Pesquisadores da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA), dos Estados Unidos, emitiram um aviso, na última quinta-feira, dia 10 de setembro, confirmando a presença do La Niña, no oceano Pacífico. Segundo a previsão, há cerca de 75% de chance de que essas condições continuem durante o verão. Como era esperado, o La Niña está presente e os seus efeitos já são sentidos no Brasil.
Um La Niña se forma quando a superfície do oceano Pacífico esfria, ficando abaixo da média de longo prazo, na costa do Equador, Peru e norte do Chile. Para a confirmação do La Niña, é preciso que as temperaturas fiquem abaixo de -0,5 oC, por pelo menos três meses consecutivos.
Desde o último mês de agosto, a atmosfera já responde ao resfriamento das águas do Pacífico tropical. Além da temperatura mais fria, das regiões central e leste do Oceano, observou-se, em setembro, que o padrão de circulação atmosférica tropical está consistente com o La Niña. A previsão é de que essas condições devem permanecer, pelo menos até abril de 2021.
Neste post, iremos analisar como o La Niña afetará o clima nas regiões brasileiras, nos próximos meses, e que impactos são esperados, para a produção de alimentos no País. O assunto interessa a todos, sobretudo nesse período de pandemia, no qual já enfrentamos problemas com a oferta e os preços de alimentos essenciais, como arroz, óleo de soja, feijão, cebola, tomate, leite, carnes e frutas.
>> Leia também: Um La Niña está em formação, para a primavera de 2020
Nos próximos meses, o La Niña influenciará as condições climáticas de todo o globo, com impactos diretos na produção de alimentos, elevando seus preços. Isto ocorre à medida que eventos climáticos extremos, como secas e inundações em potencial, irão trazer transtornos a um conjunto de produtos agrícolas importantes, do Sudeste Asiático à América do Sul.
Há uma tendência global de aumento nos preços dos produtos agrícolas. Muitos países tiveram suas cadeias de produção de alimentos afetadas pela pandemia ou por condições climáticas específicas. Os desequilíbrios na disponibilidade e nos preços dos alimentos poderão ser agravados, a partir de agora, com a chegada do La Niña.
Os preços dos alimentos estão pressionados, no Brasil, tanto pelo aumento da demanda interna, em função do auxílio emergencial, quanto pelo crescimento da procura de outros países, em um cenário de exportações estimuladas pelo dólar mais caro.
>> Leia também: O que se sabe até agora sobre como o clima afeta o coronavírus?
A expectativa para o último trimestre de 2020 e o primeiro trimestre de 2021 é preocupante, diante das muitas incertezas no mercado de commodities agrícolas. Vários fatores irão afetar a segurança alimentar da população brasileira, elevando os preços dos produtos. Como consequência, poderá haver aumento da fome e subnutrição, bem como da pobreza, afetando a população de baixa renda.
Dentre as causas que já pressionam a produção e disponibilidade de alimentos, estão: impactos climáticos do La Niña, em diferentes regiões agrícolas; problemas com abastecimento alimentar, em função da pandemia; instabilidade da moeda nacional e aumento da demanda do mercado externo, por produtos brasileiros. Como consequência, está a inflação, já observada, no preço dos alimentos.
Os efeitos do La Niña já são observados no clima das regiões brasileiras, sobretudo no Centro-Sul. O pico deve acontecer entre novembro deste ano e janeiro de 2021, com os maiores impactos sentidos no próximo verão.
Apesar de o La Niña deste ano ter duração curta, com intensidade variando de fraca a moderada, há uma expectativa falaciosa de que nem todas as consequências do fenômeno sejam sentidas.
Todavia, o meteorologista Humberto Barbosa, do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), ressalta que por causa da fase negativa da Oscilação Decadal do Pacífico (ODP), desde outubro de 2019, os impactos de um La Niña fraco podem ser amplificados.
A ODP é um fenômeno caraterizado pela alternância da temperatura das águas do Pacífico, em períodos que duram de 20 a 30 anos. Desde 1998, o mundo vivencia a fase negativa da ODP, ou seja, o período em que essas águas encontram-se mais frias.
A Oscilação Decadal não deve ser confundida com El Niño e La Niña, que embora mudem a temperatura do mesmo oceano, são fenômenos de menor duração (de alguns meses a pouco mais de 1 ano). O El Niño se caracteriza pelo aquecimento das águas do Pacífico tropical, enquanto o La Niña, como vimos, pelo seu resfriamento.
É por isso que, nas fases negativas da ODP (águas mais frias), como ocorre atualmente, os eventos de El Niño costumam ser mais brandos, enquanto os de La Niña, são mais intensos. Dessa forma, mesmo diante de um La Niña fraco ou moderado, seus impactos podem ser mais fortes do que o esperado.
