A imagem acima mostra um dos mais belos espetáculos da natureza, que ocorre na Noruega, conhecido como aurora boreal. Anualmente, o fenômeno atrai milhares de turistas ávidos por ver o céu repleto de cores brilhantes.
A impressionante dança das luzes no céu nortuno é mais frequente no final do outono inverno/início da primavera, no Hemisfério Norte, ocorrendo geralmente no período de novembro a março. São ventos solares, gerados de explosões nucleares do Sol, que interagem com o campo eletromagnético da Terra e, sob condições físicas propícias, formam um extraordinário show de luzes. Este vídeo vai explicar os detalhes fascinantes por trás desse fenômeno.
Para formarem as auroras boreais, as partículas eletromagnéticas percorrem um caminho natural na atmosfera, diferentemente do tema que iremos tratar neste post. São casos em que ondas eletromagnéticas, oriundas de emissoras de rádio e TV, no percurso até o receptor, são interceptadas pelo movimento das torres eólicas, causando interferências nos sinais de rádio e televisão das localidades próximas aos parques eólicos.
Destruir o lar de uma reserva natural onde vivem 35 mil renas selvagens ou construir um parque eólico, capaz de produzir 120 megawatts de energia? Este ano, o governo da Noruega desistiu de autorizar o projeto de construção do parque eólico, tendo em vista proteger o habitat das renas. Dessa forma, demonstrou para o mundo como não adianta resolver um problema ambiental criando outro.
A proibição ocorreu em um momento no qual a prioridade do governo norueguês é fazer a transição da produção de energia hidrelétrica – responsável por quase toda a energia consumida naquele país (99%) –, para fontes renováveis, como é o caso da energia eólica. A Noruega é considerada o lugar com melhores condições de produção de energia eólica offshore (em alto mar) do mundo, em razão da expertise adquirida com a extração de petróleo no oceano.
Com a expansão da produção de energia eólica na Noruega, outro conflito ambiental talvez não estivesse previsto, qual seja, a crescente preocupação de emissoras de televisão com a interferência que os parques eólicos podem causar à recepção do sinal analógico e digital. O problema não é específico da Noruega, mas comum a diversos outros países.
O Brasil, a partir do desenvolvimento tecnológico da televisão digital e o fim do sinal analógico, certamente também terá que considerar esse conflito, antes de autorizar a instalação de parques eólicos ou emissoras de televisão. Ambos os segmentos empresariais têm em comum a busca de áreas com visão livre, mais apropriadas à funcionalidade dos projetos.
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Pesquisas conduzidas pela International Telecommunications Union (ITU), agência da Organização das Nações Unidas (ONU), mostram que as turbinas eólicas, localizadas a até 10 km da rede elétrica, podem interferir no sinal da televisão.
Segundo o estudo, o movimento das pás das turbinas eólicas podem causar graves degradações na recepção dos sinais de televisão. Esses efeitos são quase permanentes, diminuindo apenas nos períodos em que as turbinas não funcionam.
A transição energética, em direção ao uso de energias renováveis, é assunto que está na ordem do dia, sobretudo após a recente divulgação do Relatório do Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC) pedir ações urgentes para limitar o aquecimento global a 1,5ºC.
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A energia eólica é um tipo de fonte renovável bastante promissora no mercado brasileiro. Segundo informações da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em 2016, a capacidade instalada de produção dos aerogerados no País era de 11GW. A expectativa é atingir mais de 17GW até 2022.
O Brasil possui 534 parques eólicos, totalizando 6,6 mil cataventos em operação, em 12 estados. A geração de energia eólica é predominante nas regiões Nordeste (438 parques) e Sul do País (95 parques).
De acordo com pesquisas realizadas no Nordeste brasileiro, região de maior potencial eólico do País, fenômenos climáticos influenciam a produção de energia a partir dos ventos. Quando predomina o fenômeno El Niño, os ventos são mais intensos na região, havendo uma maior capacidade de geração. Ao contrário, nos períodos de La Niña, os ventos ficam mais enfraquecidos e os parques eólicos sofrem reduções significativas na produção de energia.
No caso do Nordeste brasileiro, também deve se considerar a atuação do dipolo do Atlântico, fenômeno oceânico-atmosférico que inibe ou aumenta a formação de nuvens, diminuindo ou aumentando as chuvas e os ventos no Leste da Amazônia/Litoral Norte Brasileiro. A associação do dipolo do Atlântico com o El Niño pode ser potencialmente devastadora para a produção de energia eólica.
