da região.

Antes da nova legislação que levou ao afrouxamento das normas ambientais, em Minas Gerais, essas licenças eram concedidas em fases sucessivas, podendo esperar até 3 anos para o início da operação. Com a criação da Superintendência de Projetos Prioritários, no governo de Minas Gerais, algumas licenças passaram a ser concedidas de maneira concomitante, e em outros casos, de forma simplificada. Na prática, foi criada uma equipe dedicada a dar celeridade, dentro dos marcos e prazos legais, ao licenciamento de algumas poucas empresas.

As minas Jangada e Córrego do Feijão, que integram o grande complexo minerário da Vale, em Brumadinho, eram exploradas desde 1974 e 1956, respectivamente. Com tantos anos de exploração, provocaram impactos cumulativos na região. O rompimento de uma dessas barragens ofereceu um desfecho dramático aos impactos da atividade no local.

3) Tecnologias obsoletas na mineração

O minério de ferro é hoje o terceiro principal produto exportado pelo Brasil, ficando atrás apenas da soja e do petróleo. É a matéria-prima do ferro e do aço, metais de uso generalizado na indústria.

Na natureza, o minério de ferro é encontrado atrelado a rochas comuns, sem valor econômico. Por isso, é necessário um processo de separação dos componentes, sendo um dos mais comuns utilizar reagentes químicos e grande quantidade de água. As barragens são construídas para armazenar esses rejeitos para não serem despejados no ambiente. Todavia, existem diversos métodos ou técnicas de armazenamento dos restos de mineração, desde o mais predatório e barato até o mais sustentável e com maior custo.

Nas duas tragédias registradas em Minas Gerais, as barragens usavam a mesma técnica para armazenar os rejeitos do processo de extração do minério de ferro, chamada alteamento a montante. É o modelo menos seguro, obsoleto e mais propenso a rompimentos, como o de Brumadinho e Mariana. Porém, é o mais barato e rápido, favorável economicamente às empresas pouco preocupadas com a sustentabilidade socioambiental.

A estrutura de ambas as barragens era similar, construídas a partir da compactação da terra, para armazenar os rejeitos junto com água. O aumento desse tipo de barragem, ou alteamento, como é chamado, é feito com o próprio rejeito em direção ao reservatório, criando “degraus” preenchidos com rejeitos, como mostra a ilustração acima. Tanto em Mariana como em Brumadinho, essas construções foram feitas acima de zonas de aglomeração humana, como cidades e povoados, representando um grande risco à população.

Um dos caminhos para reduzir desastres dessa magnitude é proibir por lei a construção de barragens a montante, acima de comunidades humanas, como já fazem alguns países. Embora seja uma técnica comum no Brasil, está em desuso nos Estados Unidos e na Europa, tendo sido também proibida no Chile.

Existem outros métodos mais seguros para armazenar restos do processo de mineração. Um deles é a barragem em alteamento a jusante, onde os rejeitos são armazenados também junto com a água, mas os alteamentos são construídos para fora da barragem, com material mais resistente. É mais seguro que o método a montante, porém, é mais caro, demorado e necessita de mais espaço.

Há ainda tecnologias alternativas para armazenar esses rejeitos, de forma mais segura e moderna, embora sejam mais caras do que o alteamento a jusante. É o caso do empilhamento, no qual o rejeito passa por um processo de tratamento e filtragem, sendo armazenado a seco, sem necessidade de adição de água. Há também a escavação subterrânea, na qual os rejeitos são depositados em galerias, onde o minério foi extraído.

Todas essas tecnologias disponíveis possuem benefícios e desvantagens, podendo servir de modelo para o desenvolvimento de mecanismos mais sustentáveis e eficientes, visando o armazenamento adequado dos rejeitos e acarretando menores prejuízos humanos e ambientais.

A Vale produz 400 milhões de toneladas de ferro por ano. Na última terça-feira, dia 29 de janeiro, o presidente da Companhia, Fabio Schvartsman, prometeu eliminar as dez barragens que ainda operam com o sistema de alteamento a montante, como aquelas que ruíram em Mariana e Brumadinho. Segundo o executivo, elas não recebem mais rejeitos, mas estão cheias, assim como era o caso da barragem que colapsou em Brumadinho. Todas ficam em Minas Gerais. O processo de substituição deve durar até três anos, com investimentos de cerca de R$ 5 bilhões e queda de 10% na produção.