Barbosa também destaca que, durante o verão, as condições climáticas, nas regiões brasileiras, também dependem da temperatura superficial do Atlântico. Este post detalha como ocorre essa influência.
Com base em informações de previsão climática obtidas junto ao Lapis, apresentamos, a seguir, como ficará o clima nas regiões brasileiras, na próxima primavera e verão.
A frequência e volume de chuvas, na primavera, são cruciais para o bom desempenho da produção de grãos, na primeira safra, no Brasil.
Enquanto os produtores de soja, dos Estados Unidos, podem escapar dos danos do La Niña, com as colheitas normalmente concluídas em novembro, a produção brasileira de grãos, no Centro-Sul, entra em alerta. Afinal, o fenômeno é marcado por tempo seco e chuvas irregulares.
Há maior risco à soja brasileira, se a estiagem e o calor enfraquecerem as condições para o plantio, que costuma ocorrer de agosto a dezembro.
Em geral, durante eventos de La Niña, as temperaturas costumam ser mais amenas. Para o Brasil, a tendência é de um final de primavera e início de verão com menos calor. Todavia, há muita variação. No Centro-Sul, os meses de setembro e outubro serão bastante quentes. No extremo Sul, também haverá temperaturas mais altas em novembro.
Durante a primavera, o La Niña vai atrasar a regularização da chuva, no estado do Paraná, bem como em boa parte das regiões Sudeste e Centro-Oeste. Nestes locais, a previsão é de um volume de chuva acumulado abaixo da média, afetando o plantio de alimentos, como soja, cana de açúcar e milho.
De uma forma geral, o Sul do Brasil enfrentará estiagem, na primavera e em parte do verão. No extremo Sul do Brasil, os impactos maiores do La Niña devem começar a partir de outubro. Os ventos interferem na velocidade das frentes frias, que irão passar mais rápido por aquela área, provocando menos chuva.
Em setembro, a chuva ainda será frequente, em grande parte do Rio Grande do Sul, reduzindo os impactos do La Niña, no cultivo do milho. Todavia, a partir de outubro e, principalmente, de novembro, a estiagem afetará o desenvolvimento da soja gaúcha, bem como do milho e soja da Argentina.
Desse modo, apesar da intensidade mais branda do atual La Niña, não se esperam menores impactos da estiagem no Sul, em relação à safra passada. Na última safra, a estiagem foi duradoura e abrangente, pois afetou toda aquela região, desde novembro de 2019. Para este ano, a previsão é que a estiagem se generalize na região logo em outubro.
Outro fato atípico do La Niña deste ano é a previsão de estiagem, para o Sudeste e Centro-Oeste, no verão de 2021, principalmente em fevereiro. Especialistas afirmam que, como o fenômeno não será muito duradouro e há previsão de aquecimento do Pacífico, já em meados do próximo ano, sua característica é comparável ao que ocorreu no biênio 2006-2007.
Todavia, o meteorologista Humberto Barbosa ressalta que uma das características da influência do La Niña, sob efeito da ODP, é provocar condições climáticas extremas. "Haverá muita variabilidade climática, principalmente em fins da primavera e início do verão. Em novembro, as regiões Sudeste e Centro-Oeste, principalmente as áreas costeiras, estarão sob atenção, em função de grandes volumes de chuva", chama atenção o especialista.
Em setembro e outubro, a chuva será abaixo da média, com ocorrência de frequentes veranicos (vários dias sem chuva), em Matopiba. A região é formada pela confluência de territórios dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
Considerada a nova fronteira agrícola nacional, Matopiba é especializada principalmente na produção de soja e milho, tendo papel importante também nas culturas de arroz e algodão.
A partir de novembro, haverá maior regularidade na frequência da chuva, em Matopiba. São esperados volumes acima da média, principalmente em Tocantins e na Bahia.
O La Niña pode favorecer a agricultura, nas regiões Norte e Nordeste, no próximo verão, também com possibilidade de chuva acima da média. As frentes frias, que costumam causar precipitação no Sul, acabam passando mais rápido sobre aquela região, alcançando, assim, o Norte e Nordeste.
Nos mapas abaixo, você pode conferir a previsão de chuva e temperatura para a sua região, em outubro e novembro de 2020. Ressaltamos que essa previsão, feita a partir de modelos climáticos, considera uma condição média, podendo haver picos de veranicos (muitos dias sem chuva) ou dias de chuva muito intensa.
No mês de outubro, a maioria das áreas do Brasil terá mais dias quentes do que com temperatura baixa. A chuva retorna, mas em função do La Niña, trará muito mais irregularidade e será de baixos volumes, sobretudo na área central do País. Lembrando que a chuva de início de primavera já é normalmente irregular e não beneficia igualmente uma grande região.
