Chuva forte pode acelerar afundamento de bairros em Maceió


Mina de salgema da Braskem, na escarpa do bairro Mutange.


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No dia 27 de novembro, um evento extremo de chuva antecipou a pré-estação das chuvas no Nordeste brasileiro. No Rio Grande do Norte, os volumes de precipitação superaram a marca histórica de 300 milímetros (mm), em menos de 24 horas. Se um evento extremo dessa natureza atingisse hoje Maceió (AL), poderia ser o gatilho para um grave desastre geológico por desmoronamento do solo.

É que desde fevereiro de 2018, a população da capital alagoana enfrenta um desastre decorrente das décadas de exploração mineral de salgema em área urbana, pela Braskem. As chuvas fortes nos dias 14 e 15 de fevereiro daquele ano foram suficientes para provocar um tremor de terra com magnitude de 2,5 na escala Richter. O abalo sísmico foi seguido do surgimento das primeiras fissuras e rachaduras nos imóveis, inicialmente no bairro do Pinheiro.  

Minas da Braskem com risco de colapso em Maceió

Desde então, já são cinco bairros afetados (Pinheiro, Mutange, Bebedouro, Bom Parto e Farol) e cerca de 55 mil moradores já foram removidos das suas moradias. As áreas desocupadas compõem hoje uma “região fantasma”, dentro da Grande Maceió.

Recentemente, o assunto ganhou grande repercussão nacional, em razão da mina no 18 da Braskem está em processo de colapso. A questão voltou à tona no dia 06 de novembro, quando a Defesa Civil de Maceió registrou dois eventos sísmicos na área desocupada do bairro do Mutange, próximo ao campo do CSA, às margens da Lagoa Mundaú.

Chuvas intensas podem aumentar o risco de desastre geológico nos bairros afetados pela mineração da Braskem, em Maceió. Desde 2018, o meteorologista Humberto Barbosa, fundador e coordenador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), monitora o desastre. Após o recente alerta da Defesa Civil sobre o risco de colapso da mina no 18 da Braskem, localizada no bairro do Mutange, suas atenções estão voltadas para monitorar o risco de chuvas intensas na região.

Desde novembro, cinco tremores de terra já foram registrados na região, em razão do processo de movimentação do solo. A Defesa Civil de Maceió decretou alerta para o risco de colapso da mina da Braskem, no Mutange. Apesar de a área está desocupada, há restrições para a população transitar pelas ruas do local e embarcações não podem acessar o entorno da Lagoa Mundaú.

>> Leia também: Que fenômeno ameaça engolir o bairro do Pinheiro, em Maceió?

Minas da Braskem podem colapsar com chuvas intensas

Imagem do satélite GOES mostra nuvens de chuva por VCAN em Maceió

Imagem do GOES mostra nuvens sobre Maceió, na noite do dia 14/02/2018. Fonte: Lapis.

Uma chuva intensa nos bairros comprometidos pela mineração pode ampliar o risco de subsidência (afundamento do solo), em Maceió. Segundo Humberto, a previsão de risco maior para deslizamentos de solo é caso chova 200 milímetros em 10 horas. Mas mesmo com chuvas moderadas durante três dias consecutivos, o volume acumulado pode ser gatilho para abalos sísmicos e desmoronamentos do solo.

Em 15 fevereiro de 2018, a movimentação do solo em Maceió veio à tona após fortes chuvas. As primeiras fissuras, rachaduras e quebramentos nos imóveis e ruas do bairro do Pinheiro surgiram logo após um evento extremo de precipitação.

As imagens do satélite GOES-16, fornecidas pelo Laboratório Lapis, mostram as chuvas intensas sobre a cidade de Maceió, na noite do dia 14 (imagem de satélite acima) e na madrugada do dia 15 de fevereiro de 2018 (imagem abaixo).

Imagem do GOES mostra nuvens sobre Maceió, na noite do dia 14/02/2018. Fonte: Lapis.

Imagem do GOES mostra nuvens sobre Maceió, na madrugada do dia 15/02/2018.

A situação do Pinheiro ficou mais grave no dia 03 de março daquele mesmo ano, novamente associadas às chuvas intensas, seguidas de um tremor de terra com magnitude de 2,5 na escala Richter. Desde então, o desastre geológico na área urbana deterioraram milhares de imóveis e ruas dos bairros afetados em Maceió. 

