Os rios “voadores” e a chuva extrema no litoral de São Paulo


Imagem do PlanetScope mostra desizamento de terra no litoral norte de São Paulo. Fonte: Lapis.


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A chuva extrema que atingiu municípios do litoral norte de São Paulo, da noite do dia 18 até a madrugada do dia 19 de fevereiro, resultou da formação de um sistema climático chamado “rio atmosférico”. No Brasil, o fenômeno é popularmente conhecido como “rios voadores”.

Os municípios mais atingidos foram Bertioga e São Sebastião, que receberam mais de 600 milímetros (mm) de chuva, em menos de 24 horas. O evento extremo de chuva, com inundações e deslizamentos de terra, causou um verdadeiro desastre nesses locais, com 65 mortes confirmadas.

A população local também enfrenta doenças e/ou fraturas, estando cerca de 5 mil pessoas desabrigadas ou desalojadas. A rodovia Rio-Santos, que liga o litoral norte ao litoral sul de São Paulo, foi fechada, isolando o litoral do resto do estado, pelo menos por estrada, com impactos econômicos significativos.

A imagem do satélite GOES-16, gerada no último dia 18 de fevereiro, mostra o rio atmosférico que despejou chuvas torrenciais, no litoral norte de São Paulo. O fenômeno se origina na Amazônia, onde recebe umidade vinda das florestas tropicais da África. Em seguida, desce pelo interior do continente, no sentido do Centro-Oeste ao Sudeste ou ao Sul do Brasil, onde provoca chuvas volumosas. É por isso que se costuma destacar o quanto as chuvas nessas regiões brasileiras dependem da floresta amazônica.

Imagem do satélite GOES, processada no QGIS

Um rio atmosférico é uma faixa de ar quente e úmido, que pode se estender por cerca de 10 mil quilômetros de extensão, fazendo fronteira com um grande sistema ciclônico de baixa pressão. O corredor de umidade passa pelas regiões do Centro-Sul brasileiro, atravessa o Oceano Atlântico e pode atingir o limite oeste do oceano Índico.

No final da década de 1990, cientistas descobriram que mais de 90% da umidade mundial dos trópicos e subtrópicos foi transportada para latitudes mais altas, por sistemas semelhantes, que eles chamaram de “rios atmosféricos”.

No Brasil, o rio atmosférico forma a conhecida Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS), um fenômeno comum durante o verão brasileiro e responsável pelo grande volume de chuva nas regiões Sul e Sudeste do País. Ele ocorre quando a massa de vapor de água encontra uma frente fria, formada acima do oceano Atlântico Sul.

Foi justamente a presença de uma frente fria um dos fatores que explica o recente evento extremo de chuva, que deixou morte e destruição, no litoral norte de São Paulo. A frente fria desencadeou um canal de umidade, com volumes de chuva muito altos sobre o litoral paulista. Esse fluxo recebe o nome meteorológico de rio atmosférico.

A tempestade do último fim de semana foi impressionante tanto por sua duração quanto por sua intensidade. Choveu continuamente em grande parte da rota de tempestade, por mais de 24 horas, e a taxa foi muito superior às chuvas normais de verão. O escoamento rápido excedeu a capacidade de carga dos córregos e rios.

Um único “rio voador” pode transportar um fluxo de água superior ao rio Amazonas ou ao rio Nilo, considerados os maiores do Planeta. Na verdade, os maiores rios da Terra estão no céu, sob a forma de rios atmosféricos, podendo produzir fortes tempestades, como as que inundaram o litoral de São Paulo. Quando essa umidade atinge a costa e se move para o interior, ela se eleva sobre as montanhas, gerando chuva, provocando inundações extremas e fluxos de detritos.

O meteorologista Humberto Barbosa, fundador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), explica a situação meteorológica que provocou chuva excepcional no litoral de São Paulo. “O sistema encontrou ar mais quente sobre a região Sul e não conseguiu avançar mais para o norte, devido à formação de um Vórtice Ciclônico de Altos Níveis (VCAN), no sul da região Nordeste do Brasil. Com isso, a frente fria se tornou semi-estacionária sobre a região Sudeste, levando chuvas e temporais ao litoral norte de São Paulo”, destaca.

