A pré-estação chuvosa começou mais cedo no Nordeste? Entenda



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A pré-estação chuvosa no Nordeste brasileiro normalmente só começa em dezembro, estendendo-se até o mês de janeiro. Mas essas chuvas foram antecipadas na porção norte da região. As chuvas fortes que estão ocorrendo nesta reta final de novembro, já podem ser consideradas da pré-estação.

A população do Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Ceará e Piauí foi surpreendida com chuvas fortes, desde ontem, dia 27 de novembro. Alguns municípios da Região Metropolitana de Natal e do Agreste Potiguar registraram eventos extremos de chuva, alcançando a marca histórica de 300 milímetros em 24 horas. 

Apesar da influência do El Niño e do aquecimento anormal das águas do Atlântico Norte, por que está chovendo forte na porção norte do Nordeste brasileiro? É o que vamos explicar neste post.

Recentemente, divulgamos aqui que a atual situação de aquecimento dos oceanos, a exemplo do El Niño de intensidade forte no Pacífico, tem antecipado características climáticas do verão.

Em anos de El Niño, os eventos climáticos extremos se tornam mais frequentes. Em geral, são chuvas intensas na região Sul, secas na Amazônia e no Nordeste brasileiro. Mas a atual condição de aquecimento do Planeta em 1,2 oC acima do normal tem piorado a situação, trazendo maior instabilidade para o clima.

Conversamos com o meteorologista Humberto Barbosa, fundador e coordenador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), para entender as causas das chuvas fortes que estão ocrrendo na região, neste final de novembro. Ele chama atenção que as atuais chuvas fortes em algumas localidades do Rio Grande do Norte e Paraíba podem ser consideradas eventos extremos.

“Essas precipitações são provocadas pela convergência de um conjunto de condições atmosféricas locais, como perturbações trazidas da África por ventos alísios de sudeste. Esses sistemas provocaram áreas de instabilidade e geraram chuvas intensas no Nordeste”, explica Humberto.

A seguir, vamos explicar as condições que estão favorecendo a formação de chuvas na região.

>> Leia também: El Niño antecipa condições climáticas do verão

Vórtice ciclônico e condições locais trazem extremos de chuva para o Nordeste

Imagem do satélite METEOSAT

Na imagem do satélite Meteosat-11, da madrugada do dia 28 de novembro, às 3 horas da manhã, observam-se aglomerados de nuvens do tipo cumulonimbos, sobre o leste do Nordeste brasileiro. São nuvens caracterizadas por uma grande extensão vertical, diretamente associadas à ocorrência de chuvas.

As perturbações de leste próximas da costa da África são deslocadas pelo escoamento dos ventos alísios vindos do sudeste. Esses ventos alísios tiveram origem no centro de alta pressão subtropical do Atlântico Sul.

É possível identificar, na imagem do Meteosat acima, aglomerados de nuvens com desenvolvimento vertical, associadas à formação de chuva, na área que compreende desde o Rio Grande do Norte até o norte de Pernambuco, além do Ceará e Piauí. 

O posicionamento do sistema de alta pressão do Atlântico Sul é favorável à ocorrência desses aglomerados de nuvens. Na imagem de satélite, as nuvens apareceram com topos mais brancos, o que caracteriza topos mais frios, com a temperatura próximo de -73 °C. Quanto mais frio o topo, mais desenvolvida verticalmente é a nuvem, sendo maior sua capacidade de produzir chuva.

Humberto explica que alguns sistemas atmosféricos se formam de forma independente da influência da temperatura dos oceanos, provocando áreas de instabilidade e gerando chuvas. Na imagem do satélite Meteosat, já é possível identificar a formação de um Vórtice Ciclônico de Altos Níveis (VCAN). "Esse VCAN ocorre a partir de perturbações na alta atmosfera, atuando de forma independente da atual influência dominante do El Niño", detalha o meteorologista.

“É um sistema de alta pressão, muito comum na pré-estação chuvosa, mas que este ano surgiu de forma antecipada. A borda do VCAN gera chuvas para a região, provocando eventos extremos em alguns locais. Mas há outra configuração que está ajudando, como os ventos vindos de sudeste, trazendo umidade dos sistemas que atuam na região subtropical”, completa Humberto.

