A seca é reconhecida como um dos desastres naturais de maior ocorrência e impacto no mundo, pela longa duração em que ocorre e as extensas áreas atingidas. É também um dos desastres naturais mais onerosos, já que afeta pessoas, governos e diferentes setores econômicos. Por isso, é importante, embora frequentemente difícil, entender melhor a relação entre a gravidade de uma seca e os seus impactos diretos e indiretos.
No Brasil, embora seja muito comum se associarem episódios de secas restritos apenas à região semiárida, esses eventos climáticos estão bem distribuídos pelo País. É o que mostra uma pesquisa sobre o Perfil dos Municípios Brasileiros (Munic), divulgada na última quinta-feira, dia 05 de julho de 2018, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
De acordo com o estudo, no período de 2013 a 2016, em praticamente metade dos 5.570 municípios brasileiros (48,6%) ocorreu algum evento de seca, totalizando 2.706 municípios a registrarem esses eventos climáticos no Brasil.
A seca afetou os 1.262 municípios integrantes do Semiárido brasileiro. Nesses locais, em geral, a população enfrenta uma situação crônica em seu abastecimento hídrico. Além da região semiárida, também ocorreram secas em um total de 1.444 municípios de outras regiões do País.
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Diante desse cenário, há outro aspecto fundamental demonstrado pela pesquisa do IBGE: a maioria dos municípios afetados pela seca (59,4%) não contava com um instrumento orientado à prevenção de desastres naturais e apenas 14,7% tinham um plano específico de contingência e/ou de prevenção à seca.
A região mais afetada pela seca no Brasil é o Semiárido, onde o evento climático pode durar até 11 meses, em algumas áreas, sob condições historicamente normais, ou seja, apenas pelas características naturais de semiaridez de determinadas localidades, mesmo quando não ocorrem secas prolongadas.
É o caso das áreas mais secas do Brasil, a exemplo dos Cariris, na Paraíba, e do Raso da Catarina, na Bahia, onde, em anos de secas extremas, os registros de chuvas podem ficar abaixo de 200 mm ou em torno de 400 mm, respectivamente. A precipitação pluviométrica média anual, no Semiárido brasileiro, é de 800 mm, embora a região tenha como característica climática um alto nível de variabilidade espaço-temporal.
Mas existem diversas outras regiões do Brasil nas quais a seca tem provocado severa crise na disponibilidade de água à população, como também às mais importantes atividades/setores produtivos vulneráveis aos impactos do evento climático.
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Recentemente, algumas das mais importantes cidades brasileiras se encontraram na iminência de um colapso no seu abastecimento hídrico. Foi o caso de São Paulo, na região Sudeste, com mais de 20 milhões de habitantes em sua área metropolitana e considerada a cidade mais próspera do País. No período de 2014-2016, a cidade enfrentou uma severa seca, provocando a pior crise hídrica já registrada naquela região.
A seca também atingiu Brasília, a Capital Federal, no Centro-Oeste do País, a enfrentar atualmente uma crise hídrica sem precedentes em sua história. O evento climático afetou ainda a Amazônia, na região Norte do Brasil. Nos últimos anos, a seca tem se tornado mais frequente naquele bioma e tem sido indicada como fator agravante da ocorrência de incêndios florestais.
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No período de 2010-2017, o Semiárido brasileiro enfrentou a “Seca do Século”, considerada a pior já registrada na história do País. O fenômeno, com intensidade, abrangência e duração sem precedentes até então, acarretou consequências devastadoras à população, economia e governos, tomando proporções de desastre natural.
Em 2012, quando houve o pico do extremo climático, todos os municípios do Semiárido brasileiro decretaram Situação de Emergência, alguns deles reconhecidos mais de uma vez nessa condição. Esse reconhecimento oficial da ocorrência de desastre natural nos municípios, por ocasião dos impactos da seca, garante ajuda do governo brasileiro com recursos públicos para que sua população atravesse a crise.
