A temperatura média das águas do oceano Atlântico exerce influência importante para a previsão climática nas regiões Norte e Nordeste do Brasil. Atualmente, uma onda de calor marinha “excepcional” acontece no oceano Atlântico Norte, atingindo a costa norte da América do Sul.
De acordo com o meteorologista Humberto Barbosa, fundador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélite (Lapis), o atual cenário de Dipolo do Atlântico é muito desfavorável às chuvas na Amazônia brasileira.
O Dipolo do Atlântico se forma quando as águas da superfície do Atlântico Norte estão mais quentes que o normal, ao mesmo tempo em que ocorre um resfriamento anormal no Atlântico Sul. Essa gangorra térmica na região próxima do Equador movimenta a Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), de acordo com suas temperaturas.
A ZCIT é o principal sistema formador de chuvas para a região Norte e Nordeste do Brasil. A questão é que as bandas de nuvens carregadas, que formam a ZCIT, deslocam-se para a região onde as águas estiverem mais quentes. Com o Atlântico Norte mais quente, ventos alísios de sudeste têm mantido a ZCIT muito afastada da Amazônia, inibindo as chuvas para a Amazônia.
“As temperaturas globais da superfície da água do mar têm sido anômalas este ano, mês após mês, de forma impressionante. O mesmo acontece com o oceano Atlântico Norte, onde as temperaturas permanecem muito acima do normal, para o final de outubro, do que durante toda a série histórica anterior”, explica Humberto.
O gráfico baixo mostra a temperatura da superfície do mar para todo o Atlântico Norte, nos últimos 30 anos. Você pode ver que novos recordes foram estabelecidos, desde o início de março deste ano, e continuam superando a média histórica.
A temperatura média da superfície do Atlântico Norte neste momento é de 23,7 °C, cerca de 1 °C acima da linha média de todos os anos anteriores, e 0,3 °C acima do recorde anterior para este período, estabelecido no ano passado.
A onda de calor marinho no Atlântico Norte provoca estiagem no centro-norte do Brasil, que abrange as regiões Norte, Nordeste e parte do Centro-Oeste. Além disso, os riscos são altos para espécies marinhas, como peixes, corais e plantas marinhas, muitas já adaptadas para sobreviver dentro de certas faixas de temperatura. A água mais quente pode estressá-las e até mesmo levá-las à morte.
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Para o clima brasileiro, tão importante como acompanhar a temperatura no Pacífico equatorial, é entender a situação do Oceano Atlântico, que banha toda a região. Como mencionado, a temperatura do Atlântico é responsável por regular a intensidade e o deslocamento de um dos mais importantes fenômenos atmosféricos, a ZCIT, que provoca chuvas na Amazônia e no Nordeste do País.
A imagem acima representa o Dipolo do Atlântico, ocorrido em 2015, quando o Nordeste passou por uma severa seca. Embora ainda pouco estudado, se comparado ao El Niño Oscilação Sul (ENOS), o Atlântico exerce grande influência nas chuvas do Nordeste brasileiro.
Em 1981, os pesquisadores Antonio Divino Moura e Priyadarshi Shukla já apontavam a estreita relação que ocorre entre uma seca severa na região e o simultâneo aquecimento anormal da superfície do Atlântico Norte e o resfriamento anômalo no Atlântico Sul tropical. Eles classificaram esse fenômeno como Dipolo do Atlântico.
Recentemente, pesquisadores reafirmaram que a variabilidade das chuvas no Nordeste está ligada a localização e magnitude das anomalias da temperatura da superfície tanto do Pacífico quanto do Atlântico.
No oceano Atlântico, é possível ter várias situações: 1) Atlântico Norte mais quente que o Atlântico Sul; 2) Atlântico Sul mais quente que o Atlântico Norte; e 3) Situação de neutralidade, sem diferença relevante entre a temperatura das duas regiões.
Quando as porções equatoriais norte e sul do Atlântico estão com temperaturas diferentes, forma-se um Dipolo. Para que aumentem as chances de um bom período de chuvas no Nordeste, é necessário que esse dipolo esteja mais favorável à descida da ZCIT, ou seja, as águas mais quentes no Atlântico Sul. Nesse momento, as águas estão mais frias nessa região, mas ainda é cedo para avaliar a situação na estação chuvosa, que começa em fevereiro.
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Desde o mês de junho, o Laboratório Lapis tem destacado a situação de seca na Amazônia brasileira, em razão do El Niño e do aquecimento anormal do Atlântico Norte. As queimadas e o atual estágio de aquecimento global pioram a situação de redução das chuvas na região.
O El Niño, evento climático natural que provoca o superaquecimento das águas do Pacífico, estará mais ativo nos próximos meses. Isso significa que, provavelmente, vai adicionar ainda mais calor ao Planeta, já mais quente que o normal devido ao aquecimento global.
