Nesta quinta-feira, dia 08 de junho, cientistas alertaram para o início de um evento de El Niño potencialmente forte. O anúncio foi feito pela Administração Nacional de Atmosferas e Oceanos (NOAA, na sigla em inglês). Desde o mês passado, à medida que a resposta atmosférica começou a responder à superfície do mar tropical do Pacífico, mais quente do que a média, as condições do El Niño se desenvolveram.
Um fato que chamou atenção da comunidade científica foi o rápido desenvolvimento do El Niño, com acelerado e intenso aquecimento da superfície do Pacífico equatorial, se comparado com eventos anteriores. Por essa razão, o padrão climático pode ser um dos mais intensos das últimas décadas. Alguns especialistas especulam que pode ocorrer um El Niño de intensidade sem precedentes nos registros históricos.
O El Niño é um fenômeno que ocorre quando as temperaturas do oceano Pacífico equatorial estão mais quentes que o normal. Essa condição oceânica, em interação com a atmosfera, influencia no clima das diferentes regiões do Planeta, alterando o regime de chuvas e temperaturas.
Quando a temperatura dos oceanos se desvia da média histórica, ocorrem “anomalias”. Uma anomalia de temperatura oceânica significa que as águas superficiais ficaram mais quentes ou mais frias do que o normal, naquela época do ano, em relação à média histórica.
No último mês de abril, foram identificados recordes históricos na temperatura dos oceanos globais. Os dados observados ultrapassaram os registros alcançados nesse mesmo período, em 2016, quando houve um forte evento de El Niño.
O gráfico acima mostra as temperaturas diárias da superfície do mar globalmente. Você pode observar que os últimos dois meses foram os mais quentes já registrados, nos últimos 40 anos. Isso acontece quando o El Niño ainda acabou de se desenvolver.
Durante um El Niño, vemos uma pressão mais baixa no Pacífico oriental, sobre o Tahiti, e uma pressão mais alta sobre Darwin. Isso produz um valor SOI negativo e ventos alísios mais fracos, o que significa menos resfriamento da superfície do oceano ou até mesmo aquecimento da superfície do oceano.
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Com relação à intensidade do El Niño, o meteorologista Humberto Barbosa, do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), esclarece que a expectativa é de ocorrer um El Niño de intensidade moderada a forte, com impactos climáticos globais no segundo semestre deste ano e durante o verão de 2023-2024.
De acordo com a NOAA, há 56% de chance de o atual El Niño se tornar um evento forte em seu pico, havendo 84% de ocorrer pelo menos um evento moderado.
O El Niño causa desordem ao clima de todo o mundo, trazendo eventos climáticos extremos em várias regiões, como secas extremas em alguns locais, ou inundações em outros. Também provoca ainda mais calor ao Planeta já em aquecimento, ampliando as consequências do processo de mudanças climáticas. Para regiões como o Nordeste brasileiro, esses eventos extremos se traduzem em secas prolongadas, aumentando a degradação ambiental e a dramática desertificação.
A imagem acima mostra o aquecimento do Pacífico equatorial, na região 3.4, área de monitoramento do El Niño Oscilação Sul (Enos). Você pode ver a forte fase fria do fenômeno em 2022, associada ao La Niña. Mas em março deste ano, houve uma forte mudança para anomalias quentes, quando a onda Kelvin se expandiu para o leste, através do Pacífico equatorial, aquecendo os níveis superiores do oceano.
A onda de Kelvin é uma grande “piscina” quente, abaixo da superfície do oceano, crescendo e se espalhando para o leste, vindo até a superfície. O melhor exemplo de uma onda Kelvin oceânica em ação pode ser visto na imagem abaixo, com anomalias de temperaturas mais quentes abaixo da superfície do oceano, no início do último mês de abril.
As mudanças na temperatura do oceano Pacífico devem-se principalmente à expansão e ascensão desse forte corpo de água quente subsuperficial, vista na imagem acima. É também isso que provoca o aumento da altura do nível do mar, geralmente associado às águas mais quentes, que caracterizam o El Niño.
Essa forte “piscina” quente, na subsuperfície do oceano Pacífico, é a principal pré-condição para iniciar um evento El Niño. É por isso que monitoramos os ventos atmosféricos e as correntes oceânicas, no Pacífico tropical, para acompanhar as fases do ENOS (El Niño, La Niña ou neutralidade).
No gráfico acima, você pode verificar os dados de anomalia de temperatura da região ENOS, para 2023. Observe o rápido aumento nas temperaturas do oceano, já que a região ainda estava saindo de uma fase ativa de La Niña, no último mês de janeiro. As linhas cinzas mostram todos os eventos de El Niño de primeiro ano, desde 1950, dando uma tendência projetada/esperada do seu desenvolvimento.