“Isoladamente, a frente fria não foi a grande responsável pela convergência de umidade. A área de alta pressão, que atua sobre o oceano Atlântico, também contribuiu para transportar a umidade da região amazônica até a região Sudeste do País”, completa o meteorologista.

Imagem de modelos climáticas mostram aquecimento do Atlântico Sul_QGIS

As correntes de ar que sopram do Atlântico, em direção ao continente, são os responsáveis por canalizar toda a umidade liberada do oceano em direção à região amazônica. Chegando ali, esse fluxo de umidade ganha mais corpo com o vapor liberado pela floresta amazônica.

>> Leia também: Entenda os 5 fenômenos que trazem chuvas para o Nordeste, durante o verão

Novas imagens do Planet mostram cicatrizes das inundações no litoral norte de São Paulo

A imagem acima ilustra como a convergência de vários sistemas meteorológicos (VCAN, ZCAS, frentes frias, Alta da Bolívia e sistemas ciclônico de baixa pressão) provocou as graves inundações no litoral norte de São Paulo. Para saber mais sobre cada um desses sistemas meteorológicos, acesse este post

A ocorrência simultânea de tempestade com vento e chuva forte, de grande intensidade, impulsionou a violência das inundações, na região costeira, do litoral norte de São Paulo.

Imagens do sistema PlanetScope mostram as cicatrizes deixadas no terreno pela voracidade das inundações, no entorno da Praia da Baleia, em São Sebastião. É o município do litoral norte de São Paulo onde a tempestade deixou maior rastro de destruição.

O PlanetScope utiliza dados de alta tecnologia, obtidos a partir de poderosos nanossatélites, com alta resolução espacial e frequência diária. 

Imagens do PlanetScope sistema de satélite

As imagens permitem observar os enormes sulcos abertos no terreno das encontas de morros, em decorrência das tempestades com chuvas fortes e ventos. Pelo tipo de solo, a intensidade do evento hidrometeorológico provocou deslizamentos de terra e queda de árvores. Isso acarretou em uma grave inundação, principalmente no município de São Sebastião, destruindo tudo o que se encontrava pelo caminho. 

>> Leia também: Imagens de satélite inéditas mostram antes e depois do desastre no litoral de São Paulo

Por que eventos climáticos extremos estão mais comuns?

 

Há um consenso na comunidade científica global de que o aumento dos eventos climáticos extremos está associado às mudanças climáticas. Altas temperaturas, secas extremas e chuvas torrenciais estão entre os principais eventos climáticos extremos, tendo como impactos as inundações, deslizamentos de terra, aumento do nível do mar, incêndios florestais e derretimento da camada de gelo.

Exemplos desses eventos excepcionais incluem: ondas de calor extremo, como a que atingiu países da Europa, de junho a julho de 2022; inundações no oeste da Alemanha, leste da Bélgica e província de Henan, na China, em julho de 2021; calor extremo e incêndios florestais na Sibéria, em 2020 e 2021; incêndios florestais na Califórnia, em agosto de 2021, considerados o pior registrado na história naquele estado; seca e queimadas na Amazônia brasileira, em 2019, e no Pantanal, em 2020.

Climatologistas comparam alguns desses eventos climáticos extremos, com eventos históricos do passado, e concluem que provavelmente não teriam acontecido ou não teriam sido tão graves, se não fosse pelo processo de mudança climática.

O mecanismo é simples: os gases do efeito estufa prendem o calor na atmosfera, aquecendo o Planeta. Isso faz com que mais água evapore dos oceanos e lagos, e o aumento da umidade no ar torna os sistemas de tempestades mais fortes.

Uma melhor compreensão da intensidade, duração e localização dos rios atmosféricos pode fornecer informações valiosas para a população local e equipes de emergência.

Embora as temperaturas da superfície terrestre sejam uma consequência e uma causa dos extremos climáticos, a principal fonte desses fenômenos está relacionada ao calor do oceano, que energiza os sistemas climáticos.