4) Riscos da flexibilização do licenciamento

A tragédia em Brumadinho, provocada pelo rompimento de uma barragem de rejeitos, acontece em um contexto de agenda política favorável a mudanças nas leis ambientais, visando favorecer os empresários e reduzir a burocracia.

O afrouxamento da legislação, por meio de alterações nas leis de licenciamento ambiental, para torná-las mais “flexíveis”, fez parte das promessas eleitorais do atual governo brasileiro para alavancar o setor produtivo. Porém, o exemplo de Minas Gerais, nas duas tragédias registradas, em pouco mais de três anos, com danos ambientais e humanitários irreversíveis, é bastante taxativo.

Os desastres chamam atenção da União e estados para um maior controle e normas de regulamentação mais rígidas no licenciamento de empreendimentos com alto potencial de risco socioambiental.

Uma legislação ambiental frágil é um caminho perigoso para a negligência e irresponsabilidade com os danos socioambientais de empreendimentos econômicos.

Especialistas destacam a negligência continuada das autoridades ao licenciarem barragens que empregam a técnica de alteamento a montante. São modelos de barragem ultrapassados e oferecem alto dano potencial associado ao ambiente e à comunidade local. Como citado acima, existem sistemas alternativos, mais modernos, sustentáveis e seguros de contenção de rejeitos minerais. Alguns empreendimentos extrativistas da própria Vale estão em operação com essas mais recentes tecnologias. Mas ainda são minoria por custarem mais caro às mineradoras.

5) Fiscalização precária favorece desastres

Órgãos governamentais responsáveis pela fiscalização da segurança de barragens e pelo devido cumprimento das normas ambientais, têm atuado de forma precária.

Em 2016, o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), então encarregado da fiscalização da segurança de barragens, informou contar com número insuficiente de servidores para atender às atribuições do Órgão, um total de 880 para todo o Brasil. Do total, apenas 5 servidores possuíam formação em engenharia geotécnica, especialização necessária para avaliar adequadamente o funcionamento de barragens.

A Agência Nacional de Mineração (ANM) foi criada, em 2017, para substituir a missão do Órgão citado acima, de controlar e fiscalizar o exercício das atividades de mineração em todo o território nacional. Em nota publicada no dia 1º de fevereiro de 2019, após o desastre em Brumadinho, a Agência informou que a barragem que se rompeu, encontrava-se inativa, sem receber nova carga de rejeitos e não apresentava pendências documentais.

A autarquia ligada ao Ministério das Minas e Energia também informou que, desde 2017, monitora os diversos relatórios de inspeção quinzenal e resultados semestrais, entregues pela Vale, promovidos por auditorias externas independentes.

A ANM também citou, na mesma nota, informações declaradas pela Vale, de que com base em vistoria realizada, em dezembro de 2018, por técnicos da empresa, não foram encontrados indícios de problemas relacionados à segurança da estrutura da barragem. Mais adiante, veremos que as declarações da Vale não condizem com a realidade.

Por ora, destacamos o fato de que, no caso das barragens que ruíram tanto em Mariana quanto em Brumadinho, as Declarações de Condição de Estabilidade eram expedidas por auditorias externas especializadas, contratadas pelas próprias empresas proprietárias do empreendimento. Desse modo, a mineradora precisava apenas apresentar as certidões de revisão periódica ao governo.

Tal fato expõe a fragilidade da segurança de barragens no Brasil, que ficam à mercê dos interesses econômicos de grandes companhias. Há evidentes falhas na regulamentação e fiscalização das mineradoras que atuam em um setor com alto risco potencial de perdas de vidas humanas, além dos impactos econômicos, sociais e ambientais. Foi o caso do desastre do rompimento da estrutura para contenção de rejeitos, de porte médio, na mina Córrego do Feijão, em Brumadinho.

