Um estudo coordenado pelo projeto MapBiomas destacou as mudanças no uso e cobertura da terra, na Caatinga, no período de 1985-2020.
Para a realização do estudo, foram analisadas cerca de 150 mil imagens dos satélites Landsat, com resolução de 30 metros, disponíveis durante o período de 35 anos. Foram coletadas informações anuais sobre vinte e cinco classes de uso e cobertura da terra, no bioma.
Neste post, vamos destacar os principais resultados do estudo, que mapeou as mudanças na cobertura da terra da Caatinga, nas últimas décadas.
De acordo com o mapeamento, atualmente cerca de 63% da Caatinga é coberta por vegetação (floresta, savana e campo), enquanto 35% dos seus ecossistemas são ocupados por atividades agropecuárias.
No período de 1985-2020, a Caatinga perdeu 10% da sua cobertura vegetal. Por outro lado, nesses 35 anos, houve um crescimento das seguintes classes de uso e cobertura da terra no bioma: aumento de 1456% da área de agricultura; crescimento de 145% da área de infraestrutura urbana e aumento de 48% na área de pastagem no bioma.
No mesmo período analisado, enquanto houve 10% de perdas da área de vegetação natural, as áreas antropizadas superaram os 23%, como mostrado no mapa acima. No total, o mapeamento aponta que cerca de 10 milhões de hectares (Mha) de savana e formações florestais da Caatinga foram convertidos em atividades agropecuárias, na Caatinga.
Somente de formações savânicas, foram perdidas 10% de área de cobertura, representando por volta de 5 Mha, no período. Vale lembrar que, do ponto de vista da vegetação, o bioma da Caatinga é classificado como savana-estépica. Além disso, cerca de 1,26 Mha de vegetação não florestal também foi convertida para agropecuária, de 1985 a 2020.
Esses dados reforçam o processo gradativo de degradação ambiental do bioma Caatinga, que em algumas áreas culminam no histórico processo de desertificação, ou seja, quando o solo atinge um nível de deterioração grave ou muito grave.
O estudo também mapeou os estados e municípios da Caatinga onde predominam algumas classes de uso e cobertura da terra. De acordo com a classificação, para o ano de 2020, concluiu-se:
a) Savana: Bahia, Ceará, Piauí e Pernambuco representam hoje cerca de 85% de toda a área de formações savânicas, mapeada na Caatinga, sendo que 21,5% dessa categoria de uso da terra está na Bahia.
No período de 1985-2020, a Bahia apresentou maior redução na área de formações savânicas, na Caatinga, com diminuição de 2,09 Mha.
b) Florestas: os estados do Ceará, Bahia e Piauí representam atualmente cerca de 90% de toda a área de formações florestais da Caatinga, sendo que aproximadamente 37% desse tipo de cobertura está no Ceará.
O Ceará apresentou maior redução na área das formações florestais, na Caatinga, com diminuição de 340 mil hectares, no período de 1985-2020.
c) Formações campestres: os estados da Bahia e Piauí representam atualmente cerca de 72% de toda a área mapeada na Caatinga, referente a esse tipo de uso da terra, sendo que cerca de 57% do total está na Bahia.
O Ceará e a Bahia apresentaram aumento na área de formações campestres, na Caatinga, no período 1985-2020, com um aumento de 220 mil hectares.
d) Pastagem: Bahia e Pernambuco representam hoje cerca de 65% da área total mapeada, para esse tipo de uso da terra, estimando-se que 53% de toda a área de pastagem, mapeada na Caatinga, está na Bahia.
A Bahia destaca-se, na Caatinga, com aumento da área de pastagem em 2,34 Mha, no período 1985-2020.
e) Mosaico agricultura e pecuária: Bahia, Ceará e Piauí representam atualmente cerca de 64% da área mapeada, referente a esse tipo de uso da terra. Estima-se que 34% de toda a área do mosaico agricultura e pastagem, mapeada na Caatinga, está na Bahia.
