Às margens da lagoa Mundaú, no bairro Mutange, em Maceió (AL), há mais de duas décadas vive a senhora Eliene Silva, de 40 anos. Sua residência fica bem próxima a duas minas de exploração de sal-gema. De frente para a rua onde mora, é possível ver, além da linha do trem e da imponente Lagoa, um pequeno trecho de floresta, onde estão instaladas duas grandes torres e dois poços de mineração. A atividade econômica iniciou ali ainda nos anos 1970 e continuava intensa na região.
Há um ano, logo após o tremor de terra, Eliene viu aparecerem pequenas rachaduras em sua casa, que aos poucos foram aumentando, tornando-se preocupação comum a toda população. O bairro Mutange fica ao lado do bairro do Pinheiro, epicentro de um fenômeno de subsidência, que ameaça o afundamento dos solos e o risco de ocorrer um desastre geológico na região.
As primeiras rachaduras em imóveis do bairro do Pinheiro surgiram em fevereiro de 2018, seguidas pela abertura de grandes crateras no solo. Mas somente um ano depois, a mineração de sal-gema pela empresa Braskem foi apontada como causadora do comprometimento dos bairros. O impacto afetou não apenas o Pinheiro, mas também os bairros do Mutange, Bebedouro, Bom Parto e Farol, em Maceió.
Os impactos da exploração mineral do salgema, em Maceió, atingem, direta ou indiretamente, toda a população. De forma mais dramática, as consequências são profundas para as comunidades vulneráveis que viviam ou vivem nas áreas de risco de afundamento.
A mineração em Maceió começou na década de 1970, com a Salgema Indústrias Químicas S/A, atual Braskem. O minério é utilizado na fabricação de soda cáustica e PVC. Os métodos predatórios de extração provocaram um dos maiores impactos ambientais urbanos no Brasil.
Os quebramentos nos bairros foram esclarecidos somente no dia 08 de maio de 2019, após a divulgação de Relatório Técnico conclusivo dos estudos pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB/CPRM). Para entender os 9 fatos sobre a causa do fenômeno geológico, acesse o artigo Mineração comprometeu solo de bairros em Maceió. E agora?
O mapa de riscos foi inicialmente divulgado pela Defesa Civil, no dia 07 de junho de 2019, indicando as áreas que deveriam ser evacuadas, de imediato, nos bairros do Pinheiro e Mutange, em função do perigo de subsidência.
O mapa também delimitou os setores dos bairros, incluindo do Bebedouro, onde a população poderá continuar morando, sendo necessário o monitoramento das áreas de risco. A análise do mapa de riscos consta mais adiante, neste post.
Com população estimada em mais de 20 mil pessoas, o bairro do Pinheiro teve sua ocupação inicial próxima à lagoa Mundaú, que, ao lado da Manguaba, forma um extenso complexo que originou o nome do estado de Alagoas.
As fortes chuvas de verão, ocorridas em fevereiro de 2018, seguida de um tremor de terra de 2,4 pontos na escala Richter, em março do mesmo ano, intensificaram o aparecimento de rachaduras e fissuras em residências do bairro, bem como afundamentos de terra nas vias públicas.
O que poderia ser apenas um evento isolado se transformaria em um verdadeiro pesadelo para a população. Um ano depois, em março de 2019, o fenômeno já tinha afetado uma área expressiva do Pinheiro, com danos irreversíveis a pelo menos 2.480 imóveis.
A Defesa Civil interditou centenas de moradias, ameaçadas de serem tragadas pelo solo. Assustados, cada dia mais moradores abandonavam suas moradias e o bairro do Pinheiro tornou-se um deserto.
Em junho de 2019, teve início o processo de evacuação dos moradores do Pinheiro, Mutange e Bebedouro. Com o agravamento do problema, a ordem de evacuação se estendeu também a bairros circunvizinhos, como Bom Parto e Farol. Até a nossa última atualização, já foram desocupados mais de 14 mil imóveis nas áreas afetadas pela mineração.
São mais de 60 mil moradores removidos do bairro, em razão dos estragos que a mineração fez no subsolo das suas residências. Com a desocupação das áreas, a região se tornou uma "cidade fantasma", dentro da Grande Maceió. Após a remoção das famílias, a paisagem do bairro hoje é composta por casas em ruínas, rachaduras e fissuras nos imóveis, fendas nas ruas, afundamentos de solo e crateras.
Mas ainda há moradores atingidos nesses bairros que não foram incluídos no mapa das áreas de risco de desastre geológico, pelo estudo da CPRM (2019). É o caso das comunidades do Flexal de Baixo e do Flexal de Cima, no bairro do Bebedouro, próximo à lagoa Mundaú. Com a desocupação das áreas afetadas pela mineração, eles ficaram isolados e sem a infraestrutura mínima necessária para continuar vivendo ali.
Os danos mais visíveis para essa população é o ilhamento da dinâmica socioeconômica da região. Com o risco de colapso da mina no 18 da Braskem, às margens da Lagoa Mundaú, cerca de 6 mil pescadores e marisqueiros também foram afetados pela restrição da pesca.
A iminência do desabamento pode levar à abertura de uma enorme cratera, no processo de reacomodação do solo em movimento. Com o colapso da mina de salgema no bairro do Mutange, chuvas fortes podem causar novos abalos sísmicos e desencadear o desmoronamento do solo.
A maior incidência de Vórtices Ciclônicos de Altos Níveis (VCAN's) sobre o Nordeste, em anos de El Niño, aumenta os riscos de chuvas intensas na áreas afetadas pela mineração. Em 2018, foi esse fenômeno que causou uma chuva forte, provocado um abalo sísmico significativo, trazendo à tona os primeiros sinais do desastre geológico em Maceió.
>> Leia também: Chuva forte pode acelerar afundamento de bairros em Maceió
Para conter a instabilidade causada no solo pela mineração, a Braskem tenta estabilizar minas na região do Mutange e do Bebedouro. Mas parece que não adiantou. Em novembro de 2023, após o registro de cinco tremores de terra, a Defesa Civil de Maceió alertou para o risco de colapso em uma das minas, próximo da lagoa Mundaú.
A iminência do colapso pode levar à abertura de uma enorme cratera, além do risco de afundamento de outras minas, como efeito cascata. Até mesmo um hospital precisou ser desocupado, no bairro do Pinheiro.
Chuvas intensas podem aumentar o risco de desastre geológico nos bairros deteriorados pela mineração da Braskem, em Maceió. Desde que foi dado o alerta de colapso da mina de salgema, localizada no bairro do Mutange, o meteorologista Humberto Barbosa, fundador e coordenador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), monitora o risco de eventos meteorológicos extremos.
É que um evento extremo de chuva na região pode ampliar o risco de subsidência ou afundamento do solo. Segundo Humberto, a previsão de risco maior para deslizamentos de solo é caso chova 200 milímetros em 10 horas. Mas se chover três dias consecutivos intensamente, pode ser outro gatilho para abalos e até desmoronamento.
