Um ano depois, Brasil não esclareceu vazamento de óleo no Nordeste



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Em 30 de agosto de 2020, completa-se um ano do grande desastre de poluição por óleo, no Litoral do Nordeste. Apesar de todo esse tempo, os responsáveis pelo crime ambiental continuam desconhecidos e impunes. O governo federal não conseguiu identificar e multar os culpados, conforme previsto na legislação ambiental. 

O incidente de vazamento de óleo no mar foi considerado um dos piores desastres ambientais da história do Brasil. Manchas de petróleo cru foram espalhadas por todo o Litoral brasileiro, do Maranhão até o Rio de Janeiro.

Enquanto isso, o Brasil acumula danos e prejuízos, em várias dimensões:

1) Econômicas: decorrentes de despesas para contenção do desastre, incluindo serviços de limpeza das praias;

2) Ambientais: toda a biodiversidade marinha foi afetada e ainda há pequenos resíduos de óleo no mar;

3) Sociais: uma população que sobrevive do turismo e da pesca artesanal foi diretamente atingida e não ressarcida, em função de os responsáveis não terem sido identificados e multados;

4) Institucionais: os impactos do desastre ambiental na arrecadação de municípios e estados da região Nordeste;

5) Científicas: apesar de existir capacidade tecnológica para mapear os resíduos de petróleo no mar, o Brasil não tomou essa medida a tempo, antes da dispersão e espalhamento do poluente pelo Litoral. Apesar de alguns cientistas continuarem pesquisando o incidente, essa radiografia inicial do poluente não foi feita. Com isso, importantes informações ficaram perdidas.

De forma geral, a dimensão real dos impactos do derramamento de óleo no mar ainda não foi mensurada, sendo muito difícil ser calculada, em sua totalidade. E parece que o governo brasileiro não aprendeu muitas lições, mesmo depois desse enorme desastre no Nordeste.

Apesar do papel central da exploração e transporte de petróleo em águas brasileiras, o Brasil continua vulnerável, na área de monitoramento das suas águas.

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Nos próximos anos, é provável que a exploração de recursos do Pré-Sal seja intensificada, no Brasil. O mercado está em crescente expansão, por conta do crescimento da extração de petróleo, no Litoral brasileiro.

Embora haja uma tendência global à descarbonização, tudo indica que poderá haver um aumento no consumo de combustíveis fósseis. Vale lembrar que têm sido poucas as iniciativas, políticas e jurídico-institucionais, de incentivo à substituição, dessas fontes poluentes, pelas energias renováveis.

A adaptação da política e dos setores econômicos, dos diversos países, para prevenir as ameaças das mudanças climáticas, foi tema deste postOs eventos extremos, de grandes proporções, decorrentes das mudanças climáticas, que poderão causar crises inesperadas e generalizadas, são chamados de "cisnes verdes". 

O aumento da exploração de petróleo gerará crescimento na área de transporte marítimo de cargas, sobretudo por parte de companhias estrangeiras. Essa tendência irá ampliar os riscos e demandas por sistemas de vigilância, para garantir a segurança, nos mares brasileiros.

Segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em março de 2020, ocorreu a desmobilização das equipes do governo federal, envolvidas com ações de resposta e monitoramento do vazamento de óleo.

O impacto da pandemia também diminuiu os esforços da operação. Assim, mesmo aparecendo novas manchas menores, nos últimos meses, o trabalho de limpeza das praias foi reduzido consideravelmente.

As últimas informações de monitoramento, disponibilizadas pelo Ibama, são de 19 de março de 2020. De acordo com o levantamento, foram detectadas manchas de óleo em 1.013 locais. No total, foram 130 municípios afetados, em todos os estados do Nordeste, além do Espírito Santo e Rio de Janeiro. 

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Brasil acumula prejuízos por gestão ineficiente de desastres

Em Maragogi, máquinas retiram petróleo das praias.

Em Maragogi (AL), máquinas retiram petróleo que invadiu praias.

A incapacidade do atual governo, na gestão de desastres, é algo que chama atenção. A resposta tardia e negligente, para conter o desastre, por derramamento de óleo no Litoral do Nordeste, não foi muito diferente do que assistimos atualmente.

Estamos nos referindo à grave crise sanitária, provocada pelo novo coronavírus. Logicamente, dadas as devidas proporções, a cada um desses desastres.

Os danos humanos, causados pelo espalhamento da pandemia, não se comparam com os impactos socioambientais, decorrentes do incidente de poluição por óleo, nos mares brasileiros.

No dia 23 de julho de 2020, a Covid-19 já havia devastado a vida de 82.771 brasileiros, segundo dados da Universidade Johns Hopkins. A dor pela perda, para o coronavírus, de cada uma dessas pessoas, são marcas indeléveis na vida de milhares de famílias.

Grande parte dessas mortes, poderiam ter sido evitadas, com um plano efetivo, para conter a disseminação do vírus, no Brasil. Não à toa, pelos números, o Brasil está entre os três países que lideram o trágico ranking de pior gestão da pandemia.

>> Leia também: Mancha de óleo por navio no Rio Grande do Norte pode não explicar origem do vazamento

Já no desastre de poluição por óleo, nas praias do Nordeste, as providências tomadas pelo governo federal foram igualmente ineficientes e incompletas.

A ação tardia e trôpega do governo brasileiro certamente tornou, em ambos os desastres, a dimensão dos impactos exponencialmente maiores.

Um dos aspectos comuns a ambas as tragédias foi a falta de articulação e integração dos estados, para resposta à crise. No caso do desastre de derramamento de óleo no mar, desde 2013, o Brasil já contava com um Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Águas sob Jurisdição Nacional (PNC), instituído pelo Decreto nº 8.127.