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Diferentemente da Noruega, o Brasil ainda não investe na produção de energia eólica offshore, apesar da sua dimensão continental e dos riscos enfrentados com a redução das possibilidades de geração hidrelétrica. Construindo parques eólicos offshore, além de desenvolver o seu potencial de produção de energia limpa e renovável, o País estaria gerando mais empregos na atividade marítima.
A exploração da atividade demanda altos investimentos com instalação e manutenção. Como ainda não há uma indústria local para suporte, deve-se buscar expertise em países que já exploram a atividade, tanto em termos tecnológicos quanto em marcos regulatórios.
Por outro lado, o potencial para exploração desse tipo de energia eólica em alto mar no Brasil é enorme. Estima-se algo em torno de 600 GW, cerca de 12 vezes maior que o potencial de energia eólica em terra. Seria um novo "pré-sal eólico" no mar.
Um Projeto de Lei do Senado (PSL 484/2017) para regulamentação do aproveitamento da energia dos ventos no mar territorial tramita a passos lentos na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e aguarda aprovação. É um tema bastante estratégico para a segurança energética e a economia do Brasil.
O projeto justifica-se pelas estimativas sobre o potencial do “pré-sal eólico” das águas nacionais até 50 m de profundidade, que chega a 400 GW — mais que o dobro de toda a capacidade instalada de geração de energia elétrica no País. A proposta visa incentivar a produção de energia eólica nos mares do Nordeste.
Paralelamente ao crescimento da energia eólica no Brasil, está o recente desenvolvimento tecnológico da televisão digital. No Brasil, o desligamento do sinal analógico e a substituição pelo digital, em todos os municípios, irá ocorrer até 2023, segundo determinação do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
Com o predomínio da televisão digital, é importante tomar medidas preventivas, incluindo legislação com normas específicas, para evitar conflitos entre parques eólicos e transmissão de televisão.
A interferência dos aerogeradores na recepção do sinal da TV analógica já foi amplamente comprovada em publicações. A difusão do sinal de televisão pode ser afetada até uma distância de 10 km, por uma única torre eólica. O efeito criado pelas turbinas eólicas no sistema analógico é o aparecimento de uma imagem fantasma e uma variação vertical cíclica do brilho na imagem do televisor.
A presença de aerogeradores na área entre o transmissor e o receptor de sinal de televisão analógica causa dois efeitos: difração e reflexão. Durante o percurso, as ondas eletromagnéticas emitidas pela televisão incidem em um objeto de grandes dimensões em movimento (as pás das torres eólicas). Por consequência, a onda é distribuída em várias direções, havendo mudança na direção da sua propagação. Dessa forma, o receptor recebe sinal baixo, porque parte das ondas eletromagnéticas foi refletida em outras direções, chegando atrasada ao receptor.
A intensidade do sinal interferente depende de um conjunto de fatores, tais como: morfologia do terreno entre os vários pontos, material e dimensões da turbina, potência emitida, ganho das antenas e ângulo entre emissor, receptor e turbina.
Com o recente desenvolvimento tecnológico da televisão digital no Brasil e a proliferação das energias renováveis, é importante avaliar se o mesmo efeito ocorre com a transmissão de televisão digital. Para isso, é necessário elaborar um mapa da interferência criada pelos parques eólicos, de forma a evitar que as áreas de maior interferência fiquem próximas de zonas habitacionais.
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Esses modelos de previsão que avaliam a interferência de aerogeradores sobre a difusão da televisão analógica e digital encontram-se em fase de estudo. De acordo com a ITU, é importante desenvolver métodos simples para calcular a degradação potencial que poderia resultar da instalação de uma turbina eólica. Técnicas de supressão da imagem fantasma no televisor também estão sendo pesquisadas, visando mitigar, até certo ponto, a degradação causada pelas turbinas eólicas.
Já existem parâmetros para identificar o nível de interferência, mas é preciso realizar pesquisas para aperfeiçoar esses modelos simplificados de avaliação.
O vídeo acima mostra uma situação de interferência das turbinas de um parque eólico sobre o sinal de uma emissora de rádio.