No fim do ano, é mais comum a incidência dos chamados Vórtices Ciclônicos de Altos Níveis (VCAN), sistemas meteorológicos que causam fortes chuvas no Nordeste. Em dezembro e janeiro, período da pré-estação chuvosa na região, esses sistemas se formam com maior intensidade. Os VCAN’s têm um centro seco e as bordas com convergência de umidade. Quando as bordas se aproximam de alguma região, elas causam pancadas de chuva intensas.
Desde fevereiro de 2018, geólogos da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) investigaram as possíveis causas do sismo e das fraturas no Pinheiro. Todavia, somente em 28 de dezembro do mesmo ano, o governo federal reconheceu Situação de Emergência no bairro, protocolo que dependia da solicitação inicial da Prefeitura de Maceió, através da Defesa Civil.
Em 11 de janeiro de 2019, o presidente da República determinou a adoção de ações necessárias à identificação do fenômeno. A partir de então, órgãos governamentais, como o Serviço Geológico do Brasil (SGB/CPRM) e a Agência Nacional de Mineração (ANM) seguem um rígido cronograma de estudos no bairro, com o intuito de descobrir as reais causas do fenômeno.
Durante muito tempo, a causa do fenômeno representou um mistério para a população e intrigou os especialistas. Muitas eram as dúvidas para esclarecer a ameaça que pode provocar um desastre socioambiental em Maceió, com risco de causar enormes danos humanos e materiais. O conhecimento da causa do fenômeno irá facilitar as ações emergenciais para garantir a integridade da população, conforme discutido neste novo post.
De acordo com representantes do CPRM, em Audiência pública realizada no Senado Federal, em 21 de março de 2019, os recentes estudos de interferometria mostraram que além do bairro do Pinheiro, o afundamento do solo já afetava os bairros do Mutange e Bebedouro, localizados em torno da lagoa Mundaú, em Maceió. Em dezembro de 2023, além desses três bairros, o mapa das áreas de risco da Defesa Civil já incluíam áreas dos bairros Bom Parto e Farol.
De acordo com a Defesa Civil de Maceió, parte da mina no 18 da Braskem se rompeu no dia 10 de dezembro de 2023, sob a lagoa Mundaú, às 13h15 (horário de Brasília). Desde o dia 29 de novembro, o órgão estava em alerta, devido ao risco de colapso dessa mina, localizada na região do antigo campo do CSA, no bairro Mutange. A área sob risco de desabamento e o seu entorno já estavam evacuados.
Além do desastre geológico ser dinâmico e ainda está em andamento, parte dos imóveis desocupados nos bairros afetados foram demolidos pela Braskem. Veja nas imagens acima o antes e depois dos impactos no local.
As imagens de satélites do Planet, processadas pelo Laboratório Lapis, mostram a atual situação do solo no bairro Mutange, em Maceió. Veja como estava o solo em março de 2018 – quando surgiram os primeiros sinais do desastre geológico, provocado pela mineração da Braskem –, e em novembro de 2023, após as demolições dos imóveis.
Os impactos do desastre não estão visíveis apenas no subsolo, mas podem ser vistos na superfície, a partir do Espaço. Pelo histórico de imagens de satélite, as demolições dos imóveis começaram a aparecer em agosto de 2022. Observe que áreas de moradias e vegetação foram convertidas em solo exposto, causando ainda mais impactos sobre o solo antropizado e instável. A mina no 18 se rompeu no entorno dessa área urbana convertida em solo exposto, às margens da lagoa Mundaú.
As chuvas também pressionam o local do solo em movimento. No último dia 07 de dezembro de 2023, em matéria do jornal O Globo, o meteorologista Humberto Barbosa, do Laboratório Lapis, chamou atenção para o risco de chuvas intensas acelerarem o afundamento do solo.
No dia 08 de dezembro de 2023, o Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA) suspendeu a licença da Braskem para a demolição de imóveis afetados pelo afundamento do solo. Também determinou que a Braskem crie uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), nos bairros atingidos pela mineração. O Órgão ambiental ainda proibiu qualquer atividade comercial na região afetada, devendo ser destinada à proteção legal.
Neste post, você vai entender desde o início o contexto do que ocorreu em Maceió. A seguir, vamos descrever as 4 principais hipóteses inicialmente investigadas pelos órgãos responsáveis, visando explicar o risco de afundamento nos bairros do Pinheiro, Mutange, Bebedouro, Bom Parto e Farol.
Em 08 de maio de 2019, um laudo técnico da CPRM concluiu que a causa do desastre geológico em Maceió foram as décadas de mineração de salgema da Braskem, em área urbana. Houve a despressurização e o colapso das cavidades desativadas de exploração de salgema, em função de as minas terem sido construídas em intersecção com antigas falhas geológicas. Com isso, as falhas geológicas foram reativadas.
A primeira hipótese considerada para explicar o fenômeno do deslocamento de massa no bairro do Pinheiro e áreas vizinhas estava relacionada à forma de ocupação dos bairros e às características geotécnicas dos solos.
Até o final de março de 2019, foi feito o levantamento histórico das mudanças ambientais realizadas no terreno, desde o processo inicial de ocupação. O estudo analisou as alterações na morfologia de cabeceiras de drenagem, aterros de lagoas e áreas embrejadas no tabuleiro. Em seguida, foram analisados os levantamentos feitos a 40 metros de profundidade, na área das moradias mais atingidas.
De acordo com o geológico Thales Sampaio, que coordenou os estudos na CPRM e divulgou o laudo técnico, essa hipótese está descartada, pois não pode ser associada ao processo de subsidência.
Entretanto, em função dos quebramentos no bairro do Pinheiro e adjacências, as características do solo assumem um caráter muito importante. Os fortes efeitos erosivos no solo e a existência de pequenas bacias endorreicas (que acumulam água no subsolo) provocam o aumento e a velocidade da infiltração da água de chuva, ampliando o risco de subsidência. Por isso, medidas emergencias preventivas devem ser adotadas, conforme discutidas neste artigo.
A segunda hipótese para o problema das rachaduras e afundamentos no bairro do Pinheiro diz respeito aos impactos da mineração de sal-gema na área. Esta foi a hipótese apontada pelo Relatório conclusivo da CPRM sobre as causas da subsidência no bairro do Pinheiro, Mutange e Bebedouro.
O laudo técnico da CPRM indica haver evidências que comprovam que a desestabilização das cavidades de extração de sal-gema reativou estruturas de falhas geológicas preexistentes, causando subsidência e quebramentos nos bairros de Maceió. Assim, a mineração teve papel predominante na origem dos fenômenos que estão causando danos na região.
Desde 1976, ocorre intensa atividade de mineração, às margens da lagoa Mundaú, nos bairros do Pinheiro, Mutange e Bebedouro, para extração de sal-gema, matéria-prima utilizada na fabricação de soda e cloro. O mineral é explorado pela atual empresa Braskem, petroquímica controlada pelo grupo Odebrecht e pela Petrobrás.
Durante mais de 40 anos, foram perfurados 35 poços para exploração de sal-gema. Segundo informações divulgadas pela empresa Braskem, 32 desses poços de extração do mineral já foram desativados, incluindo sete no bairro do Pinheiro, estando lacrados por um sistema de pressão de água. Antes da divulgação do laudo técnico, encontrava-se em operação apenas três minas, localizadas no Mutange.