Na análise mais recente das anomalias de temperatura do Pacífico equatorial, você pode ver um forte cinturão quente aparecendo agora, na região do Niño 3.4. Observe que fortes anomalias quentes atingem as partes orientais das regiões do ENOS, excedendo 4 °C.
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Recentemente, divulgamos neste post que atualmente predominam recordes de temperatura nos oceanos globais. O mapa acima mostra a mais recente análise oceânica global da NOAA. Destacamos três áreas importantes a serem observadas:
1) a primeira é o Pacífico Norte. Atualmente, essa região apresenta anomalias quentes bem acima do normal;
2) em seguida, está o Atlântico Norte, com uma forte área de anomalia quente, estendendo-se da linha do Equador até o círculo polar;
3) em terceiro, vem o Pacífico tropical, com aquecimento em toda a área equatorial do oceano. É a característica típica de um El Niño clássico, como explicamos neste post.
Essa situação única observada pode afetar anormalmente o clima global. Com o Pacífico Norte mais quente que o normal, o Atlântico Norte e o resto do globo ficam mais quentes, em média.
O meteorologista Humberto Barbosa, do Lapis, explica que normalmente, outras regiões oceânicas ficavam mais frias, havendo um contraste maior com a presença do El Niño. Todavia, este ano, vários oceanos já estão com temperaturas recordes, quando esse padrão climático acabou de se firmar no Pacífico.
“Isso ocorre em função da energia gerada pelos gases de efeito estufa, absorvida pelos oceanos, formando zonas de calor. Dessa forma, O El Niño não se destaca em relação ao aquecimento de outras áreas oceânicas, onde o calor está tão intenso quanto no Pacífico. Não se identifica mais, como era observado nos anos 1980, um contraste com outras regiões oceânicas que ficavam um pouco mais frias”, destaca Humberto.
“Essas fontes de calor nos oceanos impactam em todo o sistema da atmosfera, criando fluxos de umidade para algumas regiões, potencializando os eventos climáticos extremos, provocando muita chuva em algumas áreas e secura em outras”, completa o meteorologista.
É por essa situação incomum da atual configuração global dos oceanos que estamos entrando em águas desconhecidas, de modo que esse El Niño tem potencial para alcançar uma intensidade sem precedentes.
A previsão oceânica do European Centre for Medium-Range Weather Forecasts (ECMWF), para o período outubro-dezembro, você pode ver um forte evento de El Niño se expandindo por todo o Pacífico tropical. Outra área de interesse é a área oceânica excepcionalmente quente no Atlântico Norte, que também pode desempenhar seu papel no quadro geral do clima.
Em geral, os impactos de um El Niño do tipo clássico no clima das regiões brasileiras são mais graves: enquanto sobre o Sul do País tendem a ocorrer muita chuva, no Nordeste, o El Niño provoca seca intensa, acompanhada de altas temperaturas. Na região Sudeste, a influência maior é no aumento das temperaturas, não influenciando tanto no volume de chuvas. O pico do El deve ocorrer no próximo verão, como detalhamos neste post.
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O Índice de Oscilação do Sul (IOS) representa a diferença na pressão do ar, medida em duas localidades: no Tahiti, na Polinésia Francesa, e em Darwin, na Austrália.
Durante um El Niño, a pressão fica mais baixa no Pacífico oriental, sobre o Tahiti, e mais alta sobre Darwin. Isso produz um valor de IOS negativo e ventos alísios mais fracos, o que significa menos resfriamento ou aquecimento da superfície do oceano.
Do contrário, quando os valores de IOS ficam positivos, a pressão sobre o lado do Tahiti está maior do que sobre Darwin. Dessa forma, os ventos alísios (de leste) ficam mais fortes, favorecendo as condições de La Niña.
Olhando para o gráfico IOS abaixo, você pode ver uma mudança rápida para uma fase de pressão negativa, indicando a presença do El Niño.
Outro aspecto importante das mudanças oceânicas é a altura do nível do mar. Na imagem de abertura deste post, você pode ver as anomalias da altura do nível do mar, no último dia 22 de maio, a partir da imagem do satélite Sentinel-6. Os dados indicavam os primeiros sinais de um El Niño em desenvolvimento, no Pacífico equatorial.
A área marcada mostrava uma forte elevação do nível do mar no oceano, sendo um sinal claro de que o El Niño estava em rápido desenvolvimento. Os dados também destacaram, no período, ondas Kelvin de 5 a 10 centímetros de altura e centenas de quilômetros de largura, na superfície do oceano, movendo-se de oeste para leste, ao longo do Equador.
O conteúdo deste post foi aprofundado no Livro "Um século de secas", uma obra completa que explica a influência histórica do El Niño e do oceano Atlântico nas secas do Semiárido brasileiro.
LETRAS AMBIENTAIS. [Título do artigo]. ISSN 2674-760X. Acessado em: [Data do acesso]. Disponível em: [Link do artigo].
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