O movimento dos aerogeradores afeta também os sistemas de televisão digital, embora com menor impacto. Na televisão digital, a existência de interferência no receptor pode implicar na perda do sinal, pois nesse tipo de transmissão, ou existe boa qualidade de imagem e som (mesmo com uma certa interferência no sinal recebido), ou não existe decodificação do sinal de televisão.
Hoje em dia, as técnicas de transmissão de dados se assentam sobre códigos com capacidade de correção de erros no receptor. Portanto, é necessário garantir que o índice de interferência não é superior a um certo limiar, correspondente à suscetibilidade máxima de decodificação do sinal de televisão.
Numa situação de difusão de televisão digital, os componentes necessários à recepção de sinal de televisão são os mesmos que na televisão analógica. As frequências de operação continuam a ser a banda UHF, anteriormente já utilizadas, e os bits de informação são difundidos pelo emissor em sinal de rádio frequência, de forma semelhante à televisão analógica.
O modelo de Spera - Sengupta faz uma boa previsão dos locais com interferência que um sinal refletido pelas pás dos aerogeradores produz ao encontrar um sinal semelhante. Esse modelo é válido e aprovado para os mais variados tipos de sinais de rádio difusão, a exemplo da televisão e rádio.
A ferramenta da BBC também está disponível online e prevê a interferência criada por torres eólicas na recepção do sinal de televisão. Com essa ferramenta, após introdução da localização dos aerogeradores no site, o cliente recebe, por e-mail, uma estimativa das localidades que sofrem interferência e a que transmissor corresponde essa interferência.
No entanto, essa ferramenta da BBC apresenta algumas falhas, pois a quantidade de sinal refletido pelos aerogeradores depende do material que os constitui, que varia de acordo com o fabricante. No mesmo parque eólico, pode haver torres eólicas de diversos fabricantes. O perfil do terreno entre o emissor (televisão) e o receptor (usuário) também caracteriza a influência. Os aerogeradores, ao situarem-se no ponto mais elevado junto ao receptor, funcionam como elementos refletores e de difração, fazendo com que todo o sinal recebido no receptor seja enviado pelas turbinas.
Uma possibilidade para resolver o fornecimento de televisão digital aos locais onde existe elevada interferência dos parques eólicos pode ser a oferta gratuita dos canais públicos, através de recepção de satélite, assim como do receptor e antena parabólica, DVB-S.
Na emissora de televisão norueguesa (NTV) existe uma crescente preocupação sobre como as turbinas eólicas podem afetar o sinal de transmissão de TV, quando estão localizadas entre o transmissor e o receptor.
O desenvolvimento da energia eólica na Noruega teve início sem haver a devida investigação sobre conflitos ambientais com os sinais de rádio e televisão na área. A regulação dessas atividades precisará ser mais rigorosa, de modo que os empresários estejam cientes das suas responsabilidades para mitigar esses problemas.
Ao conceder a licença, os governos devem deixar claro as regras para instalação e manutenção dos parques eólicos. Somente assim, os industriais dos ventos estarão conscientes para resolver esses impactos potenciais das turbinas eólicas e da importância de estabelecerem uma estrutura que evite conflitos.
Essa questão, ainda pouco discutida, é pertinente a todos os países onde ocorre expansão da energia eólica e da televisão digital, como é o caso do Brasil.
O desenvolvimento tecnológico da televisão digital e o avanço na produção de energias renováveis, especialmente eólica, exigem uma clara regulação para se evitar conflitos ambientais.
Pesquisas comprovam a interferência das turbinas eólicas nos sinais de rádio e televisão, tanto digital quanto analógico. É preciso aprofundar as pesquisas e os modelos de previsão desse tipo de impacto ambiental dos parques eólicos à sociedade local.
No Brasil, o tema praticamente ainda não tem sido debatido, mas em função do desligamento do sinal analógico, os governos já devem levar em conta essas interferências, antes de conceder licença à instalação e operação dos parques eólicos.
Você acha que nos casos de interferência das turbinas eólicas nos sinais de transmissão de TV, quem deve pagar a conta? Industriais do setor de energia eólica, governos ou as próprias emissoras de TV?
LETRAS AMBIENTAIS. [Título do artigo]. ISSN 2674-760X. Acessado em: [Data do acesso]. Disponível em: [Link do artigo].
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