Em janeiro de 2019, o Instituto do Meio Ambiente (IMA) de Alagoas suspendeu a licença ambiental da Braskem para exploração de sal-gema, no bairro do Pinheiro, a pedido do Ministério Público do Estado de Alagoas. A suspensão ocorreu em função de ainda não haver, na época, um laudo conclusivo sobre as causas do fenômeno. A empresa afirma ter suspendido as extrações no bairro do Pinheiro, desde maio de 2018.
No dia seguinte à divulgação do Relatório conclusivo da CPRM, que apontou a exploração de sal-gema como causadora dos quebramentos no bairro do Pinheiro, Mutange e Bebedouro, a Braskem paralisou as atividades de extração do mineral, em Maceió.
Até a divulgação do Relatório conclusivo da CPRM, a Braskem negava qualquer relação de causalidade entre os impactos ambientais da mineração de sal-gema e o fenômeno geológico de subsidência no bairro do Pinheiro e adjacências. Todavia, a empresa estava realizando estudos complementares para esclarecer as causas das rachaduras, e implementando ações emergenciais preventivas de drenagem e de monitoramento hidrometerológico nos bairros.
Em visita ao bairro do Pinheiro e do Mutange, observamos inúmeras placas de venda ou de aluguel dos imóveis. Muitas residências estão em reforma para corrigir as rachaduras e fissuras, provocadas pelo fenômeno da instabilidade do solo.
A senhora Eliene da Silva, cuja história abriu essa reportagem, afirmou, em entrevista no dia 10 de março de 2019, que as rachaduras em sua casa começaram desde o tremor de terra, ocorrido em março de 2018. Ela e mais dois moradores do bairro se mostraram bastante preocupados com a situação. “Até agora, a gente não recebeu nenhum tipo de auxílio social, porque moramos aqui, na parte de baixo do Mutange, eles só falam no Pinheiro, localizado mais na parte de cima, mas toda a exploração de sal-gema se inicia aqui, a perfuração começa bem abaixo do nosso bairro. Então, se for cair, vai cair tudo”, ressalta.
A moradora se mostrou apreensiva pelo fato de as minas de sal-gema continuarem funcionando ali. “É aqui no Mutange onde tem as torres da Braskem. Embora eles coloquem ‘não estamos trabalhando’, todo dia tem gente lá, de dia e de noite, extraindo a sal-gema e caminhões transportando a salmoura. Na minha opinião, parece até estarem trabalhando ainda mais. É preocupante porque se vier a acontecer uma tragédia, a maioria da população pode morrer”, ressaltou Eliene.
A sal-gema pertence ao grupo dos evaporitos, rochas sedimentares formadas a partir da cristalização de minerais submetidos a clima seco, pela elevada evaporação da água salgada. A bacia evaporítica marginal brasileira estende-se de São Paulo a Alagoas, com depósitos de anidrita, gipsita, sal-gema, sais de potássio e magnésio.
Os depósitos de sal-gema são explorados a cerca de 900 metros de profundidade. Na extração do mineral, é utilizado o método de lavra por dissolução, um processo tecnológico considerado obsoleto, mas com alta eficiência econômica, pelo seu baixo custo de exploração. O vídeo abaixo mostra uma mina de exporação da Braskem, em funcionamento no bairro Mutange, em Maceió.
As estruturas de sal-gema são rochas salinas solúveis. O método de lavra por dissolução consiste em escavar o poço e injetar água aquecida para que a rocha volte ao seu estado líquido, tornando-se salmoura a ser extraída.
Segundo uma pesquisa realizada, em 2017, por Sander Morais dos Santos, as rochas salinas possuem propriedades físicas e mecânicas e, dependendo do método utilizado na extração, respondem às modificações do meio.
Com o tempo, a extração provoca rupturas e deformações permanentes na estrutura dos materiais salinos, em função da tensão provocada por pressão e temperatura. O fenômeno, denominado de fluência, causa movimentos de discordâncias e deslizamentos intracristalinos.
Nesses casos, mesmo havendo preenchimento da cavidade com fluido, revestimento metálico ou concreto, no caso de poços de mineração, a reposição das tensões é apenas parcial, pois o material tende a dilatar, rompendo-se bruscamente.
“Mecanismos físicos explicam o comportamento dessas rochas salinas e como ocorre a deformação. Existem inúmeros padrões de deslizamentos, os quais permitem a rápida deformação dos sais, pelo movimento de deslocamento”, destaca a pesquisa.
Os estudos em andamento sobre a instabilidade no solo do bairro do Pinheiro e áreas adjacentes esclareceram que o fenômeno de subsidência e os quebramentos nos bairros de Maceió decorre dos impactos ambientais da exploração das estruturas de sal-gema.
De acordo com o laudo técnico da CPRM, está ocorrendo um fenômeno conhecido como halocinese (movimentação de sal), produzido pela desestabilização das cavidades de extração de sal-gema. As cavidades desativadas foram despressurizadas, tendo seus volumes alterados e algumas entrado em colapso, em função de localizarem-se em zonas de falhas geológicas.
A Agência Nacional de Mineração (ANM) fiscaliza a atuação da Braskem, buscando esclarecer se existe alguma relação, mesmo parcial, da mineração com o problema que afeta os moradores dos bairros de Maceió.
A Braskem nega qualquer relação com o fenômeno, mas por exigência da ANM, está realizando os levantamentos de sísmica por reflexão e de modelagens geomecânicas das cavernas de sal-gema. As análises serão integradas aos demais estudos da CPRM para constatar possíveis deformações e colapsos nas cavidades resultantes da exploração do mineral e sua correlação com o fenômeno no Pinheiro e bairros vizinhos.
As minas de sal-gema funcionavam em área de alta vulnerabilidade ambiental, onde estão localizados os bairros do Pinheiro, Mutange e Bebedouro. Além de a área está inserida na bacia hidrográfica do rio Mundaú, é uma zona de falhas e fraturas geológicas.
Mesmo assim, o IMA, órgão licenciador do estado de Alagoas, concedeu as licenças ambientais para operação da mineradora Braskem, desde 1976. As licenças eram renovadas a cada dois anos. Como consequência do laudo da CPRM, constata-se que o IMA foi negligente. O Ministério Público Federal adiantou que o Órgão poderá ser responsabilizado, junto com a ANM, que também foi negligente na fiscalização da segurança técnico-operacional da mineração.
A terceira linha de investigação do caso do bairro do Pinheiro estava relacionada à exploração desordenada do lençol freático de Maceió. O crescente aumento da urbanização, aliado à expansão agrícola e industrial na capital, resultaram no uso cada vez maior de águas subterrâneas, com o intuito de atender às demandas da população.
De acordo com o Relatório conclusivo da CPRM, esta hipótese também foi destartada. Na região entre Mutange e Bebedouro, os níveis dos aquíferos Barreiras e Marituba estão subindo ao longo do tempo. Não existem indícios de superexplotação. Assim, não é possível fazer a associação da explotação da água subterrânea com o fenômeno de subsidência que ocorre na área do bairro do Pinheiro, Mutange e Bebedouro.
