Atlas da Unesco mostra frequência da seca na América Latina e no Caribe



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A seca é um dos mais graves desastres naturais a afetar a sociedade e o ambiente no mundo. Apesar do avanço nas pesquisas sobre a ocorrência, tendência e incertezas sobre a frequência de eventos globais de seca, esse fenômeno causou mais da metade das mortes por desastres naturais a nível global, durante o século XX.

Após as inundações, a seca é considerada o desastre natural com o segundo nível maior nível de impactos humanos. De acordo com o Escritório para Redução de Risco de Desastres das Nações Unidas, mais de 50 milhões de pessoas foram afetadas pela seca, somente em 2015.

Nas últimas décadas, houve um aumento significativo na ocorrência de secas na região da América Latina e do Caribe. A mitigação dos impactos da seca é uma das principais prioridades de muitos governos na região, a fim de se afastar da gestão emergencial de crises e atuar na gestão proativa do risco climático.

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Pela importância do tema, foi lançado recentemente o Atlas de Secas da América Latina e do Caribe, com foco no estudo da frequência com que os eventos de seca meteorológica impactaram a região.

O trabalho foi elaborado pelo Centro de Zonas Áridas e Semiáridas de América Latina e o Caribe (Cazalac) e o Programa Hidrológico Internacional da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), com colaboração do Instituto de Recursos Hídricos do Corpo de Engenheiros do Exército dos Estados Unidos.

Para ler o Atlas das Secas da América Latina e do Caribe, clique aqui.

O desenvolvimento do Atlas de Secas da América Latina e do Caribe foi iniciado em 2008. No período de 10 anos, foram realizadas oficinas regionais, permitindo capacitação na maioria dos países, difundindo uma metodologia consolidada de aplicação geral.

A caracterização da ameaça da seca é um passo importante para permitir sua melhor gestão na Região. O Atlas das Secas da América Latina e do Caribe gera uma referência sobre a frequência do fenômeno.  

Através da geração de informações climáticas mais sólidas para a tomada de decisões, o documento apoia diretamente o gerenciamento proativo de secas na Região. Além disso, compila as experiências nacionais de 10 países (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Honduras, Peru, Uruguai e Venezuela), no que diz respeito aos impactos das secas, à recorrência do fenômeno, mas também às políticas e medidas de adaptação para enfrentar a ameaça.

Os estudos de caso nacionais compreenderam as causas e características dos eventos de seca, incluindo seus processos, a fim de identificar a vulnerabilidade dos meios de subsistência aos perigos da seca. 

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No documento, os especialistas adotaram uma metodologia inovadora que identifica a variabilidade da redução de chuvas em países da América Latina e do Caribe, permitindo visualizar como essa variabilidade climática difere espacialmente dentro dos países, mesmo em distâncias curtas. Isso é conseguido através da identificação da frequência da seca, que é a probabilidade de ocorrência do fenômeno com uma certa magnitude e duração, em qualquer local, na área de interesse. 

Desafios regionais à segurança hídrica

O Atlas também destaca os impactos da seca nos recursos hídricos, analisando a capacidade de resposta aos principais desafios locais, regionais e globais à segurança hídrica. O desenvolvimento de soluções inovadoras e as atividades que contribuíram ao desenvolvimento do Atlas apoiaram na difusão de conhecimentos para a gestão ativa das águas. O documento também é um passo ao estabelecimento de sistemas de monitoramento e prognóstico das secas, para fortalecer a gestão proativa do fenômeno na Região.

Os especialistas destacaram uma contradição evidente na gestão das secas. Apesar de tantos avanços tecnológicos que permitem dispor de novas fontes de água e mais eficiência na sua utilização, como o uso de águas subterrâneas, a dessalinização de água do mar ou a reciclagem de água, a escassez de água continua sendo uma ameaça ao bem-estar humano. 

>> Leia também: Semiárido brasileiro - por que a seca ainda é um desastre?

Vários países ainda sofrem com migrações, fome e doenças associadas à escassez temporária de água. Seus sistemas econômicos também são, em muitos casos, fortemente afetados. Isso também pode gerar instabilidade política, porque as soluções para esses problemas não são, em muitos casos, suficientes. 

De acordo com o diretor do Cazalac, para fazer frente a esse fenômeno, a resposta está em antecipar-se, em saber com antecedência quais medidas de adaptação devem estar implementadas e onde podem ser aplicadas, de tal maneira que o impacto da seca possa ser controlado. 

Para isso, as ferramentas de monitoramento e alerta são fundamentais para permitir um melhor planejamento dos setores econômicos e sociais e uma melhor gestão da seca. 

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Frequência da seca no Brasil

O Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis) foi o ponto focal responsável pela condução dos estudos sobre a seca no Brasil, tendo elaborado um dos capítulos integrantes do Atlas. 