A chegada de mais frentes frias favorece principalmente os estados da Bahia, Sergipe e Alagoas, provocando áreas de instabilidade (chuvas), sobretudo no Litoral.
Outra preocupação dos impactos do La Niña é com os níveis dos reservatórios, principalmente do Sul do Brasil. A estiagem poderá afetar a produção de energia, oriunda das hidrelétricas, provocando aumento nos preços da conta de luz.
Com a estiagem no Brasil, também crescem os focos de queimadas, em áreas do Centro-Oeste, do Sudeste e da Amazônia.
O último evento significativo de La Niña ocorreu no período 2010-2011. Um La Niña fraco ou moderado costuma interferir na colheita, bem como na qualidade das safras, dos produtos agrícolas.
De acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), em fevereiro de 2011, os preços dos alimentos atingiram recorde, com um aumento de 37%, em relação ao final de 2009.
O gráfico abaixo mostra a inflação acumulada, em 12 meses, em alimentação e bebidas, nos anos com El Niño (2004 e 2009), quando ocorreram as principais quedas nos preços dos alimentos. Podemos ver que a curva de 2020 se assemelha à de 2009.
Observe no gráfico que, o fim do El Niño, no início do 2º semestre de 2019, já contribuiu para reduzir significativamente a inflação, no final do ano passado, aliviando também o impacto nos preços no primeiro semestre de 2020.
A relação direta entre o La Niña e a inflação nos preços dos alimentos já é algo comum, sempre que ocorre esse evento climático. A incerteza, em relação aos números da inflação dos alimentos, para o último trimestre de 2020 e o primeiro trimestre de 2021, ainda é bastante considerável.
O La Niña perturba a produção de uma ampla gama de produtos agrícolas, como soja, milho, açúcar, café, trigo e algodão. A agência Bloomberg fez um levantamento dos possíveis impactos do fenômeno climático sobre a produção de alimentos, em diferentes países.
Em relação à soja, cerca de 80% da produção está concentrada nos Estados Unidos, Brasil e Argentina. Na temporada 2011-2012, a produção de soja do Brasil caiu 12%. Safras menores podem elevar os preços do produto.
O café é cultivado principalmente no Brasil, que será atingido pela estiagem, durante o atual La Niña. No período de 2010 a 2012, quando houve o último grande La Niña, os preços do produto subiram até 127%.
O La Niña também deve afetar a produção de trigo, na Argentina, em 2020. O país vizinho é um dos maiores exportadores mundiais do produto e principal fornecedor do Brasil. No oeste da Argentina, já há registro de estiagem. Há risco de o fenômeno também provocar dificuldades para o plantio de soja e milho, naquela região agrícola.
A produção de açúcar na Austrália, Brasil e Tailândia também pode ser impactada. O La Niña normalmente afeta uma ampla gama de commodities agrícolas, por provocar excesso de chuva na Austrália e no sudeste da Ásia, com potencial de inundações. No norte da Austrália, chuvas fortes podem atrasar a colheita.
O La Niña pode provocar impacto negativo também na produção de algodão. As condições mais secas do que o normal, no Sul e Centro-Oeste do Brasil, bem como no norte da Argentina, podem ter um impacto negativo nas plantações.
O La Niña reduzirá o volume e a qualidade dos alimentos no Brasil, justamente por reduzir as chuvas em regiões e períodos decisivos para o plantio. Associadas a atual condição climática, que afeta todo o mundo, estão as incertezas no controle da pandemia, em um mercado de produção de alimentos, globalmente desestabilizado, pelos dois fenômenos excepcionais.
Há quem diga que a inflação dos produtos agrícolas será transitória e que, em breve, os preços dos alimentos voltarão ao normal. No entanto, para a primavera e verão, no Brasil, recomenda-se cautela, pois o cenário será desafiador.
O La Niña afetará não apenas a produção de alimentos essenciais no Brasil, mas também produtos agrícolas importados, que fazem parte da mesa dos brasileiros. Questões cambiais, como o aumento do dólar e as demandas externas por commodities agrícolas, sem regulamentação das exportações, completam o cenário preocupante.
Vale lembrar que o La Niña também reduz o volume dos reservatórios e impacta na produção de energia elétrica. Além disso, provoca aumento das queimadas, nos biomas brasileiros, como na Amazônia, o que não é interessante para o agronegócio brasileiro.
Seja um colaborador. Quando você faz uma doação de qualquer valor, sua contribuição se transforma em difusão de conhecimentos científicos relevantes, em benefício da sociedade brasileira.
*Post atualizado em: 22.09.2020, às 10h36.
LETRAS AMBIENTAIS. [Título do artigo]. ISSN 2674-760X. Acessado em: [Data do acesso]. Disponível em: [Link do artigo].
Copyright © 2017-2024 Letras Ambientais | Todos os direitos reservados | Política de privacidade