Segundo o Plano Estadual de Recursos Hídricos de Alagoas (PERH), em 2010, mais de 80% da água consumida, na Região Metropolitana de Maceió, era de origem subterrânea, mediante a exploração de mais de 400 poços profundos. O uso intensivo de águas subterrâneas tem como consequência o rebaixamento do nível freático e a salinização das águas costeiras.
Em 2011, um estudo da Agência Nacional de Águas (ANA) mostrou uma superexploração de cerca de 100 milhões de metros cúbicos a mais do que esses mananciais subterrâneos da Região Metropolitana de Maceió conseguem naturalmente repor.
O abastecimento de água de Maceió é suprido por um sistema de reservatórios, com produção estimada em 2.000 m3/hora, associado a poços. A extração subterrânea está distribuída por baterias de poços, pertencentes à Companhia de Saneamento de Alagoas (Casal), localizados nos bairros de Bebedouro, Gonçalves Ledo, Bolão e Baixo Reginaldo, bem como por poços particulares. São retirados cerca de 5.200 m3/hora de água nos diferentes aquíferos.
A Braskem também possui uma bateria de poços para extração de água subterrânea, com capacidade de extrair um volume de até 500 m3/hora. A água é utilizada no processo de extração da sal-gema e na indústria de Cloro-Soda, localizada no Pontal da Barra, em Maceió.
Atualmente, a Casal, responsável pelo abastecimento público da Região Metropolitana de Maceió, afirma possuir 180 poços tubulares em operação, estando 80 localizados na capital alagoana. Além da Casal, cerca de 15 outras empresas particulares também possuem licença para extrair água subterrânea na cidade.
Muitos poços particulares, incluindo os da Casal, já foram desativados, por consequência do processo de salinização das águas, requerendo uma avaliação hidrogeológica da sua estrutura.
A história recente de Maceió mostrava que, em função das dificuldades de abastecimento urbano com água de reservatórios superficiais, possivelmente existiu e ainda persistisse um regime de superexploração do sistema aquífero Barreiras-Marituba, visando atender às demandas dos usuários.
A Casal foi uma das empresas investigadas como suspeita de provocar o fenômeno das rachaduras no bairro do Pinheiroe áreas adjacentes. Buscou-se comprovar se a exploração desordenada de água, por sistema de poços, pode ter provocado o rebaixamento dos aquíferos.
Durante a Audiência pública no Senado Federal, o representante da Companhia, Jorge Briseno Torres, afirmou: "A Casal nunca explorou poços profundos nessa região, não operamos poços em sumidouros e também não operamos galerias fluviais. A rede coletora de esgotos foi interrompida, em função do movimento de terra. A empresa trabalha na identificação de vazamentos não visíveis no bairro do Pinheiro, mas não foram encontrados vazamentos significativos capazes de causar rachaduras como essas".
Todavia, as investigações da CPRM comprovaram não ser possível fazer a associação da explotação da água subterrânea com o fenômeno de subsidência que ocorre no bairro do Pinheiro, Mutange e Bebedouro. Ao contrário, os estudos mostraram que os aquíferos estão com os níveis estáticos e dinâmicos em processo de recuperação.
Falhas no sistema de saneamento básico da região, como vazamentos de tubulações é um dos fatores a agravar o risco de subsidência (afundamentos) no solo do bairro do Pinheiro e adjacências. A deficiência no sistema de esgotamento sanitário de Maceió é apontada como um dos problemas a contaminar o lençol freático. A absorção da água aumenta a erosão do subsolo, ampliando a instabilidade no solo.
Dentre as hipóteses consideradas inicialmente para explicar o fenômeno no bairro do Pinheiro estava o possível aparecimento de uma dolina. Este fenômeno geológico ocorre quando parte do terreno cede, formando uma cratera, depressão circular ou semicircular no solo. Em áreas povoadas, pode provocar uma catástrofe.
A dolina tanto pode ser derivada de um fenômeno natural quanto induzida artificialmente, pela exploração excessiva do lençol freático, para extração de água subterrânea.
A dolina de colapso é causada pelo desabamento do teto de cavernas no subsolo, sustentado pela pressão da água que corre em seu interior. Quando o nível freático é rebaixado, o teto pode desabar, provocando a queda de toda a camada rochosa acima da caverna. No processo de formação da dolina, pode ocorrer o fenômeno de subsidência, caracterizado por afundamentos de terreno. O colapso corresponde ao movimento brusco de terreno.
A exploração da água subterrânea pode levar a um rebaixamento excessivo do lençol freático, provocando afundamentos do terreno na superfície. Havendo um colapso em áreas habitadas, há risco de o fenômeno causar uma tragédia.
Vazamentos em sistemas de distribuição de água, na coleta de esgotos ou por falhas na drenagem da água da chuva podem levar à formação de dolinas, em áreas urbanas. Esses eventos ocasionam erosão subterrânea, bem como o desmoronamento de ruas e calçadas. Em casos mais graves, as fundações de edifícios são prejudicadas, levando ao seu abandono.
A falta de saneamento básico é um dos fatores agravantes do problema, por provocar o lançamento de lixo e esgoto em uma dolina. Dessa forma, o aquífero local é poluído de forma muito agressiva, por ser um dos sistemas mais sensíveis ao dano ambiental.
Áreas intensamente urbanizadas podem ser classificadas como zonas potenciais de riscos geológicos, pois a ocupação desordenada pode acelerar o processo de colapso e subsidência do solo urbano. Algumas dolinas podem ser gigantescas, de modo que, na hora do colapso, ocasionam tremores de terra de grande magnitude.
No caso do bairro do Pinheiro e áreas vizinhas, os estudos comprovaram que as rachaduras e fissuras não são causadas pela formação de dolinas, pois os níveis dos aquíferos estão aumentando. Mesmo assim, a questão da drenagem de água continua fundamental para reduzir o risco de um desastre geológico na área afetada pelo fenômeno da subsidência.
De acordo com o laudo técnico da CPRM, a instabilidade do terreno é agravada por processos erosivos, provocados pelo aumento da infiltração da água da chuva, em função do aumento dos quebramentos. Este processo erosivo é acelerado pela existência de pequenas bacias endorreicas a acumularem água no subsolo e pela falta de uma rede de drenagem efetiva e saneamento básico.
No Brasil, o fenômeno mais conhecido de formação de dolinas de colapso, em área urbana, ocorreu em 1986, no município de Cajamar (SP). Tendo iniciado no quintal de uma casa, o buraco aumentou, tornando-se uma cratera de 50 metros de diâmetro e 13 metros de profundidade. O impacto socioambiental provocou reorganização na estrutura urbana da cidade.
O colapso do terreno em Cajamar foi causado pela excessiva exploração de água subterrânea pelas indústrias locais, além do fato de a cidade está localizada sobre uma estrutura calcária, de caráter frágil e altamente porosa.