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No livro “Um século de secas: por que as políticas hídricas não transformaram o Semiárido brasileiro?” (Editora Chiado, Portugal), os autores analisaram, de forma inédita, a história das secas na região, durante o período de 1901-2016, identificando e avaliando as respostas apresentadas pelos governos, em termos de políticas e ações de adaptação, de acordo com a severidade de cada evento climático.
De acordo com o Atlas Brasileiro de Desastres Naturais, de 1991 a 2012, foram registrados 39.837 desastres naturais no Brasil. Desse total, os episódios de estiagem e seca totalizaram 19.517 registros oficiais, representando 48% dos registros nacionais. A distribuição dos eventos de seca e estiagem entre as regiões brasileiras, durante o período, está representada abaixo:
O Nordeste, região mais afetada por episódios de secas e estiagens no Brasil, registrou quase 60% dessa tipologia de desastre ocorrida no País. A grande maioria dos desastres naturais naquela região (78,4%) corresponde a eventos de estiagens e secas.
Há uma diferença entre seca e estiagem. A primeira consiste na ausência de chuvas por um período prolongado, afetando a população e os setores produtivos, em função da escassez crônica de água. As estiagens ocorrem quando há uma sensível redução de chuvas, causando prejuízos à produção agropecuária. As estiagens são menos intensas em relação às secas e ocorrem em períodos de tempo menores. Todavia, por se tornarem frequentes, também têm causado grandes impactos econômicos.
De acordo com o Anuário Brasileiro de Desastres Naturais, em 2013, um total de 4.433 municípios brasileiros foram afetados por algum tipo de desastre natural, dos quais, cerca de 71% foram decorrentes de seca e estiagem. Naquele ano, o Semiárido foi a região brasileira mais atingida pelos eventos de seca e estiagem, com um total de 3.096 registros de ocorrência desse tipo de desastre em seus municípios. Um total de quase 12 milhões de pessoas foram afetadas pela seca e estiagem no País.
Os números da seca são impressionantes, e não param por aí. Os impactos da seca afetam os setores econômicos da agricultura, pecuária, indústria, serviços e a comunidade em geral, desestruturando o funcionamento das atividades produtivas de diversas regiões brasileiras, principalmente na região Nordeste.
No período de 1995-2014, o total de danos materiais e prejuízos (públicos e privados) causados por desastres naturais derivados de eventos climatológicos no Brasil foram estimados em R$ 100 bilhões. Deste total, cerca de 75% estão diretamente vinculados às estiagens e secas a afetarem frequentemente o Nordeste e as demais regiões do Brasil. Os dados são de um Relatório do Centro de Estudos e Pesquisas em Engenharia e Defesa Civil (Ceped).
Os danos materiais se referem às informações de danos em habitações e infraestruturas, bem como em instalações públicas e privadas, apresentadas em número de registros e em valores monetários. Já os prejuízos se relacionam às perdas reportadas nos setores público e privado. Para este último, os valores informados são dos setores de agricultura, pecuária, indústria e serviços.
Segundo os pesquisadores, esses resultados são reconhecidamente subestimados, em função de os dados disponíveis serem limitados. Em geral, os registros de desastres naturais só são feitos nos casos mais graves, quando o município não consegue lidar com o evento extremo e precisa de auxílio financeiro dos governos. Além disso, a pesquisa considera apenas as informações reportadas pelas Defesas Civis aos estados e à União, bem como somente os impactos diretos.
Lidar com a seca é um desafio de longa data no Brasil. Apesar disso, o País ainda não desenvolveu uma capacidade adequada de resposta à gestão desses eventos climáticos extremos. Nos locais onde se desenvolvem as atividades dos principais setores produtivos (agropecuário, hídrico, industrial etc.), extremamente vulneráveis aos impactos do evento climático, ainda não se dispõe de uma infraestrutura e um preparo da população para adaptação à seca.
Por que isso ocorre? Primeiramente, destaco o fato de o Brasil ainda não possuir um plano permanente para fazer frente aos impactos da seca. Em seguida, ressalto a desarticulação e fragmentação das ações de governos (municipais, estaduais e federais) para adaptação à seca. As organizações civis desempenham, hoje, um papel importante na gestão das secas, mas também necessitam integrar um plano de ação mais amplo e coordenado.
