O oceano Atlântico é uma das áreas globais que mais afetam o clima no Nordeste brasileiro, Estados Unidos e Europa. A depender das condições do Pacífico tropical, as temperaturas da superfície do Atlântico Sul podem ser decisivas para a quadra chuvosa na região brasileira.
Nas últimas semanas, anomalias incomuns de temperatura foram detectadas na região tropical do oceano Atlântico Sul. Essa área do Oceano é conhecida por ter uma conexão importante com a estação chuvosa na costa leste do Nordeste brasileiro.
Em termos simples, “anomalia” significa um desvio da média histórica climatológica. Quando se trata de oceanos ou clima, uma anomalia de temperatura significa que a temperatura é mais alta ou mais baixa do que o normal, naquela época do ano, sempre em relação à média histórica. Ou seja, para se definir a anomalia da temperatura dos oceanos, os dados atuais geralmente são comparados com a média dos últimos 30 anos.
Neste post, vamos analisar as atuais condições do Atlântico Sul e como suas temperaturas podem afetar o clima sazonal no Brasil. Para isso, vamos identificar como historicamente essas anomalias têm influenciado no clima do Nordeste brasileiro. Mas antes, vamos entender o que impulsiona as anomalias de temperatura no Atlântico.
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Como sabemos, as variações climáticas acompanham as interações oceano-atmosfera. A partir de dados de satélite, é possível rastrear o movimento de nuvens e sistemas de pressão, em todo o mundo. Esse movimento é causado por mudanças de pressão e ventos, cruciais na relação entre os oceanos e a atmosfera.
Os ventos alísios são os ventos predominantes de leste que circundam a Terra, próximo ao Equador. Eles são mais fortes e consistentes sobre os oceanos do que sobre a terra. Como resultado, os ventos alísios geralmente produzem condições de céu parcialmente nublado, caracterizadas por nuvens rasas do tipo cúmulos e tempo estável.
A imagem acima mostra os padrões globais de vento de superfície, com ventos alísios em amarelo e vermelho. No Atlântico Sul, o padrão de circulação é no sentido anti-horário, pois existe um sistema de alta pressão naquela região.
A imagem destaca a média real dos ventos de superfície, nos últimos 40 anos. Apresenta ainda os ventos alísios de sudeste, predominantes no Atlântico Sul tropical, bem como sua circulação no sentido anti-horário.
Para mostrar um exemplo prático, o Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis) produziu um mapa que mostra as anomalias de temperatura do oceano Atlântico Sul, com dados do dia 22 de maio deste ano.
Na área oceânica da costa leste e na porção norte do Nordeste brasileiro, é possível observar a temperatura da superfície do mar mais aquecida que o normal, em razão das mudanças na força dos ventos alísios.
À medida que os ventos alísios de sudeste atravessam o oceano, eles normalmente trazem a água mais profunda e fria para a superfície do oceano. Mas ventos alísios de sudeste mais fracos podem significar o oposto, deixando águas mais calmas, com menos mistura, permitindo o aumento da temperatura do oceano.
É o que acontece agora no Atlântico Sul tropical, com ventos alísios mais fracos, levando as temperaturas oceânicas ao recorde para esta época do ano.
As anomalias da superfície oceânica para o mês de maio mostram “pontos frios” oceânicos desenvolvidos. Mas uma área está localizada no centro do Atlântico Sul tropical, com anomalias já ultrapassando 2 °C neste mês de maio.
O gráfico acima mostra as anomalias de temperatura para o Atlântico Sul tropical. A linha preta se refere aos meses de janeiro a maio deste ano. As temperaturas do oceano estão mais altas do que o normal, para esta época do ano. Os recordes foram observados para o mês de fevereiro. A linha laranja é a evolução prevista pela previsão de longo prazo.
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Os recordes de temperaturas não são detectados apenas na superfície do Atlântico Sul tropical. De maneira geral, prevalece atualmente uma tendência de aquecimento dos oceanos. Embora algumas regiões oceânicas estejam mais frias que o normal, predominam, no cenário global, pontos críticos com altas temperaturas oceânicas.
O mapa acima mostra anomalias da temperatura global dos oceanos, com identificação de pontos críticos de aquecimento. É o caso da região do Pacífico tropical, onde já está prevista a chegada do El Niño, a partir de julho deste ano. Neste post, explicamos que a previsão indica pico do El Niño no verão de 2024.
No gráfico abaixo, você pode ver que os oceanos globais estão operando em níveis recordes, não vistos pelo menos desde 1980, quando se consolidaram as observações por satélite.
Prever a temperatura dos oceanos não é uma tarefa fácil. No entanto, como há uma conexão entre o oceano e a atmosfera, é crucial dispor de uma boa previsão do tempo, antes que os modelos possam calcular a resposta oceânica.
O mapa abaixo é uma previsão da anomalia oceânica para o próximo mês de junho, combinada com diferentes sistemas globais de previsão de longo prazo. Observe que predominam anomalias positivas em grande parte do Atlântico Sul, mantendo essa região oceânica muito mais quente que o normal.
No mesmo mapa, você pode ver o Pacífico tropical em processo de forte aquecimento, indicando a chegada do El Niño, nos próximos meses. É o oposto do sinal do Atlântico Sul tropical, que se mostra favorável a tempestades tropicais mais fortes.
Com base nos dados históricos, sabe-se que, em geral, um evento de El Niño reduz as chuvas e sistemas tropicais no leste da Amazônia e no Nordeste brasileiro. O motivo é o cisalhamento do vento mais forte, impedindo que as tempestades se organizem e aumentem.
Além disso, destaca-se a Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), sistema meteorológico responsável pela maior parte das chuvas na região Nordeste. A ZCIT é uma grande zona de instabilidade, que oscila para norte e sul, sempre perto da faixa equatorial do Globo terrestre. Ela é decisiva na determinação do quão abundante ou deficiente serão as chuvas no setor norte do Nordeste do Brasil.
Acontece que em anos de eventos de El Niño, a ZCIT fica mais afastada da costa brasileira, reduzindo a possibilidade de formação de chuvas na região Nordeste. Explicamos com mais detalhes neste post.
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O que essas anomalias quentes nos oceanos realmente significam para o clima? O efeito mais imediato que podemos encontrar nos dados históricos seria a temporada de chuvas, na costa leste do Nordeste brasileiro, acima da média histórica.
Assim como o clima e os ventos podem influenciar o oceano, o oceano também influencia o clima. Os oceanos contêm muita energia, que pode ser usada por sistemas climáticos e padrões de pressão. A influência meteorológica direta mais óbvia do oceano está nos sistemas tropicais.
Para a precipitação, devem predominar tendências muito mais secas, na maioria das regiões de tempestades tropicais. Por exemplo, durante um El Niño, o centro-norte do Brasil e a maior parte do Atlântico tropical ficam mais secos do que o normal.
Isso é principalmente resultado de pressão mais alta e condições mais estáveis, em toda a linha. Isso significa menos tempestades tropicais e sistemas mais fracos. Portanto, um El Niño pode reduzir muito a chance de um forte furacão atingir os Estados Unidos.
Como depende muito das condições atmosféricas, um El Niño proporciona um ambiente mais difícil para que as tempestades se transformem em chuvas mais fortes, na costa leste do Nordeste brasileiro, durante o período junho-agosto. Mas embora o El Niño pareça forte, o recorde de aquecimento do oceano Atlântico não deve ser ignorado.
*Atualizado em: 23.05.2023, às 17h16.
LETRAS AMBIENTAIS. [Título do artigo]. ISSN 2674-760X. Acessado em: [Data do acesso]. Disponível em: [Link do artigo].
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