Em Cajamar, os impactos nas edificações trouxeram grandes prejuízos à população. Algumas casas foram “engolidas” pela cratera. Outras apresentavam fendas e trincas, e outras deixavam expostas inúmeras rachaduras em paredes, muros e pisos, a até 250 metros de distância do epicentro do fenômeno.
Mais de 500 famílias então residentes no bairro de Lavrinhas, onde ocorreu o fenômeno, desocuparam suas residências. Nos dias de hoje, o solo de Cajamar foi estabilizado, pois não ocorreram mais evidências de novas fissuras e rachaduras nos imóveis. Algumas áreas do bairro foram liberadas para reocupação pelos moradores. Mas a área do "buraco de Cajamar", até hoje, mantém-se como uma praça deserta da cidade.
A quarta hipótese apontada pelos especialistas no que diz respeito ao problema das rachaduras e fissuras no bairro do Pinheiro é a localização do bairro em uma área tectonicamente ativa.
O vídeo acima mostra como feita a coleta de dados de um dos estudos feitos no bairro do Pinheiro, bem como em áreas vizinhas, para analisar a estrutura do subsolo. Foram espalhados fios e sensores no solo das ruas, enquanto o caminhão transporta um equipamento que causa um grande impacto no terreno.
O barulho muito forte no vídeo corresponde às "marteladas" produzidas pelo equipamento sobre o solo. Com a captação pelos sensores da onda acústica gerada, será possível verificar as condições das camadas geológicas do bairro do Pinheiro e áreas vizinhas.
A hipótese também foi defendida pelo engenheiro civil e geotécnico Abel Galindo Marques, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). O pesquisador defendia haver a presença de estruturas tectônicas reativadas na região, em função de alterações causadas pelos impactos das atividades humanas, que atingiram os limites das falhas geológicas.
Dentre as atividades possíveis de terem influenciado na reativação dessas falhas geológicas, estavam: 1) grande quantidade de poços de extração de sal-gema na área dessas falhas geológicas; 2) excessivo volume de água retirada do subsolo; e 3) presença de uma camada de rochas muito fraturadas, de 200 metros de espessura, logo acima do sal-gema.
Os espaços vazios deixados a cerca de mil metros de profundidade, pela extração de sal-gema, bem como o rebaixamento do aquífero, a cerca de 300 metros de profundidade, podem ter coincidido com uma área de falha geológica natural, que atinge as várias camadas do subsolo, no sentido vertical. Esses fatores podem ter originado um processo de reacomodação dos solos e rochas na superfície, afetando o bairro do Pinheiro e bairros vizinhos.
Em 2004, um estudo publicado na Revista Brasileira de Geofísica mapeou a estrutura de falhas geológicas no aquífero Barreiras, maior fonte de abastecimento hídrico de Maceió. Os pesquisadores identificaram a existência de um conjunto de falhas normais, formando blocos escalonados de grabens e horsts no local. Esse sistema influencia de forma marcante o fluxo de águas subterrâneas do aquífero.
O fenômeno graben corresponde a uma depressão de origem tectônica, formada quando um bloco de terra fica afundado em relação ao território vizinho, em função de movimentos combinados de falhas geológicas paralelas ou quase paralelas. O graben geralmente tem o formato de um vale alongado, com fundo plano.
Em sentido contrário, o horst é a elevação de um bloco de terreno que ocorre devido ao movimento combinado de falhas geológicas paralelas, ou relativamente paralelas, cujo movimento provoca o afundamento dos terrenos vizinhos.
O conjunto de estudos realizados pela CPRM indicaram a desestabilização das cavidades de extração de sal-gema reativou antigas estruturas de falhas geológicas, provocando o fenômeno da subsidência e deformações em superfície de parte dos bairros do Pinheiro, Mutange e Bebedouro.
Ao longo deste post, discutimos as 4 hipóteses consideradas nos estudos do bairro do Pinheiro e áreas vizinhas, sendo que o laudo técnico da CPRM apontou a mineração de sal-gema como causadora da instabilidade do solo no bairro do Pinheiro. E agora, o que vai ocorrer? Para saber mais detalhes, acesse este post.
A seguir, iremos descrever aspectos relacionados ao conhecimento do risco e sobre como ocorrem os protocolos de alerta e alarme para prevenir a ocorrência de um desastre no local.
Em 2018, os estudos de caráter emergencial no bairro do Pinheiro estiveram focados no mapeamento das áreas de risco, com base nas feições das fissuras e rachaduras nos imóveis.
No mapa preliminar, o bairro do Pinheiro foi subdividido em quatro áreas, levando-se em consideração o risco de subsidência, que representava o perigo de afundamento do solo. A Defesa Civil do município de Maceió havia classificado o bairro em áreas vermelha, laranja, amarela e azul, totalizando 5.432 imóveis afetados, em diferentes gravidades.
O mapa preliminar da área de risco ainda não incluía os impactos do fenômeno de subsidência nos bairros do Mutange e do Bebedouro. Somente a partir da Audiência Pública no Senado, quando a CPRM divulgou o resultado da análise da interferometria, tomou-se conhecimento de uma área de risco bem mais abrangente, em relação ao mapeamento inicial.
Após a divulgação do laudo técnico, foi elaborado o mapa acima, que delimita as áreas de risco de afundamento, integrando o resultado dos vários estudos concluídos pela CPRM.
Nos locais onde há maior perigo de desmoronamento de imóveis, a recomendação é que as famílias sejam retiradas de imediato. Nas demais áreas, a população pode permanecer, mas serão necessárias ações de mitigação do risco, bem como continuar com o monitoramento permanente das áreas de risco para possíveis alertas e evacuação.
O Mapa de Setorização de Danos e de Linhas de Ações Prioritárias, foi elaborado pela Defesa Civil nacional e municipal, com apoio da CPRM. Abrange áreas dos bairros Pinheiro, Mutange e Bebedouro. O novo mapa foi dividido em setores, conforme características estruturais e gravidade dos danos observados. Também aponta as linhas de ações prioritárias para cada área e de atenção à população afetada.
A figura abaixo mostra as ações prioritárias a serem adotadas pelo Sistema Nacional de Defesa Civil e demais entidades envolvidas na gestão do risco de desastre nos bairros. Compare as cores da figura com as de cada área do mapa acima e você compreenderá melhor os níveis de gravidades das áreas de risco.
Com base na nova classificação das áreas de risco, segundo a gravidade dos impactos, a Defesa Civil e o Cenad estarão mobilizados na execução do Plano de Contingência de Proteção e Defesa Civil (Placon), a ser atualizado para o bairro do Pinheiro, Mutange e Bebedouro.
Em parceria com outros órgãos governamentais, as instituições se preparam para adotar medidas em uma possível situação de emergência no bairro do Pinheiro e adjacências, diante da iminência de um desastre.
Essas medidas irão se basear no Protocolo de Monitoramento e Alerta, divulgado no último dia 09 de maio de 2019, após a divulgação do Relatório conclusivo da CPRM. O documento foi elaborado pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres (Cemaden). Os protocolos de alerta foram definidos da seguinte maneira:
O Placon será ativado quando forem constatadas uma das situações de risco previstas: 1) aumento das fissuras que evidenciem necessidade de evacuação; 2) previsão de ocorrerem eventos meteorológicos extremos, como chuvas fortes e tempestades, aumentando o risco de ocorrer o afundamento do bairro; 3) quando o fenômeno provocar danos humanos.