Minas Gerais e Piauí apresentaram aumento das áreas no mosaico de agropecuária, com acréscimo de 230 mil hectares, no período de 1985-2020.
f) Infraestrutura urbana: Ceará, Bahia e Pernambuco representam hoje cerca de 66% de toda a área mapeada, nesse tipo de cobertura da terra, na Caatinga, sendo que 30% dessa área está no Ceará.
O Ceará, Pernambuco e Bahia representaram cerca de 65% de toda a variação encontrada, no uso e ocupação da terra para área urbana, no período 1985-2020, com um aumento de 180 mil hectares.
De acordo com o estudo do MapBiomas, todas as regiões hidrográficas da Caatinga apresentaram redução da sua cobertura vegetal natural, no período de 1985-2020. Na região do São Francisco, houve perda de mais de 8% de sua área com vegetação.
No período 1985-2020, a Caatinga apresentou uma extensão média de superfície de água mapeada de 922 mil hectares. A degradação ambiental e as secas severas levaram a Caatinga a perder 40% de sua água de origem natural, nesses 35 anos.
Durante o período, o rio São Francisco, maior bacia hidrográfica do Nordeste, perdeu mais de 30 mil hectares de superfície com água, o que corresponde a cerca de 4% do seu volume total.
Recentemente, um estudo do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), publicado no periódico Remote Sensing, mostrou que as grandes secas, que historicamente afetaram o Baixo São Francisco, agora atingem as demais áreas da bacia, como é o caso do Alto e Médio São Francisco.
Nessas áreas, estão localizadas as usinas hidrelétricas de Três Marias, Sobradinho e Luiz Gonzaga, além de importantes áreas agrícolas. Leia o post completo sobre a pesquisa.
O mapa da área de queimadas na Caatinga, destacado no estudo do MapBiomas, mostra o Piauí, Bahia e Ceará como os estados que mais queimaram áreas de Caatinga, no período de 1985-2020.
Juntos, esses estados representam cerca de 87% do total de área queimada no bioma. Vale lembrar que o Piauí e a Bahia compõem a região de Matopiba, a mais recente fronteira agrícola do País, com vocação para produção de grãos.
Os agravantes do processo de desertificação, destacados no estudo do MapBiomas, são queimadas, perda de vegetação natural e redução da superfície de água. Os pesquisadores mapearam 9% dos municípios da Caatinga com degradação grave ou muito grave, com perda de 300 mil hectares, no período de 1985-2020.
Um estudo do Laboratório Lapis, realizado em 2019, classificou em 13% as áreas em processo de desertificação, no Semiárido brasileiro. Esse dado indica que grande parte da cobertura da terra da região já está comprometida com a desertificação.
A desertificação é um processo histórico, que depende de um conjunto de influências naturais e, principalmente, da forma de uso e ocupação da terra.
De acordo com dados de monitoramento por satélite, do Laboratório Lapis, cerca de 25% das terras do Nordeste apresentam algum nível de degradação (moderado, grave e muito grave). Desse total, estima-se que 13% das terras já se transformaram em deserto.
O levantamento do Lapis mostrou que, na última década, a forma de uso e ocupação dos solos, bem como a severidade das secas, aceleraram o processo de degradação das terras na região. Áreas em torno dos chamados núcleos de desertificação, tiveram seu nível de degradação ampliado.
As áreas consideradas suscetíveis à desertificação (ASD's) são as áreas semiáridas, subúmidas secas e do entorno. No Brasil, abrangem o Semiárido brasileiro, além de territórios do entorno, em Minas Gerais e no Maranhão. Elas podem se tornar deserto, caso aumente o nível de degradação da terra, ao longo do tempo.
A desertificação é uma resposta a vários outros processos que ocorrem no uso e ocupação da terra. Hoje, o processo de degradação é muito ligado, principalmente, ao desmatamento da Caatinga, para a produção de biomassa, para gerar energia a setores produtivos.
