Situação meteorológica adversa pode ter causado acidente com voo de Gabriel Diniz


imagem de radar no dia do acidente


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A aeronave que caiu no dia 27 de maio de 2019, no Povoado Porto do Mato, em Estância (SE), provocando a trágica morte do cantor Gabriel Diniz, e dos pilotos Abraão Farias e Linaldo Xavier, trafegava sob condições meteorológicas adversas. O avião havia decolado de Salvador (BA), com destino a Maceió (AL). 

Na época em que ocorreu o acidente, muitas eram as perguntas que buscamos explicar ao longo deste post: as condições meteorológicas foram responsáveis por causar o acidente? Se a situação de tempo fechado vinha se agravando ao longo do trecho, os pilotos não consideraram retornar? Por que o acidente ocorreu tão próximo ao Aeródromo de Praia do Saco? Será que os pilotos buscavam fazer um pouso de emergência naquele Aeródromo?

Atualização - No dia 30 de outubro de 2020, o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) divulgou o laudo da investigação sobre o acidente. Na conclusão, foi confirmado que o acidente realmente ocorreu por condições meteorológicas adversas, mas também por suposta falha humana. Os peritos constataram que apenas Linaldo Xavier exercia a função de piloto e, em tese, cometeu erro de indisciplina. O piloto não avaliou corretamente os parâmetros adequados para operar a aeronave, com a decisão do prosseguir o voo, mesmo sob condições meteorológicas desfavoráveis.

Confira, a seguir, a análise meteorológica original, divulgada na época, com base em informações especializadas, bastante precisas, fornecidas pelo Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis). 

Avião caiu muito próximo ao Aeródromo de Estância 

Análises meteorológicas acuradas são fundamentais à segurança do tráfego aéreo. O Centro Integrado de Meteorologia Aeronáutica (CIMAER), ligado ao Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea), da Aeronáutica, é o órgão responsável pela vigilância das condições meteorológicas do espaço aéreo brasileiro, com base em radares meteorológicos e outras informações. 

A imagem abaixo é uma carta aeronáutica, disponibilizada pelo Decea, para orientar os pilotos, nos dias 27 e 28 de maio, sobre as previsões de fenômenos meteorológicos, visando garantir a segurança aérea. A carta aeronáutica está atualizada para as condições de tempo das 13h do dia 27 de maio, horário de Brasília. 

De acordo com o documento, na área litorânea entre Salvador e Aracaju, havia uma zona de instabilidade, associadas a frentes frias da região do Atlântico Sul. As condições meteorológicas indicadas na carta eram de céu nublado, com nuvens entre 0,5 a 1.800 km de altitude. Na maior parte da rota, havia nuvens baixas e médias, do tipo nimbostratus ou stratocumulus, que provocaram chuvas. 

O meteorologista Humberto Barbosa, do Laboratório Lapis, analisou fotografias de câmeras de segurança, do município de Estância, informações geográficas, imagens de radar meteorológico e imagens de satélites. Ele concluiu ter havido, nessa área, uma intensificação das condições meteorológicas adversas, que já vinham sendo enfrentadas em boa parte do trecho, o que pode ter provocado o acidente.

“O ponto mais crítico da rota da aeronave foi exatamente próximo ao meio dia. Em toda a área de Estância, havia uma situação de condições meteorológicas adversas, de ventos intensos em baixos níveis e tempestades localizadas. Exatamente na área de Estância, onde foram encontrados os destroços, naquele intervalo de tempo, a atmosfera estava totalmente desfavorável para o voo”, destaca o meteorologista.

De acordo com a hipótese, em função das condições meteorológicas adversas enfrentadas naquele trecho, e do pequeno porte da aeronave para aquela condição específica de tempo fechado, a situação culminou no grave acidente aéreo, vitimando fatalmente os três tripulantes.

Barbosa chama atenção para o fato de o acidente aéreo ter ocorrido muito próximo ao Aeródromo Praia do Saco, localizado em Estância. A área é destinada a pouso, decolagem e movimentação de aeronaves para receber turistas que visitam uma das principais praias de Sergipe. Possivelmente, o piloto tentava chegar até aquele local para um pouso de emergência.

Imagem de radar mostra tempo instável no dia do acidente. Fonte: Lapis.

Observe na imagem de radar acima, a cor verde indica que ocorria chuva no local e horário do acidente. Também é possível verificar a proximidade do local dos destroços com o Aeródromo da Praia do Saco. 

Forte turbulência pode ter desintegrado partes da aeronave em voo

Situação de uma aeronave em condições de forte turbulência.