A legislação estabeleceu a estrutura organizacional de resposta do governo à crise, atribuindo responsabilidades a diversos órgãos. Consta no dispositivo legal todos os protocolos necessários, em caso de uma situação emergencial, de vazamento por óleo, em águas brasileiras.

Todavia, o PNC não foi acionado pelo governo federal, para o Nordeste. Foram tomadas apenas ações isoladas pela União, mesmo assim tardiamente. Pelos acordos internacionais, todas as vezes que ocorre um incidente de vazamento de óleo no mar, em grandes proporções, é preciso que um plano de contingência seja colocado em ação, organizando a resposta do país à crise.

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Governo não multou responsáveis pelo desastre e ainda contraiu uma dívida milionária

Agentes realizam limpeza das praias, poluídas com óleo

Em Tamandaré (PE), agentes removem camada de óleo das praias. 

Diante do não acionamento do PNC, os estados do Nordeste e o judiciário, especialmente o Ministério Público Federal, nos estados, exerceram um papel relevante, para conter os impactos do espalhamento dos resíduos.

Não por coincidência, destaca-se o papel desempenhado pelo judiciário e pelos estados do Nordeste, no controle da atual pandemia.Foi preciso que o Supremo Tribunal Federal (STF) interviesse, reconhecendo a autonomia dos estados, para tomar decisões normativas e institucionais, visando controlar a disseminação do coronavírus.

Essa medida foi relevante, considerando que informações falsas e protocolos controversos, sem comprovação científica, são disseminados, diariamente, pelo presidente Jair Bolsonaro e seus aliados mais devotos.

No caso do óleo no Nordeste, no início da crise, a gravidade da situação também foi subestimada, pelo governo federal. O Brasil contava com tecnologia e profissionais qualificados, para uma resposta adequada ao incidente. Porém, seria necessário coordenação, inclusive liberação rápida de recursos, para conter o alastramento do óleo no mar.  

>> Leia também: Por que os 5 navios gregos não poluíram o Litoral do Nordeste?

No último dia 18 de julho, o jornal O Globo divulgou que a União não pagou a dívida de R$ 43 milhões à Petrobrás, pela prestação de serviços de limpeza das praias, de agosto a dezembro de 2019. As informações foram obtidas junto à Marinha do Brasil, pela Lei de Acesso à Informação (LAI).

Como resultado da desarticulação do governo, na resposta à crise, impossibilitou-se esclarecer quem foram os responsáveis pelo grave crime ambiental, no Litoral do Nordeste. Até hoje, os prejuízos se acumulam na conta do Estado brasileiro.

Brasil perde legado científico do incidente por atrasar recursos para pesquisa

Conjunto de imagens do Sentinel-1A (Radar SAR), do Litoral brasileiro. Fonte: Lapis.

Conjunto de imagens do satélite Sentinel-1A (Radar SAR), do Litoral brasileiro. Fonte: Lapis.

Outra questão a ser levada em conta, no desastre por óleo no Nordeste, foi o papel de pesquisadores. Eles atuaram, por iniciativa própria, em investigações para esclarecer o incidente, para minimizar os impactos do óleo sobre a biodiversidade e na destinação correta dos resíduos.

Como exemplo, citamos a iniciativa do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis). Na oportunidade, apesar de contar com um número muito reduzido de colaboradores, o Laboratório mostrou capacidade para monitorar todo o Litoral brasileiro.

Com uso de tecnologia de Radar SAR (Satélite de Abertura Sintética), do Sentinel-1A e outros sensores, o Laboratório identificou, retrospectivamente, grandes manchas de óleo no mar.

Imagem do satélite SAR Sentinel 1A, de uma mancha de óleo no Litoral do Nordeste, registrada em 24 de julho. Fonte: Lapis.

Imagem de satélite destaca mancha de óleo na Costa leste do Nordeste. Fonte: Lapis.

As evidências encontradas pelo Lapis foram entregues às autoridades que investigam o caso e a comissões do Congresso Nacional. Porém, até agora, os responsáveis pelo vazamento de óleo não foram identificados e punidos. 

Somente depois de quase um ano, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) abriu recentemente um edital para financiar projetos, relacionados ao derramamento de óleo na Costa brasileira.

É claro que financiamento para pesquisa científica é importante a qualquer tempo. Mas o problema é que muitos pesquisadores já paralisaram seus estudos sobre o assunto, por falta de recursos e de pessoal, para dar continuidade às atividades emergenciais.

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Conclusão

O panorama apresentado neste post mostra que a gestão de desastres, sejam ambientais, sanitários, meteorológicos ou de qualquer outra natureza, requer equipe qualificada para uma adequada resposta emergencial. Para que se alcancem os resultados esperados, é preciso coordenação e ações tempestivas, por parte do governo.

Pelo que analisamos, na gestão do vazamento de óleo, no Litoral do Nordeste, comparando com a grave situação atual de pandemia, o Brasil tem mostrado incapacidade institucional e de articulação para gerir desastres e minimizar seus terríveis impactos.

Qualquer atraso ou ineficiência, nas ações de resposta, transformam um desastre, que poderia ser de impactos pontuais, em consequências de grandes proporções.

Quando isso acontece, grande é o trauma da sociedade para lidar com a dimensão dos danos humanos, prejuízos sociais, econômicos e ambientais. É o que ocorreu com o vazamento de óleo no Nordeste e é o dramático cenário que atravessamos na atual pandemia.

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*Post atualizado em: 23.07.2020, às 09h01.

COMO CITAR ESTE ARTIGO:

LETRAS AMBIENTAIS. [Título do artigo]. ISSN 2674-760X. Acessado em: [Data do acesso]. Disponível em: [Link do artigo].

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