O mapa acima destaca o forte aquecimento das águas superficiais na região do Niño 1+2, junto à costa oeste da América do Sul. Nessa área, os valores de anomalia ultrapassam os 3 ˚C acima do normal e, aos poucos, essas águas mais aquecidas migram para a região do Niño 3.4, hoje com anomalias em torno de 1,6 ˚C. No geral, as condições oceânicas observadas estão compatíveis para a manutenção do fenômeno El Niño, que gradativamente se intensifica.
A imagem acima mostra a variação da temperatura da superfície do mar (TSM), na região do Atlântico tropical, no último dia 27 de outubro.
As áreas em tons azuis representam águas superficiais mais frias do que a média dos últimos 30 anos, enquanto as cores que variam de amarelo a vermelho indicam águas mais quentes que o normal.
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No Livro “Um século de secas”, os autores mostraram como o El Niño (aquecimento anormal da superfície do Pacífico equatorial) não tem sido suficiente para explicar os longos períodos de secas no Nordeste do Brasil.
No Livro, foi analisada a relação entre eventos de El Niño e de secas na região, durante o período de 1901-2016. No período que compreende mais de um século, ocorreram 32 secas na região, e 30 eventos de El Niño.
Mas apesar da similaridade no número de eventos climáticos (secas) e oceânicos (El Niño), apenas em 70% dos casos, houve associação direta entre secas e El Niños. Por outro lado, em quase 30% dos eventos de seca, não houve coincidência com a ocorrência de El Niño.
É um número significativo. Embora fortes eventos de El Niño estejam associados a severas secas na área semiárida do Brasil, muitos deles não demonstraram tal relação. Ou seja, a correspondência do El Niño com as chuvas na região ainda é deficitária.
Assim, como explicar os episódios de seca no Nordeste nos anos 1904, 1907, 1908, 1909, 1915, 1936, 1942, 2012 e 2013? Certamente, a resposta está na temperatura das águas do oceano Atlântico, que influenciam diretamente no regime de chuvas na região.
Em relação ao Nordeste, o mais importante para definir as condições climáticas é que o Atlântico esteja favorável, ou seja, que o Atlântico Sul esteja mais quente que o Atlântico Norte.
A seca extrema de 2012, no Nordeste brasileiro, recebeu forte influência dos padrões anômalos das temperaturas superficiais do oceano Atlântico. É claro que o Pacífico também foi um dos causadores da grande seca naquele ano, que afetou gravemente a população e a economia regional. As imagens acima, geradas com dados do satélite Meteosat-11, apresenta o impacto da seca no Semiárido brasileiro.
O Livro “Um século de secas” validou essas imagens de satélite, demonstrando que no ano de 2012 ocorreu um dos eventos climáticos mais severos da história da região. Eventos de El Niño, associados a um clima mais quente do que o normal no oceano Atlântico Norte e mais frio no Oceano Atlântico Sul, influenciaram na posição latitudinal da ZCIT, limitando, assim, as chuvas na região.
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O Laboratório Lapis divulgou o mapa da intensidade da seca, atualizado no último dia 26 de outubro. A imagem de satélite fornece informações sobre a intensidade da seca, a partir da integração de um conjunto de variáveis agrometeorológicas, em relação à média histórica.
De acordo com o meteorologista Humberto Barbosa, fundador do Laboratório Lapis e responsável pelo estudo, esse produto de satélite explica a atual situação dos rios secos na Amazônia brasileira, situação de estiagem intensa que a nossa equipe vem monitorando e já chamava atenção desde o último mês de junho, principalmente em razão da influência do El Niño.
No mapa acima, foram utilizados dados da umidade do solo, déficit de precipitação, índice do vigor vegetativo e volume dos corpos d’água.
Grande parte da Amazônia brasileira está atingida por seca excepcional. Quase todo o estado do Mato Grosso também está afetada por seca excepcional. Essa situação também pode ser observada em quase todo o nordeste da Argentina.
A intensidade da seca compara a quantidade de água disponível para as lavouras, em determinada área, com a média dos valores registrados no mesmo período, entre 1961 e 2010. A intensidade da seca é classificada em categorias: normal, fraca, moderada, severa, extrema e excepcional. Cada classe de intensidade da seca representa uma probabilidade de retorno do período de seca.
Por exemplo, nessas áreas com registro de seca excepcional, têm-se o seguinte cenário:
✅ Umidade do solo: o solo é seco, com déficit de umidade do solo a longo prazo;
✅ Precipitação: déficit severo de precipitação, aumentando o risco de incêndios florestais;
✅ Vegetação: perda de rendimento agrícola esperado de 20-40%. O impacto da seca nas pastagens se manifesta na disponibilidade de ração para o gado;
✅ Corpos d'água: os fluxos dos rios e os níveis dos reservatórios de água são baixos. Pequenos corpos d'água podem secar.
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LETRAS AMBIENTAIS. [Título do artigo]. ISSN 2674-760X. Acessado em: [Data do acesso]. Disponível em: [Link do artigo].
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