Em 2018, havia um vazio de estações meteorológicas instaladas em Maceió, de modo que não se sabe exatamente o volume de chuva que caiu. Mas pelas imagens do satélite GOES-16, é possível identificar a grande quantidade de nuvens causadoras de chuva que se precipitaram sobre Maceió.

Desde o diagnóstico do desastre geológico provocado pela mineração predatória na capital, houve melhoria na infraestrutura de monitoramento. Foram instalados novos equipamentos de medição das chuvas e de outras variáveis hidrometeorológicas.

Na época, um dos sistemas que influenciou as chuvas fortes foi a presença de um cavado em latitudes médias. A circulação de um Vórtice Ciclônico de Altos Níveis (VCAN) interagiu com a presença de uma circulação anticiclônica sobre o continente, chamada Alta da Bolívia, causando a passagem do vento em altos níveis sobre Maceió.

Observou-se ainda a influência da Zona de Convergência do Atlântico Norte (ZCAS), uma faixa de nuvens que atuou por mais de 10 dias, entre a bacia amazônica e o Atlântico Sul. Essa confluência de sistemas atmosféricos levou à formação de nuvens de chuva sobre a região de Maceió.

Esses sistemas meteorológicos causadores de fortes chuvas no Nordeste são mais comuns no fim do ano, como é o caso dos VCAN’s. Em dezembro e janeiro, período da pré-estação chuvosa na região, eles se formam com maior intensidade.  

O VCAN é um sistema de pressão em médios e altos níveis da troposfera, caracterizado pela circulação dos ventos no sentido horário, em torno de seu centro seco. Quando suas bordas se aproximam de alguma região, a forte nebulosidade pode causar chuvas intensas.

>> Leia também: Mineração comprometeu solo de bairros em Maceió. E agora?

El Niño torna vórtices ciclônicos mais intensos

Ilustração de nuvens altas e médias de um VCAN. Adaptado de Kousky e Gan (1981).

Nuvens altas e médias de um VCAN. Adaptado de Kousky e Gan (1981).

De acordo com Humberto, o atual evento de El Niño amplia a frequência e intensidade dos VCAN’s sobre o Nordeste, no período da pré-estação. Esses sistemas podem gerar chuvas fortes, capazes de provocar desmoronamentos de terra nos bairros de Maceió e levar as minas da Braskem ao colapso. A piora no aquecimento global potencializa ainda mais a formação dos VCAN’s e o risco de eventos extremos de chuva.

O meteorologista explica que a alta umidade e infiltração de água no solo pode ser um gatilho para desabamentos em Maceió. O solo aquecido pelas altas temperaturas, combinado com a chegada de grande volume de chuva, pode representar perigo para as áreas de risco de Maceió.

Esta semana, um VCAN esteve posicionado sobre o interior do Nordeste, embora as suas bordas tenham permanecido sobre o oceano, onde a chuva foi mais intensa. Veja abaixo na imagem do satélite GOES-16: 

VCAN vai trazer mais chuvas para o Nordeste_El Niño_VCAN

Imagem de satélite mostra VCAN sobre o Nordeste no início de dezembro. Fonte: Lapis.

O desenvolvimento de um VCAN sobre o Nordeste brasileiro e o Atlântico Sul tropical pode ser visto na imagem do satélite GOES-16, para o sistema ocorrido em 15 de fevereiro de 2018. Um cavado de altos níveis, associado a nuvens de altos níveis do tipo Cirrus, foi registrado às 3h30 da manhã. As nuvens estão localizadas nas bordas do VCAN. Quando o cavado muda para uma circulação fechada, as nuvens aparecem ao leste do sistema, com o centro livre de nuvens.

Um VCAN se desloca com rapidez. Ontem, dia 06 de dezembro, o VCAN estava sobre o nordeste de Goiás, provocando apenas chuva fraca em Maceió. Hoje, dia 07 de dezembro, o sistema já se deslocou para o sul do Pará. Há dificuldades para se prever o desenvolvimento de um VCAN, quando eles se formam.

Os VCAN’s geralmente se desenvolvem a partir de um cavado profundo de nível superior, sobre a costa do Nordeste e o oceano Atlântico. A maioria dos VCAN's costuma durar cerca de 3 dias, mas alguns podem persistir por mais de 10 dias.

