Pesquisa mostra como seca e ação humana alteram fisionomia da Caatinga



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Até que ponto as condições climáticas do Semiárido afetam a fisionomia da Caatinga? Esta vegetação depende exclusivamente das chuvas para responder, recuperar sua biomassa e reverdecer? Como a seca influencia as condições biológicas da Caatinga?

Em geral, essas perguntas costumam receber uma resposta linear, supondo-se que a vegetação responde diretamente às chuvas.

No entanto, uma pesquisa inédita publicada no Journal of Photogrammetry and Remote Sensing (ISPRS), um dos periódicos internacionais mais respeitados na área de Sensoriamento Remoto, mostra que a questão é bem mais complexa.

O estudo desenvolveu uma metodologia para diferenciar a influência do clima e da ação humana na fisionomia da Caatinga.

O artigo Assessment of Caatinga response to drought using Meteosat-SEVIRI Normalized Difference Vegetation Index (2008-2016) identificou a vulnerabilidade ecológica da Caatinga às variações climáticas. 

Para isso, analisou a produtividade e dinâmica da vegetação em relação aos padrões de chuvas, com particular ênfase para os distúrbios e magnitude dos efeitos da seca de 2012-2016.

A pesquisa mostrou a influência dessa grande seca na dinâmica da vegetação, a partir de uma metodologia inédita, desenvolvida para identificar os efeitos da perturbação.

A metodologia do Laboratório Lapis utiliza a abordagem da análise de séries temporais de imagens do satélite Meteosat, para caracterizar a dinâmica da vegetação, identificando a ocorrência e amplitude de distúrbios.

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Os resultados sugerem que algumas áreas do bioma Caatinga estão particularmente susceptíveis a processos de desertificação. Esse processo é impulsionado pelas secas recentes e pelas perturbações acumuladas ao longo do tempo, decorrentes de impactos humanos e das mudanças no uso da terra.

Degradação ameaça resiliência da caatinga à seca

O pesquisador Humberto Barbosa, coordenador do estudo no Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), ressaltou como essa metodologia permite avaliar a complexidade da resposta da vegetação da Caatinga às condições climáticas.

“A caatinga preservada responde diretamente à umidade do solo, ou seja, se chover hoje, em cerca de 11 dias, a vegetação costuma ficar verde. Mas existem casos de plantas que ficam verdes, mesmo sem haver um efeito climático, como a ocorrência de chuvas”.

O avanço tecnológico alcançado na pesquisa permite avaliar outros fatores, como tipos de solo, altitude, dentre outros sinais de superfície, e mostra que o processo não é linear, do ponto de vista da resposta da vegetação.

Humberto também destacou que existem áreas da caatinga que respondem à irrigação ou a agricultura irrigada, permanecendo verdes, mesmo em períodos de longas secas.

“Em função de a pesquisa ter focado em um longo período de seca, foi possível detectar áreas com tendência a permanecerem verdes, mesmo em períodos de estigem. Por outro lado, permitiu identificar um crescente processo de degradação em terras da caatinga, que também afeta a recuperação da vegetação, para além do sinal climático”, completa.

As plantas invasoras e áreas irrigadas estão entre as que apresentam maior resiliência às secas. Por outro lado, a metodologia detecta outras mudanças no uso dos solos, que mascaram a seca vegetativa.

Por exemplo, uma imagem de satélite, baseada no Índice de vegetação NDVI, pode mostrar uma área de vegetação seca, mas que se trata de solos em processo de desertificação.

A ação humana, associada às intempéries climáticas, perturbam a vegetação em um nível de gravidade que ela não mais apresenta condições de se recuperar, mesmo que ocorram chuvas suficientes.

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Tecnologia permite detectar secas com precisão

A pesquisa consolida o produto Índice de Vegetação por Diferença Normalizada (NDVI), do satélite Meteosat, cujo algoritmo foi elaborado desde 2008, pelo Laboratório Lapis, em parceria com o Instituto de Meteorologia da Turquia.

A tecnologia ainda era inexistente na Agência Europeia para Exploração de Satélites Meteorológicos (EUMETSAT). A partir da publicação desse artigo, o produto passou a ser disseminado pela sistema EumetCast, da Eumetsat, para África e América do Sul.