As flutuações na velocidade de uma aeronave de pequeno porte, em função de turbulência térmica, causam desconforto nos tripulantes e diversos outros perigos. Os eventos de turbulência ocorrem com intensidade leve, moderada ou severa. A avaliação da gravidade da turbulência depende da experiência e sensibilidade do piloto, sendo também influenciada pelo tipo de aeronave, altitude e velocidade do voo. É claro que os impactos são bem maiores quando se trata de um avião de pequeno porte. 

Caso ocorra uma situação de turbulência severa, é possível haver perda momentânea do controle da aeronave pelo piloto e ocorrência de danos estruturais no transporte aéreo. Destaca-se também, dentre os impactos, possíveis efeitos psicológicos da forte turbulência sobre a tripulação. 

Uma situação como a descrita acima pode ter ocorrido com o avião que transportava o cantor Gabriel Diniz. O meteorologista Humberto Barbosa explica que, como a aeronave era de pequeno porte, e trafegava em uma área de forte turbulência, há sinais de que partes do avião já vinham se desintegrando no ar, em função da força dos ventos e demais condições meteorológicas adversas.

Um dos indícios é o fato de uma das asas do avião que caiu ter sido encontrada, a cerca de 500 metros, do local do acidente. A chuva pode ter causado redução da visibilidade horizontal do piloto, ao trafegar pelo interior das nuvens, vindo a ser surpreendido com área de forte turbulência térmica. 

A ilustração acima mostra a possível situação de forte turbulência que pode ter provocado danos na aeronave, culminando no acidente no Litoral de Sergipe, na última segunda-feira. 

Em situações como essas, pode ocorrer a desorientação espacial do piloto, com redução da visibilidade a 1500 metros, em função das chuvas.

Barbosa destaca a importância de os pilotos planejarem e buscarem informações seguras se as condições meteorológicas estarão propícias ao voo. É possível antecipar possíveis situações de turbulência que venham a ocorrer no aeródromo de partida, durante a rota ou no aeródromo de destino. Para auxiliar na identificação desses fenômenos, podem ser consultandos boletins meteorológicos, imagens de satélites, imagens de radar meteorológico e cartas de tempo.

Observe a seguir a linha do tempo e as condições meteorológicas adversas na área onde ocorreu a queda do avião:

12h: de acordo com o monitoramento do Lapis, nesse horário, ocorria uma tempestade localizada, justamente no trecho por onde a aeronave trafegava, próximo ao local do acidente. Observe nas imagens de câmeras de segurança que chovia em Estância, havendo nuvens bastante carregadas, a uma altura de até 6 km. O piloto do monomotor também enfrentou fortes ventos, condições tidas como muito adversas para uma aeronave indicada apenas para voos de treinamento.

12h20: parou de chover em Estância.

12h40: nesse horário, já não foi possível localizar a aeronave no radar do Grupo Aéreo Tático do Recife. O aviso foi enviado ao Grupo Aéreo Tático de Sergipe, para que tentasse localizar a aeronave. O céu já estava claro, mas com muitas nuvens.

13h: a chuva voltou a avançar próximo a Estância. Ao fundo da imagem, é possível ver as tempestades localizadas na área litorânea do município. 

 

Entenda os fenômenos meteorológicos no horário do acidente

Conforme o monitoramento meteorológico do Lapis, quando ocorreu o acidente aéreo com o avião que transportava Gabriel Diniz, fenômenos meteorológicos associados provocavam áreas de instabilidade na Costa Leste do Nordeste brasileiro. Perturbações Ondulatórias Africanas (ventos oriundos da África) associaram-se à convergência de umidade dos ventos alísios (vindos do Sudeste) e ao efeito do aquecimento de ar diurno (atividade convectiva local).

Temperatura da superfície do mar no dia do acidente. Fonte: CDAS. Elaboração: Lapis.

Como mostrado na imagem acima, a temperatura da superfície do oceano Atlântico Tropical Sul, naquele dia, estava em torno de 28 °C. Quanto maior a temperatura superficial do Atlântico, maior a evaporação e o calor latente fornecido para acentuar as perturbações atmosféricas que convergiam para a Costa Leste do Nordeste naquele momento.

Valores da temperatura da superfície do mar acima de 26,5 °C são necessários para a intensificação dos distúrbios atmosféricos sobre o oceano Atlântico, favorecendo a formação de tempestades locais.

Imagens de satélite mostram tempo instável no dia do acidente. Fonte: Lapis.

Observe na animação acima, o transporte de umidade e ventos, em baixos níveis, vindos do Sudeste, em direção à Costa Leste do Nordeste, associados à passagem de uma fente fria. Quando essas perturbações atmosféricas atingiram seu estágio máximo no Litoral do Nordeste, adentraram sobre o continente e começaram a se dissipar, sob a forma de chuva intensa.