Vale lembrar que, após a Audiência pública no Senado, a CPRM mostrou que o fenômeno também afeta os bairros do Mutange e do Bebedouro. Dessa forma, a conclusão dos estudos irá requerer um ajuste do Placon para abranger todas as áreas em risco de subsidência.
No dia 23 de janeiro de 2019, a Defesa Civil realizou um Treinamento Simulado para orientar a população sobre os procedimentos de evacuação do bairro do Pinheiro, em caso de emergência. Na ocasião, os moradores receberam o alerta da Defesa Civil nacional, via SMS, sobre a ocorrência simulada de um desastre. Foram definidas rotas de fuga e pontos de encontro para evacuação do bairro.
Após a comprovação científica da CPRM de que os bairros do Mutange e do Bebedouro também estão na iminência de afundar, as atuais rotas de fuga deverão ser revistas, em função de algumas estarem localizadas nas novas áreas de risco.
As rotas de fuga são as vias que a população deve recorrer, em situação de emergência. Já os pontos de encontro são os locais para onde os moradores devem se dirigir para receber atendimento, em caso de alarme da Defesa Civil.
A Audiência pública na Comissão de Transparência do Senado Federal, ocorrida em 21 de março de 2019, teve o objetivo de discutir, com diversos atores sociais e institucionais, soluções para prevenir o risco de desastre no bairro do Pinheiro e áreas vizinhas.
Na ocasião, o geólogo da CPRM, Thales Queiroz Sampaio, apresentou resultados da análise interferométrica, para o bairro do Pinheiro, referente ao período de abril de 2016 a dezembro de 2018. Conforme mostrado na imagem acima, na ocasião foi evidenciado que o fenômeno de subsidência afeta toda a área vermelha, que abrange não apenas o bairro do Pinheiro, mas também os bairros Mutange e Bebedouro.
Segundo o pesquisador, há um bloco de terra, próximo da lagoa Mundaú, em processo de subsidência, ou seja, está baixando. A imagem acima destaca essa área em vermelho. Por outro lado, há um grande bloco, destacado em verde, no entorno dessa grande zona vermelha, cujas condições são estáveis.
"Na zona de transição entre essas duas camadas está ocorrendo um rompimento, uma quebra. Assim, todo o bloco que compõe o bairro do Pinheiro está baixando, e por isso ocorrem as trincas, fendas e fraturas na zona vermelha, laranja e amarela do bairro do Pinheiro", explica Sampaio.
O pesquisador também destacou que, ao longo de 40 anos, no bairro do Pinheiro, formou-se um sistema antrópico baseado na extração de água subterrânea, exploração mineral de sal-gema, ocupação urbana inadequada, falta de saneamento básico e de drenagem adequados. Há cerca de 10 anos, o sistema começou a desequilibrar, como mostrado nas notícias de jornais da época sobre o bairro do Pinheiro.
"A área está se movendo desde abril de 2016, ou até mesmo antes, tendo aumentado a velocidade a partir de junho de 2017, quando percebeu-se, em vários pontos, a aceleração do movimento", afirmou Sampaio. Ele também apresentou um vídeo, com imagens de radar SAR, mostrando as mudanças ocorridas na movimentação de terreno no bairro do Pinheiro e áreas vizinhas, durante o período, tendo se acelerado a partir de janeiro de 2018.
"A velocidade de rebaixamento foi calculada em 188 mm por ano. Em 2 anos, houve subsidência de 40 cm na área da Braskem", afirmou Sampaio. Essa lenta deformação (subsidência) no bairro indica que, em algum momento, poderá ocorrer um movimento brusco de colapso em direção à lagoa Mundaú.
Com a divulgação do Relatório conclusivo da CPRM, no último dia 08 de maio de 2019, foi esclarecida a causa da instabilidade do solo no bairro do Pinheiro. De acordo com o resultado dos estudos, a mineração de sal-gema em áreas de falhas geológicos causou o fenômeno da subsidência. As instituições agora buscam definir as estratégias para evitar um desastre geológico na área.
No dia 10 de março de 2019, o Letras Ambientais, em parceria com o Lapis, visitou o bairro do Mutange, onde entrevistou a moradora Eliene da Silva, cuja residência fica bem ao lado das minas da Braskem. Na ocasião, ela afirmou enfrentar impactos ocorridos após o tremor de terra de março de 2018, como rachaduras e fissuras em sua casa, além de dificuldades no fechamento das portas.
Com essa visita ao Mutange, antecipamos, ainda no início de março, que o problema também estaria atingindo aquele bairro, não estando restrito apenas ao bairro do Pinheiro, conforme restou comprovado depois, na Audiência Pública no Senado.
O Mutange é um bairro com enormes problemas de infraestrutura, caracterizado por situações de alta vulnerabilidade social e ambiental. É um bairro totalmente inserido na bacia hidrográfica do rio Mundaú e em zonas de falhas geológicas. Até a divulgação do laudo técnico da CPRM, ainda estavam em pleno funcionamento ali as minas de exploração de sal-gema, da Braskem, agora com atividades paralisadas.
Os representantes da CPRM destacaram, no Senado, a necessidade de se ajustar o plano de contingência da Defesa Civil aos novos dados, acrescentando as novas áreas de risco, como a totalidade do bairro do Pinheiro, além do Mutange e do Bebedouro. Essa grande área configura a nova zona vermelha, a ser evacuada, diante da iminência de um desastre.
O diretor da Agência Nacional de Mineração (ANM), Victor Hugo Bicca, destacou que ocorre no bairro do Pinheiro um fenômeno de neotectonismo, acelerado por ações antrópicas. É um movimento de massa provocado por reativação de falhas geológicas. A bacia sedimentar de Alagoas, naturalmente, apresenta fraturas e falhas geológicas, comuns em toda a Costa brasileira.
"O movimento de terra no bairro do Pinheiro está ocorrendo em velocidade considerável, em se tratando de um fenômeno geológico. Normalmente, essas mudanças geológicas ocorrem durante milhares de anos, mas no bairro do Pinheiro o solo está se movimentando em questões de dias e horas", destacou Bicca.
Durante a Audiência pública, o coordenador da Defesa Civil estadual, Moisés Melo, destacou que, pela apresentação da CPRM, a partir de então, tudo se apresenta como área vermelha, tendo dobrado de tamanho da área de risco, não havendo mais áreas laranja ou amarela. Dessa forma, afirmou ser necessário a Defesa Civil evacuar toda a população daquela área da cidade, incluindo a população da encosta do Mutange, totalizando cerca de 30 mil moradores da área de risco.
Todavia, em nota divulgada no dia 28 de março de 2019, a CPRM esclareceu que os dados apresentados na Audiência pública no Senado se referem apenas a um dos estudos realizados no bairro. De acordo com o cronograma do Órgão, será necessário aguardar o relatório conclusivo sobre as causas da instabilidade no terreno do bairro do Pinheiro, a ser divulgado no final do mês de abril.