As queimadas, como concentram-se atualmente em Matopiba, para gerar áreas agricultáveis, na nova fronteira agrícola do Brasil, tornam as áreas degradadas, em um curto espaço de tempo.
Um dos motivos para o aumento do processo de degradação, na última década, foi a chamada “Seca do século”, uma grande seca na região, que atingiu a dramática duração de sete anos.
No Livro “Um século de secas”, buscou-se na história de 100 anos de secas, incluindo a mais recente, de 2011-2017, evidências para compreendermos as áreas em processo de desertificação. Para conhecer o Livro, clique aqui.
O ano de 2012 foi um período muito crítico para a Caatinga, em seu processo de regeneração, em função não só do uso da terra – desmatamento, queimadas, superpastoreio -, mas também da severidade climática natural.
Mais recentemente, a mudança climática tem sido um fator agravante do processo de desertificação, no Semiárido brasileiro.
Seus impactos se traduzem sobretudo pelo aumento na frequência e intensidade das secas na região, ampliando suas vulnerabilidades climática, ecológica, à desertificação, socioeconômica e institucional. Esses fatores foram aprofundados no Livro "Um século de secas".
O estudo do Lapis foi realizado com uso de imagens do satélite Meteosat-11.
Os mapas sintetizam as diferentes formas de uso, ocupação e cobertura da terra. Imagens obtidas por sensoriamento remoto possibilitam obter dados de forma rápida, confiável e padronizada, em diferentes faixas espectrais e escalas.
Esses dados, associados a Sistemas de Informação Geográfica (SIG’s), permitem a integração com outros tipos de produtos, tornando ambas as tecnologias complementares. Na pesquisa do Lapis, o software utilizado para análise geoespacial foi o QGIS, a ferramenta de SIG universal, mais utilizada no Brasil e no mundo.
Os mapas indicam a distribuição espacial dos tipos de ação antrópica, identificada pelos seus padrões homogêneos característicos, na superfície terrestre, a partir de imagens de satélites. Essa identificação é fundamental para orientar a tomada de decisão, para uso ordenado da terra, respeitando a capacidade de suporte e/ou vulnerabilidade dos ecossistemas.
O uso da terra move a sua cobertura de um estado natural para um estado ocupado. Essa é a principal diferença entre os conceitos de “cobertura” e “ocupação” da terra. A forma como é feito o manejo da terra determina se o ambiente é sustentável ou degradado. A mudança climática exacerba muitos processos de degradação da terra.
Os tipos e intensidade do uso humano da terra e os impactos das mudanças climáticas nas terras naturais afetam seus estoques de carbono e sua capacidade de operar como sumidouros de carbono.
É o caso das terras agrícolas, por exemplo, nas quais a degradação normalmente resulta em reduções dos estoques de carbono orgânico do solo e afeta a produtividade da terra.
Os impactos das mudanças climáticas podem aumentar os sumidouros de carbono ou ter fortes efeitos adversos na produtividade, por meio de secas prolongadas, eventos extremos, incêndios e outros distúrbios.
Em toda a extensão da intensidade do uso da terra, variando de sistemas silvestres a sistemas cultivados e urbanos, as escolhas de manejo determinam se a degradação aumenta ou diminui. Portanto, a gestão e manejo precisam responder aos impactos do clima para evitar, reduzir ou reverter o processo de deterioração.
Acesse aqui o artigo do Lapis sobre degradação e secas, na Bacia do rio São Francisco.
A pesquisa do Mapbiomas pode ser acessada neste link.
Livro "Um século de secas": as lições 100 anos depois.
Conheça o método do Lapis para gerar mapas, processar e analisar imagens no QGIS, clicando aqui.
*Post atualizado em: 10.10.2021, às 15h25.
LETRAS AMBIENTAIS. [Título do artigo]. ISSN 2674-760X. Acessado em: [Data do acesso]. Disponível em: [Link do artigo].
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