A gestão do risco de secas requer um alto nível de articulação entre as instituições e entidades civis para definir programas consistentes e estratégias políticas de adaptação às secas. Também exige aspectos como qualificação de pessoal e sistemas robustos de monitoramento/gerenciamento das secas.
Desde fins do século XIX, ocorreram secas de impacto severo ou extremo na área semiárida brasileira. Para saber mais sobre a história das políticas de enfrentamento a cada um desses eventos climáticos extremos, recomendamos a leitura do livro “Um século de secas”. A obra apresenta um panorama da atual política de gestão das secas no Semiárido brasileiro.
Frequentemente, a ênfase dos governos do Brasil recaía sobre políticas emergenciais para a seca, ações em geral tardias, centralizadas, sem o adequado planejamento e insuficientes para resolver o problema. Outro aspecto comum foi a falta de participação da população na elaboração de políticas para adaptação às secas, provocando a definição de ações descontextualizadas da realidade do Semiárido brasileiro.
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A “Seca do Século” (2010-2017) deixou importantes lições para o Brasil, principalmente chamou atenção para o quanto continuamos despreparados para enfrentar um extremo climático de tamanha gravidade, tendo tomado proporções de desastre natural no Semiárido brasileiro. É possível que esses eventos climáticos tornem-se cada vez mais comuns, diante das ameaças do processo de mudanças climáticas, a aumentar a intensidade e frequência das secas.
Apesar da gravidade da “Seca do Século”, pouco foi feito no Brasil, em termos de ações estruturais e não estruturais, com foco na gestão integrada do risco de desastres naturais dessa magnitude e abrangência.
O ano de 2017, em função do fenômeno La Niña, no oceano Pacífico, rompeu um longo ciclo de secas no Semiárido brasileiro. Todavia, o monitoramento ambiental, realizado pelo Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), mapeou, esta semana, a ocorrência de secas, novamente, em quase todo o Semiárido brasileiro, conforme imagem de satélite acima.
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As cores em amarelo e vermelho mostram, no mapa acima, áreas de seca moderada e seca grave, respectivamente. De fato, desde maio, a região está na estação seca. As previsões climáticas ainda não definiram se estamos diante dos primeiros sinais de uma nova seca prolongada.
De qualquer forma, é importante fortalecer e integrar os diversos mecanismos de monitoramento, previsão e alerta precoce da seca, a fim de acompanhar sua severidade, evolução espacial e temporal, como também seus impactos sobre os diferentes setores econômicos.
Um aviso tardio sobre a ocorrência de secas pode trazer prejuízos incalculáveis a uma região, setor produtivo ou comunidade. Sendo assim, elaborar ferramentas de apoio à decisão, como informações sobre previsão climática, situação da saúde da vegetação, umidade dos solos, temperatura da superfície da terra, são fundamentais para subsidiar a gestão e a política para as secas. A exemplo do Sistema de Monitoramento e Alerta para a Cobertura Vegetal da Caatinga (SimaCaatinga), para a gestão do risco agrícola no Semiárido brasileiro.
Os impactos da seca se espalham por municípios das diversas regiões brasileiras, sendo mais graves no Semiárido. Cerca de 60% dos municípios afetados pela seca não desenvolvem instrumentos para evitar que o evento climático tome proporções de desastre natural.
Sendo assim, fortalecer as ações de monitoramento e gestão das secas nesses municípios é o primeiro passo para uma melhor política e gestão das secas no Brasil, em direção à uma mudança de abordagem, da gestão emergencial/reativa à preparação e gerenciamento proativos, permitindo uma melhor adaptação à seca.
E você, acredita que os prejuízos do Brasil com a seca podem ser reduzidos? Que ações podem ser implementadas para evitar que a seca tome proporção de desastre natural?
LETRAS AMBIENTAIS. [Título do artigo]. ISSN 2674-760X. Acessado em: [Data do acesso]. Disponível em: [Link do artigo].
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