No último dia 26 de março de 2019, a Prefeitura de Maceió decretou Estado de Calamidade Pública nos bairros do Pinheiro, Mutange e Bebedouro, em função das rachaduras e fissuras a atingir imóveis e ruas, desde o ano passado.
O Estado de Calamidade foi uma das ações recomendadas na Audiência Pública no Senado, em decorrência de os estudos geológicos realizados pela CPRM mostrarem a evolução do processo de subsidência na área. Diante da gravidade dos danos causados aos imóveis e da iminência de um desastre nos bairros, a Defesa Civil trabalha com a evacuação da área, visando prevenir uma possível tragédia, em caso de risco de afundamento.
A divulgação do laudo técnico da CPRM sobre a causa da instabilidade do solo no bairro do Pinheiro e áreas vizinhas foi um importante passo para a adoção de medidas que reduzam o risco de desastre.
Uma dessas iniciativas é reforçar o monitoramento hidrometeorológico, em Maceió, sobretudo próximo ao bairro do Pinheiro. Essa é uma das medidas fundamentais para evitar um desastre socioambiental no bairro do Pinheiro e áreas adjacentes.
A ocorrência de chuva forte, do tipo torrencial (grande volume de água caindo em um curto espaço de tempo) representa um alto potencial de provocar reacomodações de solo no bairro do Pinheiro e áreas vizinhas.
Em fevereiro de 2019, o geólogo da CPRM, Thales Sampaio, destacou o perigo de fluidização, possível de ocorrer naquela área de risco quando chover. A água da chuva entra pelas fraturas e fissuras, atundo como um lubrificante, com risco de causar um acidente grave no bairro do Pinheiro, em função de as edificações já estarem bastante danificadas.
Na Audiência Pública realizada no Senado Federal, representantes da CPRM destacaram a necessidade de monitoramento exemplar com sísmica, interferometria e sensores, no próprio bairro do Pinheiro e nas demais áreas de risco. O objeto é evitar um desastre, diante da iminência de haver um colapso, a qualquer momento, desses terrenos em processo de subsidência.
Durante a apresentação do Relatório conclusivo da CPRM, em Maceió, destacou-se, também, a importância de obras estruturantes de drenagem e saneamento básico, que reduzam a infiltração de água no solo. Em função do aumento significativo dos quebramentos no solo do bairro do Pinheiro e adjacências, a água infiltra em alta velocidade, aumentando os processos erosivos e agravando o risco de subsidência. O processo erosivo é acelerado ainda pela existência de pequenas bacias endorreicas, que acumulam água no solo.
Após a divulgação do laudo técnico sobre a causa do risco de subsidência no bairro do Pinheiro, Mutange e Bebedouro, o Cemaden estabeleu os protocolos de monitoramento e alerta de chuvas fortes na area. Ficou definido que, no caso de previsão de volume de chuvas de 30 mm na área, já será preciso acionar o alarme para evacuar o bairro. O mesmo ocorre para previsão de chuvas igual ou maior que 70 mm, em 24 horas.
As políticas públicas de prevenção de desastres são muito incipientes no Brasil e ainda existe grande vulnerabilidade institucional relacionada à gestão de riscos, especialmente no caso do bairro do Pinheiro, cuja ameaça associa um conjunto de fatores ainda inéditos no Brasil: geológico, hídrico, econômico e socioambiental.
O risco de desastre no bairro do Pinheiro requer um sistema de alerta adequado, a ser estruturado em função de quatro ações fundamentais:
a) Conhecimento do risco
É a tarefa mais complexa e na qual têm se concentrado as investigações no bairro do Pinheiro. Corresponde a realizar vários estudos e integrá-los para definir as causas e a gravidade da ameaça. No caso, um fenômeno geológico, de origem natural e/ou humana, que pode levar ao afundamento do solo do bairro do Pinheiro. O risco corresponde à relação entre a ameaça de desastre, a vulnerabilidade da população exposta e à sua capacidade de resposta. Já a vulnerabilidade é o potencial de sofrer danos humanos e perdas materiais.
b) Monitoramento e alerta
São as atividades de coleta de dados e informações para identificar situações de risco, com o objetivo de fundamentar a emissão de alertas, em tempo hábil, de provável ocorrência de desastres. No caso do bairro do Pinheiro, os principais dados monitorados estão relacionados às condições hidrometeorológicas, que podem aumentar o risco de um desastre geológico na região.
c) Comunicação
São as ações que visam informar aos agentes públicos e comunidades expostas sobre o risco de um desastre, em determinada localidade. Geralmente, o alerta é feito através de e-mail, SMS e aplicativos de mensagens. Já os canais utilizados em situação de alarme são acionamento de sirenes e carros de som. A Defesa Civil do município é responsável por comunicar à população sobre o perigo de um desastre potencial, por meio do uso preventivo do sistema de alerta e alarme à população residente.
O alerta corresponde à dimensão de potenciais danos materiais e humanos, diante da interação entre um fenômeno natural (ameaça) e as vulnerabilidades de determinada área. Já o alarme é a confirmação de concretização do risco de desastre, situação a exigir evacuação imediata da área povoada que pode vir a sofrer danos.
d) Capacidade de resposta
Inclui as formas de organização local e as estratégias adotadas para responder ao risco anunciado. Em geral, resulta das condições econômicas, sociais, culturais e institucionais de resposta às ameaças. A capacidade de resposta depende do tempo de antecedência no envio dos alertas. É necessário haver tempo suficiente, após o alerta, para a população e agentes públicos locais se prepararem e agirem com o intuito de reduzir os danos humanos e materiais.
A percepção do risco de desastre por parte da comunidade é fundamental. O treinamento da população para adotar as medidas adequadas, em situação de evacuação, pode minimizar o impacto e evitar uma tragédia. Uma área de risco geralmente abriga centenas de pessoas potencialmente afetadas, podendo deixá-las desabrigadas, feridas e até provocar vítimas fatais.
Em 2011, foi criado o Cemaden, órgão responsável por analisar cenários de risco de desastres em municípios brasileiros, com base no monitoramento meteorológico, hidrológico e geológico de áreas ocupadas expostas a potenciais tragédias humanas.
O Cemaden emite alertas sobre perigos potenciais de desastres naturais, em áreas de risco. Os alertas são enviados ao Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (Cenad), coordenado pela Secretaria Nacional de Defesa Civil, que o encaminha às defesas civis estaduais e municipais.
Os protocolos de alerta buscam identificar qual volume de chuva é necessário cair, em cada área monitorada, para provocar determinado tipos de ocorrência.
É necessário mapear os domínios de risco a escorregamentos, cujas condições mudam em cada localidade. A correlação entre chuva e escorregamento considera o volume pluviométrico, ou seja, a intensidade da chuva e o acumulado da mesma no período de 1 hora, bem como de um a quatro dias e mensalmente. A análise se justifica devido às vulnerabilidades e às particularidades no uso e ocupação de áreas de risco específicas.