Em documento oficial, a ANM admitiu faltar recursos orçamentários para realizar vistorias in loco nas barragens. Mais de 80% das receitas do Órgão são utilizadas para manter sua estrutura administrativa, enquanto menos de 20% do orçamento é destinada a inspenções in loco nas barragens, capacitação de pessoal e material de consumo. O gráfico acima mostra redução no número de fiscalizações de barragens realizadas nos últimos anos. 

Uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), no então Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), após o rompimento da barragem de Fundão, em 2015, operada pela Samarco/Vale, mostrou a omissão do Órgão e sua estrutura precária para fiscalizar as mineradoras. Em Minas Gerais, por exemplo, contava apenas com 20% do quadro de funcionários considerado adequado para os trabalhos de supervisão.

Em 2019, foram colocadas em votação, no Congresso Nacional, as Medidas Provisórias n° 789 e 790, que criavam novas regras no setor, modernizando o antigo Código de Mineração. Foi uma tentativa frustrada de aumentar as multas por crimes socioambientais, da magnitude do ocorrido em Mariana e Brumadinho. As normas visavam, por parte da União, organizar a regulação, a disciplina e a fiscalização da pesquisa, da lavra, do beneficiamento, da comercialização e do uso dos recursos minerais. Entre as mudanças, estava o aumento do teto da multa por infrações, que passava de R$ 2,5 mil para R$ 30 milhões.

>> Leia também: Incêndios florestais - um crime ambiental aceitável no Brasil?

No entanto, a Medida Provisória 790, não foi votada, em função de divergências na Câmara dos Deputados, tendo caducado e perdido sua eficácia legal, a partir de 29 de novembro de 2017.

Em decorrência de um sistema de normas frágeis e de fiscalização precária, em desastres como o ocorrido em Mariana, a empresa Samarco, vem postergando judicialmente a adoção de medidas eficazes para a recuperação ambiental e a indenização das vítimas. Também vem adiando todas as medidas socioambientais compensatórias e protelando o pagamento das multas. Até hoje, a Samarco, que tem a Vale como uma das suas controladoras, deve R$ 610 milhões em multas. A impunidade dos responsáveis pela tragédia de Mariana leva a novos desastres.

Um sistema de fiscalização insuficiente e licenças concedidas com base em diagnósticos elaborados pelas próprias empresas interessadas, sem a vistoria regular de órgãos governamentais, abrem terreno para a continuidade da mineração predatória no Brasil.

6) Ausência de gestão de risco e medidas preventivas

A recente tragédia em Brumadinho, provocada pela barragem da Vale, ganha contornos dramáticos pela reincidência e o maior número de vítimas em comparação com o desastre de Mariana.

Em Mariana, o povoado mais próximo, Bento Rodrigues, que ficou em ruínas, estava a uma distância de 6 km da barragem de Fundão. Já em Brumadinho, os lugarejos estavam bem mais próximos do Complexo Industrial da Vale. A tragédia afetou diretamente funcionários da Companhia, comunidade local e turistas que visitavam a pousada Nova Estância.

Embora estivessem previstas na legislação medidas preventivas relacionadas à gestão de risco, em caso de emergências, como acionar a sirene para alarmar a população sobre um possível rompimento da barragem, dezenas de vítimas foram escavadas, de surpresa, por um “tsunami” de lama. Um prejuízo humano irreparável, provocado por negligência de empresas e governos. Grande parte das vítimas poderia ter conseguido sobreviver à tragédia se houvesse algum tipo de alarme.  

Quando ocorreu o desastre em Mariana, ainda não estavam previstas na legislação sirenes de alerta, para o caso de emergências. Já em Brumadinho, embora as sirenes já fossem obrigatórias, estavam em local desfavorável, na área de risco, logo abaixo da estrutura da barragem que estourou.

Ora, parece que não foi previsto pelos idealizadores da obra que, diante da iminência de um rompimento, o local onde estavam as sirenes e outras instalações do complexo industrial (centro administrativo, escritórios, vestuário e refeitório dos trabalhadores) era justamente o caminho que a lama percorreria.

O relator especial das Nações Unidas para Direitos Humanos e Substâncias Tóxicas, Baskut Tuncak, afirmou, em entrevista à BBC News, que o rompimento da barragem de Brumadinho deve ser investigado como um crime.