Para identificar como seca e ação humana alteram a fisionomia da caatinga, os pesquisadores desenvolveram uma tecnologia que integra ferramentas e análises estatísticas. Essas ferramentas são aplicadas à análise dos dados sobre a vegetação. Uma das vantagens do método é que o produto SEVIRI NDVI tem grande potencial na detecção de secas.

As vantagens desse avanço científico é fortalecer o monitoramento e a caracterização das respostas ecológicas a eventos de seca, em toda a Caatinga. Essa observação é feita em paralelo com previsões de impactos das mudanças climáticas.

Dessa forma, permite-se detectar, de forma precoce, as regiões que se aproximam de um ponto de desequilíbrio ecológico, em direção à desertificação. É um ponto de inflexão, quando os danos na vegetação atingem tal nível de gravidade, de modo que a caatinga não consegue se recuperar e voltar ao seu estado original. 

Para Humberto Barbosa, o uso das imagens SEVIRI NDVI traz uma nova perspectiva para o monitoramento da cobertura vegetal no Semiárido brasileiro. Elas têm sido uma importante aliada para o monitoramento da seca na região, e o Lapis possui uma série de ferramentas para fazer esse acompanhamento.

"Levando em conta os problemas da seca e estiagem, enfrentados no Nordeste do Brasil, nos últimos anos, e os prejuízos causados à sua economia, essa nova metodologia permite monitorar as condições climáticas, oferecendo uma melhor acurácia nos resultados”, completa.

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Secas e capacidade de resposta da vegetação

O artigo publicado também analisou a seca plurianual, no Semiárido brasileiro, no período de 2012 a 2016, considerado os cinco anos mais críticos, em termos de totais de chuvas, desde 1901. Durante o quinquênio, com o transcorrer dos anos, identificou-se o progressivo agravamento dos efeitos da seca.

A imagem acima mostra um panorama dos eventos de secas e chuvas no Semiárido brasileiro, no período de 1901-2016. O gráfico foi extraído do Livro "Um século de secas".

No gráfico, os valores iguais a zero indicam um padrão normal de chuvas, enquanto valores negativos mostram ocorrência de secas ou chuvas abaixo do normal. Já os valores positivos indicam um volume de chuvas acima do normal.

Apesar de os períodos secos serem relativamente comuns na Caatinga, há uma preocupação crescente com a resiliência ou a capacidade de resposta satisfatória da vegetação a eventos climáticos extremos. 

Em função das mudanças climáticas, um fator agravante é que essas secas serão cada vez mais frequentes e extremas. Sob essas condições, mesmo com respostas rápidas à seca, fator característico da vegetação em ambientes semiáridos, pode-se falhar em protegê-la de impactos de longo prazo.

Para uma análise completa sobre as secas e sua história no Semiárido brasileiro, bem como as políticas hídricas implementadas ao longo do período de 1901-2016, recomendamos a leitura do Livro “Um século de secas".

O gráfico acima mostra a linha do tempo com a história das secas na região e o Livro “Um século de secas” apresenta o detalhamento sobre as políticas adotadas, em cada ano, como capacidade de resposta governamental para fazer frente aos efeitos das secas. Para adquirir o Livro, clique aqui.

Conclusões

O impacto da seca 2012-2016, em função da excepcional redução nas chuvas, influenciou a dinâmica da seca vegetativa da Caatinga, que apresentou uma forte queda na atividade ecossistêmica, contrastando com lavouras irrigadas, pouco afetada pela seca.

Ao comparar a relação entre a atividade da vegetação e o volume de chuvas, em áreas específicas da Caatinga, a pesquisa permitiu identificar uma resposta tardia da Caatinga às chuvas, em um período muito maior do que anteriormente era possível.

Em condições normais, quanto mais sadia a vegetação, mais rápida é a capacidade de responder positivamente às chuvas.

A pesquisa concluiu que a resiliência da caatinga conservada tem diminuído, enquanto as áreas agricultáveis aumentaram, acarretando maior degradação dos solos.

Você percebe que a vegetação da caatinga tem tido menor resiliência à seca e demorado mais tempo para reverdecer? Esses casos têm sido mais comuns em áreas degradadas?

COMO CITAR ESTE ARTIGO:

LETRAS AMBIENTAIS. [Título do artigo]. ISSN 2674-760X. Acessado em: [Data do acesso]. Disponível em: [Link do artigo].

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