Humberto Barbosa atua no monitoramento das condições meteorológicas do bairro do Pinheiro. Ele destaca a necessidade de estabelecer os limiares de chuva e quais as consequências possíveis de cada limiar, ou seja, qual o volume de chuvas necessário para provocar escorregamentos de terra naquela área.
“Para evitar um desastre no Pinheiro, devem-se conhecer os cenários de risco, definir os limiares de chuva ou protocolos de alerta e alarme, capacitar os profissionais a serem envolvidos em situações de gestão de risco e preparar preventivamente a população”, destaca.
Para Barbosa, o conhecimento sobre a probabilidade e recorrência de chuvas, tais como seus limiares críticos, requer a integração de diversas ferramentas que contribuam com a previsão do tempo, incluindo a medição da quantidade acumulada e intensidade de chuvas. Dentre as ferramentas de análise, estão: dados de monitoramento por satélites, radares meteorológicos, modelos de previsão, estações meteorológicas e pluviômetros automáticos para acompanhamento das chuvas, em tempo real.
Em casos de deslizamento de massa, o Cemaden/MCTI toma por base o limiar reduzido de acumulados de chuva de 20 mm, a cada 24 horas, ou a intensidade de 20 mm por hora.
Barbosa ressalta que os protocolos ainda não estão claros para antecipar ações preventivas de alerta e alarme no bairro do Pinheiro. "Por se tratar de uma abordagem em microescala, referente a uma área específica de um bairro em Maceió, a definição desse limiar requer o conhecimento adequado das caraterísticas dos solos, visando compreender a sua capacidade de absorção em relação ao volume de precipitação", completa.
O meteorologista ainda ressaltou a necessidade de instalação de um laboratório de observação hidrometeorológica, no bairro do Pinheiro, com uso de sensores de precipitação (pluviômetros automáticos), análise das caraterísticas dos solos e do seu teor de umidade.
"Como a estação chuvosa em Maceió ocorre no período de abril a setembro, será a oportunidade de estabelecer parâmetros científicos para a gestão de riscos geológicos dessa magnitude, no Brasil ou em outros países", destaca Barbosa. A partir do Lapis, Humberto atuou em pesquisas de monitoramento hidrometeorológico para apoiar na emissão de alertas de desastres no Nordeste brasileiro (Projeto Capes-Pró-Alertas).
Como parte do monitoramento das condições meteorológicas do bairro do Pinheiro e das áreas adjacentes, o Lapis divulgou um gráfico comparativo do volume de chuvas acumulado no período de março a abril, nos últimos quatros anos. É possível observar que, em 2019, tem chovido mais nesse intervalo do que nos últimos anos, embora se trate de um volume reduzido de chuvas, caracerístico da pré-estação.
Além desses protocolos, um município em situação de risco deve fortalecer a capacidade institucional da Defesa Civil, para que possa agir preventivamente, diante do alerta de potencial tragédia natural em sua cidade. Especialistas afirmam que grande parte dos gestores municipais brasileiros não sabe que ações deve proceder em situação de perigo.
Dentre as ações que compete aos municípios, estão: fazer vistorias no local, estruturar abrigos e condições de remoção emergencial, catalogar os bens das pessoas afetadas, capacitar a população e monitorar a incidência dos processos climáticos.
O terreno do bairro do Pinheiro está em movimento, mas ainda não se tem conhecimento da gravidade dessa instabilidade.
Enquanto a Defesa Civil monitora o avanço das fissuras, rachaduras e afundamentos em imóveis e ruas do Pinheiro, o SGB e a ANM realizam vários estudos simultâneos para esclarecer as causas do fenômeno. Uma das investigações, baseada em monitoramento por satélites, permitiu qualificar e quantificar o movimento do solo, as áreas atingidas, em que direção ocorre o movimento dos solos (deslocamento horizontal ou vertical) e quantos milímetros as áreas já se movimentaram. Esses dados foram obtidos pela análise interferométrica, obtida com imagens de radar, conforme apresentados na Audiência pública no Senado.
Visando esclarecer o fenômeno ainda desconhecido, o SGB também está realizando um conjunto de estudos geológicos e geotécnicos, mediante sondagens. O objetivo é caracterizar as propriedades de rochas, solos e estruturas geológicas (falhas, fraturas e outras descontinuidades) antigas e recentes, com capacidade de gerar movimentos sísmicos na região. O estudo será concluído até 22 de março de 2019.
Também está sendo realizado o levantamento batimétrico sísmico (embarcado) nas lagoas Mundaú e Manguaba, com o objetivo de mapear o relevo e as estruturas geológicas/descontinuidades do fundo do complexo lacunar, em busca de sinais de subsidência ou que indiquem alterações morfológicas anormais.
A lagoa Mundaú exerce um importante papel na recuperação, recarga e alimentação do sistema aquífero Barreiras-Marituba. Segundo resultados preliminares dos estudos realizados pelo SGB, o manancial está bastante poluído e asseroado.
Os especialistas vão perfurar seis poços tubulares para monitoramento de áreas subterrâneas. Eles buscam identificar como estão as condições do subsolo nos locais onde há crateras de exploração de sal-gema lacradas e na área vermelha do Pinheiro, onde mais de 500 residências apresentam rachaduras, afundamentos de solo e pequenas fendas.
Também estão sendo realizados estudos no solo a 1500 metros de profundidade, ultrapassando a camada de sal. A integração desses dados irá permitir uma análise aprofundada para confirmar o real problema que afeta a vida da população do bairro do Pinheiro.
Os afundamentos, rachaduras e fissuras em imóveis e ruas públicas do bairro do Pinheiro e áreas adjacentes, representam o risco de ocorrer um grave desastre geológico no bairro. Assim, descobrir que a mineração foi a causa desse desastre ambiental foi fundamental para evitar a ameaça de maiores danos humanos, ambientais e materiais. O conhecimento do risco é o primeiro passo a minimizar a vulnerabilidade da população e a ocorrência de uma tragédia no local.
Conhecer os fatores que podem agravar o problema geológico no bairro do Pinheiro, fazendo um monitoramento abrangente e integrado das condições físicas e dos dados meteorológicos, é fundamental nesse momento para a gestão preventiva do risco de desastre”, completa o meteorologista.
O cenário do risco configurado hoje em Maceió é inédito no Brasil. Desse modo, o bairro do Pinheiro pode ser um laboratório de fortalecimento e articulação institucional, para o monitoramento integrado, permitindo ações antecipadas visando evitar um desastre. A forma como está sendo conduzida a gestão pode servir de modelo, ampliando um tema ainda pouco conhecido na área de prevenção de desastres no Brasil, tanto do ponto de vista científico quanto institucional.
Na sua opinião, o Brasil possui instituições preparadas para lidar com risco de desastre? Você acredita que a gestão do risco no bairro do Pinheiro e áreas adjacentes está adequada? Gostaríamos do seu comentário.
LETRAS AMBIENTAIS. [Título do artigo]. ISSN 2674-760X. Acessado em: [Data do acesso]. Disponível em: [Link do artigo].
Copyright © 2017-2024 Letras Ambientais | Todos os direitos reservados | Política de privacidade