Iniciamos um novo mês e parece que estamos em um mundo completamente diferente, enquanto observamos as condições esperadas para o El Niño Oscilação Sul (Enos), nos próximos meses, e sua influência no clima das regiões brasileiras.
>> Leia também: La Niña presente pode agravar pressão sobre oferta e preço dos alimentos
Para o período de maio a julho de 2020, as projeções da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA), dos Estados Unidos, manteve a condição de neutralidade climática, ou seja, sem El Niño ou La Niña. Há uma probabilidade, de quase 80%, de continuidade da condição de neutralidade do fenômeno Enos, em toda a faixa equatorial do oceano Pacífico, durante o período.
Desde outubro de 2019, as temperaturas médias mensais da superfície do Pacífico tropical variaram de 0,4 °C e 0,5 °C. O “desvio da média” é calculado em relação à série histórica de 1986-2015. Desde 1950, não se observava uma sequência similar de estabilidade nas temperaturas observadas.
No último mês de fevereiro, as temperaturas da superfície da região central e oriental do Pacífico estavam em torno de 0,5 °C. Esta temperatura seria o limite para a formação de um El Niño, caso a atmosfera respondesse a esse processo oceânico. Não foi isso o que ocorreu.
Apesar de a temperatura superficial do Pacífico equatorial ter ficado mais quente que o normal, a atmosfera tropical não respondeu, afastando a configuração de um El Niño, durante os meses de fevereiro e março.
>> Leia também: O que se sabe até agora sobre como o clima afeta o coronavírus?
Por não haver um acoplamento entre o oceano e a atmosfera, naquela região oceânica, os meteorologistas indicam que o fenômeno Enos continuará em condição de neutralidade, com chance de 70%, durante o inverno (junho a setembro). Provavelmente, a situação também permanecerá durante a primavera (setembro a dezembro).
Além das temperaturas do oceano Pacífico, a determinação do status do Enos também depende da circulação atmosférica, especialmente da localização das chuvas tropicais sobre o oceano Pacífico equatorial. Em fevereiro e março de 2020, as chuvas e nebulosidade naquela região ficaram em torno da média. Quando se forma um El Niño, as chuvas ali ficam acima da média, o que não ocorreu nos últimos meses.
A velocidade dos ventos naquela região também é outra variável observada para se definir a condição do Enos. Ventos mais fortes que a média também foram observados sobre o oceano Pacífico central e oriental, o que não é comum durante um El Nino.
>> Leia também - Fim do El Niño: 7 pontos para entender o clima até 2020
Dessa forma, de acordo com as projeções da NOAA, baseada em modelos meteorológicos, as condições neutras do Enos irá continuar, durante o segundo semestre.
Consultamos o meteorologista Humberto Barbosa, do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), para saber qual a previsão climática para as regiões brasileiras, durante os meses de maio a julho de 2020.
Nesse período, provavelmente, o Brasil enfrentará o pico da pandemia do novo coronavírus. Neste post anterior, explicamos a possível influência do clima no contágio da doença Covid-19.
De acordo com a previsão climática do Lapis, no próximo trimestre, haverá, em média, predomínio de dias mais quentes e chuvosos, no Centro-Sul do Brasil. Já no Norte e no Nordeste, o período será mais quente e seco.
Confira, a seguir, os mapas da previsão climática para o Brasil, no próximo trimestre. Do lado esquerdo, está o mapa das temperaturas. À direita, do padrão de chuvas. Na sequência, será feita a análise de como ficará o clima em cada região do País.
Norte – São esperadas chuvas ligeiramente abaixo da média histórica, em toda a região Norte. Já as temperaturas, ficarão acima da média. Haverá redução das chuvas, com irregularidades em sua distribuição, na porção norte da região.