Imagem do satélite GOES_QGIS

O VCAN é um sistema de pressão em médios e altos níveis da troposfera, caracterizado pela circulação dos ventos no sentido horário, em torno do seu centro seco, com presença de nebulosidade e precipitação em suas bordas. Saiba mais neste post

A imagem de satélite também mostra nuvens com desenvolvimento vertical entre o Paraguai, Argentina e oeste da região Sul. Essas nuvens estão associadas a um sistema de baixa pressão e a Jato de Baixos Níveis (JBN), que traz umidade da Amazônia, e ao Jato Subtropical (ventos fortes em altos níveis da atmosfera).

>> Leia também: Laboratório alerta para comportamento atípico do El Niño nas últimas semanas

Chuvas previstas para os próximos dias

Observe na animação de imagens do satélite GOES-16, do dia 28 de novembro, no canal infravermelho, a atuação do VCAN.

As chuvas previstas para o norte do Nordeste, nos próximos dias, ocorrem em razão dessas condições. A temperatura de superfície do Atlântico Sul mais quente que o normal intensifica essas perturbações atmosféricas. Quanto maior o aquecimento, maior a evaporação sobre esse Oceano.

Nessa condição, o calor latente fornecido pela superfície do Atlântico permite maior desenvolvimento das perturbações. As elevadas temperaturas do Atlântico Sul, desde a costa do Nordeste brasileiro até a África, favoreceram a formação de nuvens convectivas, do tipo cumulonimbus, e as fortes chuvas a elas associadas.

Chuvas El Niño no Nordeste_QGIS

As imagens apresentam as perturbações provenientes da África, em seu estágio de desenvolvimento máximo, próximo à Costa brasileira. É notável a diferença na concentração de aglomerados de nuvens convectivas, no período de apenas seis horas.  

Quando as perturbações atingiram a Costa do Nordeste, ficaram estacionadas pelo intervalo de seis horas no litoral, recebendo calor latente. Esse capor decorre da evaporação do Atlântico e dos movimentos verticais ascendentes fortes.

Esse vapor impediu que as perturbações se dissipassem, em forma de precipitação, antes de chegarem à Costa do Nordeste. Por consequência, quando atingiram seu estágio de desenvolvimento máximo, adentraram sobre o continente e começaram a se dissipar, na forma chuvas intensas.

Dezembro começa com mais chuvas no Nordeste por Vórtice ciclônico

A imagem do satélite GOES permite observar a presença de um Vórtice Ciclônico de Altos Níveis (VCAN) sobre o oceano Atlântico, próximo à costa do Nordeste brasileiro, no dia 30 de novembro. A imagem de vapor d'água apresenta a distribuição da umidade ao redor do VCAN, nos níveis médios e altos da atmosfera.

O VCAN vai ganhar força sobre o Nordeste e suas bordas vão induzir a formação de chuvas na porção norte da região. Há previsão de chuva para o início de dezembro, principalmente nos dias 3 e 4 de dezembro (domingo e segunda-feira). Até lá, o tempo ficará mais abafado, em razão do aumento da umidade.

O VCAN se desloca lentamente do oceano para o continente e vice-versa. Com isso, aumenta a nebulosidade e instabilidades ocorrem nos setores leste e nordeste do vórtice, favorecendo as chuvas. 

O Jato Subtropical do Atlântico Norte (ventos em altos níveis) está mais intenso, forçando sistemas sinóticos próximos ao Nordeste, como a Zona de Convergência Intertropical (ZCIT). Em condições normais, a ZCIT estaria mais afastada das regiões Norte e Nodeste do Brasil, tendendo mais ao Hemisfério Norte.

A Alta da Bolívia também favorece esse fluxo de umidade. Além disso, na área central da África, há muitas áreas de instabilidade, favorecidas pelo aquecimento anormal do oceano Índico. Essa condição tem contribuído para que ventos de leste tragam perturbações da África e favoreçam com mais umidade na costa do Nordeste.