Os padrões de nuvens associadas aos VCAN’s costumam variar, dependendo de sua intensidade e profundidade. Na imagem do satélite GOES, do canal infravermelho, você pode ver nuvens associadas a um VCAN, no dia 15 de fevereiro de 2018, às 3h30 da manhã.

Na imagem, a nebulosidade é observada na borda do VCAN, em tons mais claros. Como existem muitas nuvens Cirrus ao redor do sistema, esse sistema é difícil de ser identificado no canal visível da imagem de satélite.

Em altos e médios níveis da atmosfera, frequentemente vemos esses padrões de nuvens associadas a um VCAN, conectando-se com as nuvens de um ciclone extratropical e de um sistema frontal, para produzir a forma de um "S". Em alguns casos, nuvens de chuva (convectivas) no oeste do VCAN podem interagir com a circulação advinda da Alta da Bolívia. Você pode observar essa situação na ilustração acima.

>> Leia também: Entenda os 5 fenômenos que trazem chuvas para o Nordeste, durante o verão

Desabamento do solo depende da duração e intensidade da chuva

Fote: Pinheiro afundamento dos bairros em Maceió

Estudos de interferometria feito em bairros de Maceió. Fonte: CPRM.

A duração e a intensidade das chuvas são fatores decisivos para provocar deslizamentos de terra, especialmente na área onde estão localizadas as 35 minas da Braskem, em colapso na área urbana de Maceió. O principal mecanismo para ocorrer o desmoronamento do solo são as condições hidrológicas da área. Por exemplo, a umidade do solo aumenta o peso e reduz a resistência às tensões no solo, enquanto o nível do lençol freático afeta a pressão da água nos poros.

A questão é que as chuvas afetam diretamente a umidade do solo e o lençol freático, além de outros fatores, como transbordamentos e descargas, também influenciados pelas chuvas. O limite de precipitação é um método eficaz de redução do risco de deslizamentos de terra. Dessa forma, pode ser um componente importante dos Sistemas de Alerta Precoce que monitoram esse tipo de desastre geológico.

Mas não é só a intensidade e duração que definem o limiar de precipitação para ocorrer o desabamento do terreno. As chuvas anteriores desempenham um papel importante no desencadeamento de deslizamentos rasos.

A umidade do solo e as águas subterrâneas após as chuvas têm um efeito retardado, devido às características hidrológicas do solo. Por isso, acompanhar os dados da chuva acumulada, em determinado período, é crucial para a emissão dos alertas.

O principal mecanismo dos deslizamentos de terra provocados pelas chuvas é a saturação da camada do solo, reduzindo a resistência às tensões do terreno. Nesse processo, a precipitação, o solo e a topografia desempenham papeis importantes para situações de inclinação do terreno.

>> Leia também: A pré-estação chuvosa começou mais cedo no Nordeste? Entenda

Entenda o desastre geológico causado pela Braskem em Maceió

A mineração em Maceió ocorre desde a década de 1970, com a Salgema Indústrias Químicas S/A, atual empresa petroquímica Braskem. O minério é utilizado na fabricação de soda cáustica e PVC. Os riscos inerentes à atividade de mineração provocaram um dos maiores impactos ambientais urbanos no Brasil.

Inicialmente, o bairro do Pinheiro e algumas áreas adjacentes foram incluídas na área de risco de afundamento. Hoje, já são cinco bairros afetados pela deterioração do subsolo, causada pela Braskem.

As primeiras rachaduras e fissuras nos imóveis, em fevereiro de 2018, surgiram inicialmente no bairro do Pinheiro. Mas somente um ano depois, mineração de salgema pela Braskem foi apontada como causadora do comprometimento dos bairros.

Após muitas especulações sobre as possíveis causas do processo, um marco importante foi a divulgação do laudo técnico dos especialistas do Serviço Geológico do Brasil (CPRM), em maio de 2019. O estudo concluiu ter sido a exploração de salgema pela Braskem a causa do risco de subsidência (desabamento do solo) nos bairros afetados.

De acordo com o laudo técnico da CPRM, a instabilidade do terreno é agravada por processos erosivos, provocados pelo aumento da infiltração da água da chuva, em função do aumento dos quebramentos. Este processo erosivo é acelerado pela existência de pequenas bacias que acumulam água no subsolo (endorreicas) e pela falta de uma rede de drenagem ou saneamento adequado.