Porém, linhas de instabilidade poderão ocasionar pancadas de chuvas e trovoadas, no noroeste do Amazonas. O Acre, Rondônia, Tocantins, sul do Amazonas e Pará estarão secos, até meados de agosto. No Amapá, litoral e norte do Pará, a partir de maio, terá início o período menos chuvoso.
Essas condições climáticas irão provocar o aumento dos incêndios florestais na Amazônia. Como a vegetação do bioma está cada vez mais fragmentada, em função do desmatamento, o período mais seco, este ano já começando em maio, poderá potencializar os focos de queimadas, concetrados geralmente em agosto e setembro.
A vegetação amazômica guarda uma memória de chuvas abaixo da média, que influencia no aumento dos incêndios florestais, como ocorreu no desastre ambiental do ano passado. Leia mais sobre o assunto, neste post.
Centro-Oeste – No próximo trimestre, predominará estiagem, em todo o Centro-Oeste, com baixos índices de umidade relativa do ar.
Estão previstas chuvas e temperaturas ligeiramente abaixo da média histórica, em toda a região. No próximo trimestre, haverá redução das chuvas e consequente aumento dos incêndios florestais. Ocorrerá geadas, no sul do Mato Grosso do Sul, por conta da incursão de massas de ar frio.
Sudeste – A previsão é de chuvas em torno da média, em boa parte da região, com exceção de áreas do interior do Rio de Janeiro, bem como do sul, área central e oeste de Minas Gerais. Estes locais irão receber menos chuvas que o normal.
As temperaturas ficarão em torno da média, na maior parte da região, e acima da média, nas áreas em amarelo do mapa. Durante o trimestre, massas de ar frio irão se tornar mais frequentes e intensas, favorecendo o declínio das temperaturas e a ocorrência de nevoeiros e geadas, principalmente nas regiões serranas.
Sul – São esperadas chuvas e temperaturas acima da média histórica, em toda a região. Durante o trimestre, o regime de chuvas será influenciado principalmente por sistemas frontais.
Devido à passagem rápida desses sistemas, associados às baixas pressões, podem ocorrer rajadas de ventos fortes, seguidas por ventos moderados. Há previsão de veranicos (4 a 7 dias), com temperaturas elevadas, ausência de chuvas e ventos muito fracos.
Nordeste – No trimestre, são esperadas chuvas de normal a um pouco acima da média histórica, no extremo norte do Maranhão, do Piauí, do Ceará, do Rio Grande do Norte e na costa leste da região. Nestes locais, as temperaturas também ficarão ligeiramente acima da média. Nas demais áreas do Nordeste, a previsão é de chuvas e temperaturas em torno da média.
Na costa leste do Nordeste, as chuvas irão continuar até meados de agosto, ocasionadas pelas "Ondas de Leste". Este fenômeno, quando associado a frentes frias, é responsável por pancadas de chuvas, às vezes intensas, no período de 24 horas, sobre o litoral da região, entre os estados de Natal e Salvador. Já no Semiárido brasileiro, os volumes de chuvas serão baixos nesse período, em função do final da quadra chuvosa.
O mapa acima mostra os desvios médios das temperaturas da superfície do mar, em relação à média histórica, observados esta semana, nas regiões dos oceanos Atlântico, Pacífico e demais áreas do globo.
As áreas oceânicas com águas superficiais mais aquecidas do que o normal são mostradas em cores que variam de amarelo a vermelho. Por outro lado, as áreas em azul indicam aquelas onde as águas superficiais estiveram mais frias do que a média histórica. Já as áreas em tons brancos mostram temperaturas das águas em torno da normalidade.
Barbosa explicou que, no decorrer do segundo semestre de 2020, há previsão de águas mais frias que o normal, na área central e leste do oceano Pacífico, com possibilidade de formação de uma La Niña, que ainda precisa ser confirmada, nos próximos meses. A soma das chances de neutralidade ou de ocorrer uma La Niña é superior a 80%.