Neste post, explicamos quais são os 5 principais fenômenos que induzem chuvas no Nordeste, durante o verão.

Imagem de satélite mostra atual posição da ZCIT

Imagem do satélite meteosat-11

A imagem do satélite Meteosat, do dia 29 de novembro, mostra áreas de instabilidade (maior nebulosidade), em direção à costa norte do Nordeste brasileiro, nas últimas 12 horas. Essa condição pode estar associada à ZCIT

A ZCIT é o principal sistema meteorológico formador de chuvas para o Nordeste brasileiro, durante o verão, responsável pela maior parte da chuva anual na região. É uma grande zona de instabilidade, que oscila para norte e sul, dependendo da época do ano, sempre perto da faixa equatorial do Globo terrestre. 

Como você pode observar, na imagem acima, embora neste mês de novembro a ZCIT esteja deslocada mais para o Hemisfério Norte, ela ficou levemente inclinada, nas últimas 24 horas.

>> Leia também: Pesquisa identifica pela primeira vez regiões áridas no Nordeste brasileiro

Fase seca da MJO reduz influência do VCAN

A fase seca da Oscilação Madden-Julian (MJO) já atinge toda a América do Sul, com destaque para a porção norte e leste do Nordeste brasileiro, além da Amazônia brasileira e da região Sul. Recentemente, a fase úmida do fenômeno passou pelo Brasil e intensificou as chuvas na região Sul.

Mas nos últimos dois dias, a fase seca da MJO não tem favorecido outros sistemas geradores de chuvas nessas regiões. É o caso do VCAN, que continua sobre o interior do Nordeste. Esse sistema ainda não está atuando com todo o seu potencial, pois a fase seca da MJO tem reduzido sua influência.

O sistema de baixa pressão no centro-sul do País e outros causadores de chuvas intensas, nesta época, também estão perdendo intensidade, em razão da passagem da fase seca da MJO. Mas a passagem da MJO é rápida, com duração de apenas alguns dias. Há possibilidade de que a próxima fase do fenômeno seja neutra ou úmida, favorecendo esses sistemas que trazem chuva.

A OMJ é uma onda de nuvens profundas, movendo-se para o leste, acompanhada de perturbações de tempestades, chuva, ventos e anomalias de pressão.

Esse sistema meteorológico tem papel importante nos sistemas de tempo que atuam na América do Sul, visto que impacta extremos de chuva nas regiões Sul e Sudeste do Brasil. Nesse contexto, destacam-se os ciclones extratropical e subtropical, que atuam no Atlântico Sul, mas que podem ser intensificados pela MJO, em sua fase úmida.

Imagem do satélite GOES - vapor d'água

A imagem do satélite GOES-16, da madrugada do dia 06 de dezembro, mostra o afastamento do VCAN para o oeste, estando posicionado sobre o nordeste de Goiás. Uma massa de ar seco na costa leste, sobre o oceano Atlântico, limitou a atuação do VCAN no interior do Nordeste. 

Mesmo assim, a influência do VCAN, aliado ao ambiente mais úmido e relativamente aquecido, mantém o tempo favorável para chuvas fracas a moderadas, ao longo do dia, em municípios do litoral de Alagoas, Sergipe e Bahia. Em geral, na costa leste do Nordeste brasileiro, o calor diminui um pouco, mas a sensação de tempo abafado persiste, principalmente durante a tarde. 

Mais informações

O conteúdo deste post foi aprofundado no Livro "Um século de secas". Uma das análises mais completas sobre a região semiárida brasileira, a obra permite entender mais sobre El Niño, La Niña, influência climática do oceano Atlântico e a análise de cada seca ocorrida nos últimos cem anos. Para isso, foram usados produtos e séries temporais de dados de satélites. O destaque é para a maior seca do século, tendo afetado a região no período 2011-2017.  

COMO CITAR ESTE ARTIGO:

LETRAS AMBIENTAIS. [Título do artigo]. ISSN 2674-760X. Acessado em: [Data do acesso]. Disponível em: [Link do artigo].

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