O Lapis realiza o monitoramento permanente das secas no Brasil, através de tecnologias de sensoriamento remoto, tendo desenvolvido metodologias, software, ferramentas e produtos de satélites específicos para fornecer, operacionalmente, a radiografia das secas no Brasil. Essas ferramentas são imprescindíveis ao planejamento e à tomada de decisão sobre a gestão das secas. 

>> Leia também: 5 razões para utilizar imagens de satélites na gestão agrícola

No Atlas das secas, os autores mostraram como a seca tem sido um problema comum a todas as regiões brasileiras, sendo o Semiárido brasileiro onde ocorre a situação mais crônica de escassez hídrica.

Com base no Livro “Um século de secas: por que as políticas hídricas não transformaram o Semiárido brasileiro?”, os especialistas analisaram a história das secas no Brasil, identificando e avaliando as respostas apresentadas pelos governos, em termos de políticas e ações de adaptação, de acordo com a severidade de cada evento climático. Foram destacadas também as lições da seca que assolou a região, durante o período 2010-2017, considerada a pior seca do século. Para adquirir o Livro “Um século de secas”, clique aqui.

No capítulo do Atlas sobre o Brasil, foram abordados ainda os impactos da seca nos diferentes setores econômicos, a frequência da seca extrema no Brasil e a gestão institucional do risco de desastre por seca no Brasil.  

>> Leia também: Um século de secas no Semiárido brasileiro

Metodologia inovadora do Atlas da Seca

Plataforma permite avaliar a frequência de secas nos municípios

 

A metodologia do Atlas da Seca baseia-se numa abordagem estatística, chamada "Análise de Frequência Regional usando momentos L (ARF-LM)”. O projeto contribuiu para o desenvolvimento de um software de código aberto para o cálculo da Análise de Frequência Regional, usando momentos L, e resultou em um conjunto de programas de softwares diferentes e acessíveis. Essas ferramentas permitem analisar vários índices climáticos, identificando os modos de variabilidade climática a afetarem uma determinada região de interesse.

O código gerado para desenvolver os mapas do Brasil, usando Análise de Frequência Regional, com base em momentos L (RFA-LM), está disponível no Lapis

A metodologia RFA-LM é a mais apropriada para o estudo de regiões com uma variabilidade interanual significativa e séries de dados de curta duração.

A abordagem do momento L foi desenvolvida para melhor estimar a distribuição, a partir de um número limitado de observações. 

Uma das primeiras aplicações da metodologia foi o Atlas da Seca dos Estados Unidos, em 1993. Nesse estudo pioneiro, a abordagem do momento L foi aprimorada com uma abordagem de regionalização. Esta regionalização permite combinar conjuntos de observações de diferentes estações, para determinar uma distribuição comum em uma área maior.

Isso é muito útil quando a maioria das estações possui registros curtos, o que é típico para áreas de terra seca. Melhorias significativas foram feitas em relação à metodologia original para permitir sua aplicação em regiões da América Latina e do Caribe, que apresentam alta variabilidade climática, combinada com dados de medição limitados disponíveis.

Para cada país, três mapas diferentes foram criados: a frequência de secas é apresentada como um conjunto de mapas, com períodos de retorno associados a intensidades de seca, expressos como déficits de precipitação.

Esse método mostrou-se especialmente relevante em terras secas onde: o número de estações meteorológicas é limitado; os conjuntos de dados são curtos e incompletos; há alta variabilidade na precipitação anual; o clima é frequentemente influenciado por eventos extremos de grande escala, como o El Niño Oscilação Sul (ENOS).

>> Leia também: O El Niño afetará o clima em 2019?

Na figura acima, foi feito uma análise específica para o município de Barra de São Miguel. Para interagir com o mapa, selecione seu município ou estado do Brasil e receba os dados do volume de chuvas esperado para diferentes períodos de tempo. A plataforma está disponível neste link

Conclusão

A metodologia adotada na elaboração do Atlas das Secas oferece uma ferramenta eficiente para o estudo da frequência das secas na América Latina e no Caribe. O estudo da frequência da seca permite identificar como a variabilidade climática difere espacialmente no interior de cada país. Dessa forma, o Atlas da Seca fornece uma ferramenta eficaz para aumentar a conscientização sobre a exposição à seca em países da América Latina e do Caribe.

O documento também apresenta uma radiografia da gestão institucional das secas na Região, permitindo a adoção de medidas de gestão das secas.

E você, acredita que a análise científica da frequência da seca permite uma melhor preparação e gestão dos impactos do fenômeno?

COMO CITAR ESTE ARTIGO:

LETRAS AMBIENTAIS. [Título do artigo]. ISSN 2674-760X. Acessado em: [Data do acesso]. Disponível em: [Link do artigo].

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