Foi nessa situação meteorológica desfavorável, no horário próximo às 12 horas, sobre o Litoral Sul de Sergipe, que ocorreu o acidente com o músico Gabriel Diniz e os pilotos.

Nessas condições de instabilidade atmosférica, quando estão ocorrendo chuvas, com tempestades isoladas, são comuns correntes de ar ascendente e descendente fortes, tornando difícil o controle da aeronave. Nos baixos níveis atmosféricos, nas camadas mais próximas à superfície, os fluxos de vento estavam com grandes variações, gerando muita turbulência.

Qualquer mudança de direção ou variação de altitude que os pilotos tentassem lograr, poderiam se surpreender com intensas áreas de instabilidades ou mudanças bruscas na pressão/correntes de ar. À medida que o ar foi se aquecendo ao longo do dia, aumentaram essas condições de instabilidade ou correntes de ar com intensidades muito diferentes.

Circulação de ventos em diferentes altitudes da atmosfera. Fonte: Lapis.

A imagem acima mostra o fluxo dos ventos, em diferentes níveis, na atmosfera (superfície, 5,5 km e 10,4 km de altitude).

Horizontalmente, os ventos das camadas superiores giravam na direção do Continente para o Oceano. Já os ventos das camadas inferiores (até 5 km de altitude), ao contrário, circulavam do Oceano para o Continente. Verticalmente, as correntes ascendentes (ventos quentes e úmidos) se chocavam com as correntes de ventos descendentes (secas), provocando situações de grandes turbulências.

Ventos ascendentes e descendentes provocam forte turbulência.

A imagem acima mostra como ventos ascendentes e descendentes, associados às condições meteorológicas já descritas, podem ter configurado uma complexa situação de turbulência enfrentada pelos pilotos durante o voo que transportava o cantor Gabriel Diniz. 

Os ventos de Sudeste, em baixos níveis atmosféricos, estavam transportando umidade de uma frente fria, localizada no Atlântico Tropical Sul, em direção à região da Costa Leste do Nordeste.

Situação da Aeronave 

Na imagem acima, é possível observar o Raio-X da aeronave que caiu no Litoral Sul de Sergipe.

Após o acidente, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), responsável por fiscalizar a aviação civil no Brasil, suspendeu, de forma cautelar, as operações do Aeroclube de Alagoas, proprietário da aeronave acidentada. As 9 aeronaves pertencentes à empresa também foram interditadas.

A Agência irá apurar possíveis irregularidades em relação à operação da aeronave que despencou, de forma descontrolada, sobre uma área de mangue, com vegetação fechada e de difícil acesso no Litoral Sul de Sergipe.

Há indícios de táxi-aéreo clandestino, ou seja, transporte remunerado de passageiros, sem autorização da Anac. Essa apuração irá verificar em quais condições estava sendo feito o transporte de passageiros em uma aeronave de Instrução, categoria destinada apenas a voos de treinamento, para emissão de licenças de piloto.

Por estar registrada na categoria Instrução, a aeronave não poderia prestar serviço fora da sua finalidade, incluindo o transporte remunerado de pessoas.

As investigações sobre as causas do acidente estão sendo conduzidas pelo Segundo Serviço Regional de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Seripa II), de Pernambuco (PE), órgão regional do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), do Comando da Aeronáutica.

Conclusão

A Seripa segue com as investigações sobre as causas do acidente aéreo em Sergipe, na última segunda-feira. Será elaborado um Relatório com recomendações de segurança para orientar operadores e proprietários de aeronaves, quanto aos riscos associados à situações semelhantes. 

Órgãos competentes, como a Anac, também investigam questões ligadas ao cumprimento das normas do tráfego aéreo, especialmente para aeronaves de pequeno porte, visando maior segurança aos tripulantes. 

Diante de um acidente que chocou todo o País, espera-se que fiquem as lições. Que os ensinamentos sirvam para promover uma atividade aérea com a fiel observância das condições meteorológicas, das normas operacionais, regulamentos ou regras de tráfego aéreo, notadamente na realização de manobras a baixa altura. 

As perguntas que iniciaram este post permanecem. Esperamos que as respostas reforcem as lições para evitar tragédias semelhantes. 

Seja um colaborador. Quando você faz uma doação de qualquer valor, sua contribuição se transforma em difusão de conhecimentos científicos relevantes, em benefício da sociedade brasileira.

*Post atualizado em: 30.10.2020, às 16h13.

COMO CITAR ESTE ARTIGO:

LETRAS AMBIENTAIS. [Título do artigo]. ISSN 2674-760X. Acessado em: [Data do acesso]. Disponível em: [Link do artigo].

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