A causa do fenômeno foi apontada pelos especialistas da CPRM como a despressurização e o colapso das cavidades desativadas de exploração de salgema, em função de as minas terem sido construídas em intersecção com antigas falhas geológicas. Com isso, as falhas geológicas foram reativadas.

Mina de salgema da Braskem, na escarpa do bairro Mutange, em Maceió.

Mina de salgema da Braskem, na escarpa do bairro Mutange, em Maceió.

As áreas afetadas ficam no entorno da Lagoa Mundaú. Algumas ruas dali constituem o mais antigo povoamento que deu origem a Maceió. Apesar da beleza paisagística dos locais e de compor o patrimônio histórico da cidade, essas áreas estão ficando desérticas e a qualquer momento podem ser tragadas pelo solo. O risco aumenta em uma situação de evento climático extremo, como chuvas fortes.

Dentre os prejudicados, estão as comunidades ribeirinhas, que ainda permanecem ali. São cerca de 6 mil pescadores e marisqueiros que sobrevivem da pesca e hoje dependem do auxílio emergencial do governo federal para sobreviver. Grande parte desses pescadores vive nas comunidades do Flexal de Cima e Flexal de Baixo, do bairro do Bebedouro.

Apesar de não terem sido incluídas nas áreas de risco, os moradores desses locais enfrentam os danos do ilhamento socioeconômico da área. Além disso, as recentes restrições para exercerem suas atividades de pesca na Lagoa Mundaú, diante da iminência do colapso da mina da Braskem, pioraram ainda mais a situação.

Imagens de satélite mostram antes e depois da área onde mina da Braskem desabou

Imagem combinada do antes e depois no Mutange_QGIS

De acordo com a Defesa Civil de Maceió, parte da mina no 18 da Braskem se rompeu no dia 10 de dezembro de 2023, sob a lagoa Mundaú, por volta das 13h15 (horário de Brasília). Desde o dia 29 de novembro, o órgão estava em alerta, devido ao risco de colapso dessa mina, localizada na região do antigo campo do CSA, no bairro Mutange. A área sob risco de desabamento e o seu entorno já estavam evacuados. 

Além do desastre geológico ser dinâmico e ainda está em andamento, parte dos imóveis desocupados nos bairros afetados foram demolidos pela Braskem. Veja nas imagens acima o antes e depois dos impactos no local.

As imagens de satélites do Planet, processadas pelo Laboratório Lapis, mostram a atual situação do solo no bairro Mutange, em Maceió. Veja como estava o solo em março de 2018 – quando surgiram os primeiros sinais do desastre geológico, provocado pela mineração da Braskem –, e em novembro de 2023, após as demolições dos imóveis. 

Os impactos do desastre não estão visíveis apenas no subsolo, mas podem ser vistos na superfície, a partir do Espaço. Pelo histórico de imagens de satélite, as demolições dos imóveis começaram a aparecer em agosto de 2022. Observe que áreas de moradias e vegetação foram convertidas em solo exposto, causando ainda mais impactos sobre o solo antropizado e instável. A mina no 18 se rompeu no entorno dessa área urbana convertida em solo exposto, às margens da lagoa Mundaú. 

As chuvas também pressionam o local do solo em movimento. No último dia 07 de dezembro de 2023, em matéria do jornal O Globo, o meteorologista Humberto Barbosa, do Laboratório Lapis, chamou atenção para o risco de chuvas intensas acelerarem o afundamento do solo.

No dia 08 de dezembro de 2023, o Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA) suspendeu a licença da Braskem para a demolição de imóveis afetados pelo afundamento do solo. Também determinou que a Braskem crie uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), nos bairros atingidos pela mineração. O Órgão ambiental ainda proibiu qualquer atividade comercial na região afetada, devendo ser destinada à proteção legal. 

Em 08 de maio de 2019, um laudo técnico da CPRM concluiu que a causa do desastre geológico em Maceió foram as décadas de mineração de salgema da Braskem, em área urbana. Houve a despressurização e o colapso das cavidades desativadas de exploração de salgema, em função de as minas terem sido construídas em intersecção com antigas falhas geológicas. Com isso, as falhas geológicas foram reativadas.  

COMO CITAR ESTE ARTIGO:

LETRAS AMBIENTAIS. [Título do artigo]. ISSN 2674-760X. Acessado em: [Data do acesso]. Disponível em: [Link do artigo].

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