Caso não se confirme o fenômeno La Niña, no último trimestre do ano, e o Pacífico permaneça em situação de neutralidade do El Niño, espera-se um padrão climático típico de outono no Brasil. Ou seja, haverá enfraquecimento das chuvas, em partes do Sudeste, Centro-Oeste e interior do Nordeste, bem como aumento do volume delas na região Sul.
O meteorologista também destacou como a formação de uma La Niña ou a manutenção das condições de neutralidade poderão favorecer a formação de chuvas sobre o Nordeste brasileiro, no próximo ano.
“O melhor cenário é se houver a formação de uma La Niña, pois o fenômeno beneficia as chuvas no Nordeste brasileiro. Na possibilidade de o Pacífico continuar em situação de neutralidade do El Niño, o clima na região será definido pelo oceano Atlântico. Neste caso, se o Atlântico Sul ficar com águas superficiais mais quentes, aumentará a possibilidade de chuvas na região”, explica Barbosa.
Ele também ressaltou que, historicamente, o El Niño é o cenário que limita muito a ocorrência de chuvas na região semiárida do Brasil. Esse fenômeno costuma provocar um dipolo desfavorável às chuvas no Nordeste, com aquecimento das águas do Atlântico Norte e resfriamento do Atlântico Sul.
Se o oceano Pacífico e a atmosfera continuarem mantendo distanciamento social e pouca interação, haverá expectativa de melhores chuvas para o Nordeste. Mas ainda há incertezas e muitas águas irão rolar até lá.
Por aqui, seguiremos em isolamento, mas estaremos compartilhando nossas telas com vocês remotamente. Para isso, esperamos que essa pandemia não interfira na obtenção de dados de monitoramento meteorológico, para que informações como essas possam ser atualizadas e cheguem até vocês.
Para o meteorologista Humberto Barbosa, a atual pandemia do Sars-Cov-2 trouxe um grande desafio ao monitoramento meteorológico mundial: o risco à manutenção das plataformas de observação, cujas condições de funcionamento precisam ser acompanhadas sistematicamente.
A necessidade de distanciamento social, essencial para conter a pandemia, coloca em xeque atividades científicas muito importantes, tais como: instalação de novos sensores, em boias oceanográficas; obtenção de dados atmosféricos, em estações automáticas; substituição de equipamentos na superfície oceânica e na atmosfera; coleta de dados em navios e, principalmente, em aviões, que permitem o registro de dados para previsões de curto e longo prazo. O declínio fulminante no tráfego aéreo global certamente também já afeta esses sistemas de coleta de dados.
Por outro lado, estamos diante de uma oportunidade inédita para o avanço da ciência: a de avaliar as condições climáticas e atmosféricas, em um dos raros momentos da era moderna, em que o mundo desacelera suas frenéticas atividades econômicas.
Curiosamente, os anos de 2019 e 2020 têm registrado recordes na elevação das temperaturas globais, com cerca de 0,9 oC acima da média, mesmo quando não estamos sob influência de El Niño. Esse fato pode ser decorrente dos impactos das mudanças climáticas, provocados pelo aumento de CO2 na atmosfera, com origem antropogênica.
>> Leia também: Mudanças climáticas podem trazer de volta megassecas históricas
Esperamos que essas questões possam ser estudadas, a partir da garantia da coleta de dados meteorológicos, mesmo diante de tantos desafios, nesse período de pandemia.
Conte para nós se você prefere estações com El Niño ou La Niña. Como esses fenômenos impactam o clima em sua região? Você acredita que o clima pode reduzir a velocidade de transmissão do novo coronavírus? Gostaria do seu comentário.
*Atualizado em 02.05.2020, às 08h25.
LETRAS AMBIENTAIS. [Título do artigo]. ISSN 2674-760X. Acessado em: [Data do acesso]. Disponível em: [Link do artigo].
Copyright © 2017-2024 Letras Ambientais | Todos os direitos reservados | Política de privacidade