Depois do desastre de Mariana, em 2015, o Brasil deveria ter implementado medidas de segurança para prevenir colapsos de barragens mortais e catastróficas. As autoridades brasileiras deveriam ter aumentado o controle ambiental, mas agiram "completamente pelo contrário", ignorando alertas de especialistas e membros da comunidade local sobre o potencial de rompimento da barragem de rejeitos. Assim, os direitos humanos dos trabalhadores e moradores do entorno foram totalmente desrespeitados.

O relator da ONU mostrou preocupação com a situação ambiental da mineração no País, afirmando que nem o governo e nem a empresa Vale parecem ter aprendido com as lições do desastre de Mariana. Faltaram medidas práticas, tomadas pelo governo e pela empresa, para fornecer uma solução eficaz ao descaso que resultou no desastre da Samarco.

As consequências mais graves do rompimento de uma barragem de rejeitos são, historicamente, as mesmas: vítimas fatais, cidades destruídas pela lama, assoreamento de córregos e rios.

No caso de Brumadinho, a instalação dos trabalhadores da Companhia foi construída em local extremamente vulnerável, abaixo da barragem de rejeitos, apesar do claro risco de rompimento da barragem.

Os trabalhadores da indústria da mineração e a comunidade local enfrentam uma situação crítica de injustiça ambiental, em função do legado tóxico oriundo do colapso de barragens de rejeitos. Situações como a ocorrida em Mariana e, de forma mais trágica, em Brumadinho, impactam os direitos humanos à vida, à saúde, ao trabalho seguro, à água potável, aos alimentos e a um ambiente saudável.

A injustiça ambiental também reside no fato de os moradores das regiões exploradas pela mineração raramente receberem os benefícios econômicos dessas indústrias, apesar de estarem sujeitos à poluição tóxica e a outras formas de degradação ambiental.

7) População enfrenta riscos de contaminação

A imagem acima é do Instituto Inhotim, em Brumadinho, maior museu de arte contemporânea do Brasil e considerado um dos maiores acervos a céu aberto da América Latina. Embora não tenha sido atingida diretamente pelo desastre, estando localizada a 18 km do local do rompimento da barragem, a entidade ficou fechada por duas semanas. No dia 09 de fevereiro, retomou suas atividades, oferecendo a arte para tentar minimizar a dor e o sofrimento que abala a população do município

A mineração representa quase 10% do Produto Interno Bruto (PIB) de Minas Gerais, responsável por mais da metade da produção de minerais metálicos do País.

Cerca de 300 municípios de Minas Gerais dependem da mineração para geração de empregos e dinamizar a economia. Por ano, são extraídos quase 200 milhões de toneladas de minério de ferro. O Brasil possui 698 barragens de rejeitos minerais, sendo que pelo menos duas dezenas delas não têm estabilidade garantida e, pelo alto risco de ocorrer mais uma tragédia, causam temor à população que mora no entorno de uma delas.

A lama tóxica espalhada em Brumadinho ainda deixará um legado de doenças à população do entorno. Desde 2015, a população de Barra Longa, a 70 km do epicentro do rompimento da barragem de Mariana, enfrenta problemas de saúde, decorrentes da lama seca e tóxica. São doenças variadas, como problemas respiratórios, infecciosos e mentais. Barra Longa é um dos municípios mais expostos à degradação ambiental decorrente do desastre em Mariana.

Em Brumadinho, já foi confirmada, pela Agência Nacional de Águas (ANA) e o Serviço Geológico do Brasil (CPRM), a contaminação do rio Paraopeba. Foram verificadas concentrações de chumbo e mercúrio 21 vezes maior do que o limite permitido pelas normas ambientais. Também constatou-se a presença no manancial de outros metais, como níquel, cádmio e zinco, acima dos valores que podem ser tolerados, apresentando riscos à saúde humana e animal.

A presença de metais pesados nos lençóis freáticos, ao atingir as plantações, entra na cadeia alimentar e causa, a longo prazo, sérios riscos à saúde da população. 

O rio Paraopeba era utilizado para abastecimento público da região metropolitana de Belo Horizonte, mas a captação de água em seu leito foi suspensa pela Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), após a tragédia. Outras represas estão garantindo o abastecimento de água para atender a população. 