Oceanos mais quentes fornecem umidade extra para a atmosfera. Essa umidade extra alimenta os rios atmosféricos, aumentando os riscos de inundações e deslizamentos de terra.

Nos oceanos, a água quente fica sobre as águas mais frias e densas. Todavia, os oceanos aquecem de cima para baixo e, consequentemente, o oceano está se tornando mais estratificado. Isso inibe a mistura entre as camadas que, de outra forma, permite que o oceano aqueça a níveis mais profundos, absorva dióxido de carbono e oxigênio.

Vegetação preservada pode conter impactos das inundações

 

Depois de um evento fluvial atmosférico que causou graves inundações no litoral norte de São Paulo, sedimentos carregados das encostas para a praia de São Sebastião podem ser vistos a até 10 quilômetros da costa. À medida que as águas baixam, montanhas de destroços são deixadas para trás (placas de gesso, roupas, colchões, móveis, eletrodomésticos, troncos de árvores, entre outros).

As árvores que margeiam os córregos e rios estão na linha de frente, quando ocorrem grandes inundações, suportando o impacto da enchente. A vegetação costuma ser aliada, para conter os impactos da chuva no solo. Todavia, em situações excepcionais, como ocorreu no litoral norte de São Paulo, as árvores também são arrastadas, a depender da voracidade das enchentes e do tipo de solo.

Árvores grandes podem proteger plantas menores, como arbustos, agindo como uma barreira física ao forte impulso das águas da enchente. Isso ocorre porque a presença de árvores diminui a velocidade da enchente, pois seus troncos, raízes e galhos bloqueiam e desviam a água, mudando a direção do fluxo.

Por outro lado, a diminuição das enchentes também pode fazer com que a frente da inundação se alargue, inundando áreas mais distantes do curso normal do rio.

Nas encostas, os sistemas radiculares das árvores consolidam os solos e ajudam a evitar o movimento do solo supersaturado, que pode fluir como um líquido morro abaixo. Portanto, pode ser um problema quando as pessoas derrubam árvores ao redor das suas casas ou ao longo das estradas.

Após a inundação, os solos podem permanecer muito úmidos, por muito tempo. Algumas árvores, como eucaliptos, são capazes de tolerar inundações por muitas semanas.

Os solos encharcados têm baixos níveis de oxigênio, o que significa que as raízes lutam para manter seu metabolismo, saúde e função normais. Isso também afeta os fungos, associados a raízes saudáveis. Quanto mais tempo os baixos níveis de oxigênio persistirem, menos adequadas serão as condições.

O baixo oxigênio nos solos leva à respiração anaeróbica – quando as células quebram os açúcares, para gerar energia sem oxigênio, produzindo álcool e ácido lático. Tanto o álcool quanto o ácido lático são apenas venenos leves, mas à medida que seu nível aumenta, as raízes e as células fúngicas podem ser mortas.

As árvores podem morrer muito rapidamente, em questão de dias, principalmente as mais velhas e estressadas. Pouco pode ser feito para ajudar as árvores a sobreviver nessas condições.

E conforme as raízes morrem, as árvores ficam mais instáveis. Isso significa que, se os ventos aumentarem de velocidade, o sistema radicular, comprometido em solo encharcado, faz com que árvores inteiras sejam derrubadas pelos ventos.

Algumas árvores não sobreviverão a grandes inundações, pois a força bruta da água mina seus sistemas radiculares, derrubando-as.

Em outros casos, os detritos, incluindo árvores inteiras e galhos grandes, atuam como aríetes em troncos grandes. A maioria das árvores grandes sobreviverá a isso, mas algumas serão repetidamente danificadas até que o tronco, os galhos principais ou os sistemas radiculares falhem.

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*Última atualização em: 09.03.2023, às 15h14. 

COMO CITAR ESTE ARTIGO:

LETRAS AMBIENTAIS. [Título do artigo]. ISSN 2674-760X. Acessado em: [Data do acesso]. Disponível em: [Link do artigo].

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