Na quinta-feira, 31 de janeiro, o Ministério Público de Minas Gerais recomendou que o governo estadual determine a proibição da pesca no rio Paraopeba.

8) Lama pode atingir o rio São Francisco

Na última terça-feira, dia 02 de fevereiro, especialistas da Fiocruz avaliaram os riscos à saúde pública, em função do rompimento da barragem em Brumadinho. Eles não descartam a possibilidade de a lama tóxica atingir o rio São Francisco.

A Vale instalou barreiras para conter o fluxo de rejeitos no rio Paraopeba, visando impedir que cheguem à bacia do São Francisco, mas a alternativa não é suficiente para conter a contaminação. Medições feitas no dia 05 de fevereiro pela equipe da SOS Mata Atlântica, que faz uma expedição para monitorar a qualidade da água, apontaram que as membranas retêm somente cerca de 50% do volume de rejeitos.

Há expectativa de que a represa de Três Marias, na região central de Minas Gerais, retenha a lama de rejeitos liberada pelo rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho. Porém, especialistas da Fiocruz afirmam que a contaminação poderá alcançar o rio São Francisco. Vários municípios do Nordeste utilizam a água da bacia do Velho Chico e seria um grande perigo a essa população.

O Córrego do Feijão, onde ocorreu o rompimento da barragem, em Brumadinho, é afluente do rio Paraopeba, que, por sua vez, deságua no rio São Francisco, no reservatório da Usina Hidrelétrica de Três Marias, localizado a 331 km da barragem rompida.

Em nota divulgada no dia 07 de fevereiro, a ANA afirmou que a água com rejeitos do rompimento da barragem avançou pouco mais de 130 quilômetros, estando a 200 quilômetros do reservatório da Usina Hidrelétrica de Três Marias, precisamente no município de São José de Varginha (MG).  

Segundo a Agência reguladora, a ausência de chuvas significativas nos primeiros dias, após o rompimento da barragem, colaborou para a baixa velocidade de propagação da frente de sedimentos e para sua deposição no leito do rio. Porém, as chuvas ocorridas nos últimos dias irão alterar o comportamento até agora observado, em função da lavagem e de novos aportes de rejeitos na barragem e na bacia de drenagem, localizada a jusante do local do rompimento.

Dessa forma, ainda não é possível afirmar as consequências se os rejeitos irão atingir o reservatório de Três Marias e impactar usuários de recursos hídricos localizados no rio São Francisco.

O reservatório da usina de Três Marias está operando em seu limite mínimo de recursos hídricos, para que possa comportar o maior volume de água com rejeitos recebida do rio Paraopeba.

Conclusões

A situação ambiental da mineração no Brasil é bastante crítica, pelos impactos devastadores das atividades predatórias do setor. Empresas mineradoras, como a Vale, têm sido negligentes no monitoramento de empreendimentos com alto risco socioambiental. O poder público, por sua vez, tem sido omisso. A fiscalização é precária e conta com estrutura insuficiente.

A tragédia de Brumadinho ocorreu no momento em que se discute a flexibilização das leis ambientais, visando desburocratizar as normas de licenciamento. O estado de Minas Gerais, que registrou as tragédias de Mariana e Brumadinho, é exemplo dos resultados catastróficos das tentativas de afrouxamento da legislação ambiental.

As lições deixadas pelos dois desastres é que o País deve levar mais a sério a legislação ambiental, com maior fiscalização e normas mais rigorosas. Grupos políticos que cedem às pressões das empresas estão obrigados a revisar a política de segurança de barragens de rejeitos da mineração. A indústria do setor está diante do desafio de buscar sustentabilidade ambiental e bem-estar humano. É o mínimo que empresas como a Vale devem fazer para retirar a mácula de dor, mortes e devastação.

Na sua opinião, o que deve ser feito para tornar a política ambiental brasileira mais eficaz? Você acha que a atual legislação é suficiente para evitar tragédias como a de Mariana e Brumadinho?

Atualizado em: 24.01.2020, às 14h12.

COMO CITAR ESTE ARTIGO:

LETRAS AMBIENTAIS. [Título do artigo]. ISSN 2674-760X. Acessado em: [Data do acesso]. Disponível em: [Link do artigo].

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