A temporada de seca na Amazônia teve início, no último mês de junho, e deve durar, pelo menos, até setembro. A estação propicia as condições logísticas necessárias para o aumento do desmatamento e de queima da floresta. Esse é o período que mais interessa ao monitoramento das queimadas na região, quando costumam ser registrados picos de incêndios florestais.
Em 2020, não foi diferente. De acordo com dados de monitoramento por satélite, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), este foi o junho com mais incêndios florestais na Amazônia, em 13 anos. No total, foram identificados 2.248 focos de calor, somente durante o mês.
O número representa um aumento de quase 20%, em relação aos focos detectados no mesmo mês, em 2019. Foi um recorde histórico, superado apenas em junho de 2007, quando foram registrados 3.159 focos de incêndios florestais.
No ano passado, as queimadas na Amazônia culminaram em uma grave crise na política ambiental brasileira, com grande repercussão internacional. Imagens chocantes, da floresta amazônica em chamas, geraram fortes críticas na imprensa mundial, influenciando nas relações comerciais e diplomáticas do Brasil.
Após o aumento de 111%, no número de queimadas na Amazônia, somente em agosto de 2019, o governo federal tomou medidas emergenciais de controle, que reduziram os incêndios florestais.
De janeiro até o último dia 04 de julho de 2020, foram detectados 14.227 focos de queimadas, na Amazônia Legal. Do total de registros, estima-se que Mato Grosso concentrou quase metade dos incêndios florestais (49%). Em seguida, ficaram os estados do Mato Grosso do Sul (20%), Tocantins (16%), Roraima (12%) e Maranhão (10%).
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Depois das recorrentes pressões internacionais, em fevereiro deste ano, o governo transferiu o Conselho Nacional da Amazônia, do Ministério do Meio Ambiente (MMA), para a coordenação direta do vice-presidente da República, Hamilton Mourão. O órgão colegiado é uma operação militar, com objetivo de integrar ações federais, na região amazônica, e assumir o controle dos crimes ambientais na região.
Apesar da iniciativa, o recente aumento no número de queimadas, logo no início da estação seca, indica que, na prática, mais uma vez, configura-se um cenário de alastramento do fogo na floresta.
Pelo aumento dos focos de incêndios, em junho deste ano, quando comparados a 2019, é possível que a situação de queima da floresta seja similar, ou até mesmo pior, do que no ano passado.
O aumento das queimadas acompanha uma tendência crescente de desmatamento, no primeiro semestre de 2020, com níveis ainda maiores que 2019, já considerado excepcionalmente alto.
De acordo com o Inpe, houve crescimento, em cerca de 12%, do desmatamento acumulado na região, de janeiro a junho deste ano, em relação ao mesmo período do ano passado. No total, foram pelo menos 2.465 km² de floresta derrubada, no primeiro semestre. Os dados parciais são do Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (Deter).
O programa de monitoramento do desmatamento tem o intuito inicial de alertar sobre mudanças na cobertura vegetal da Amazônia, apoiando ações de fiscalização, para coibir crimes ambientais na região.
No primeiro semestre de 2020, as maiores taxas de desmatamento, na Amazônia, ocorreram nos três primeiros meses. Foram 796 km² de floresta devastada, apenas no trimestre, um aumento de 51%, em relação ao mesmo período de 2019, e um recorde em cinco anos.
O pico de devastação da floresta, em 2020, registrado até agora, ocorreu mesmo durante o “inverno amazônico”, que ocorre de dezembro a maio, em estados do Norte. Os índices cresceram, mesmo com chuvas fortes, que dificultam a propagação de incêndios e a própria operação de desmate.
Os dados não incluem o período de seca. Em razão da condição de neutralidade do El Niño, no primeiro semestre, e do aumento da temperatura do Atlântico, houve uma tendência a secas no sudoeste da Amazônia, principalmente no estado do Acre e regiões adjacentes.
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De acordo com dados do Programa de Cálculo do Desflorestamento da Amazônia (Prodes), também do Inpe, entre agosto de 2018 e julho de 2019, a área desmatada, na Amazônia, foi de 10.129 km². Houve um aumento de quase 35% da área desmatada, em relação ao ciclo anterior, que registrou 7.536 km² de devastação.
As informações atualizadas, para agosto de 2019 a julho de 2020, ainda estão em processamento. O levantamento de dados ocorre nesse período, em função de compreender os momentos mais cruciais no “ciclo do desmatamento” e permitir identificar eventuais influências do clima.
Historicamente, agosto e setembro concentram os maiores registros de queimadas, na Amazônia. A preocupação dos especialistas é que haja uma nova escalada do fogo, nos próximos meses de seca. Pesquisadores identificaram uma grande extensão de floresta derrubada, na Amazônia, no primeiro semestre, que aguarda pela queima, nefasta garantia de “limpeza” da área.
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A explosão do desmatamento e das queimadas, na Amazônia, ocorre em meio a uma crise social, econômica e sanitária no Brasil. O aumento das queimadas pode provocar, além dos prejuízos econômicos e ambientais já previstos, mais problemas graves de saúde, em plena pandemia do novo coronavírus.
Especialistas alertam que a circulação de fumaça aumenta a poluição do ar e a incidência de doenças respiratórias, sobretudo na Amazônia. Com isso, há risco de sobrecarregar ainda mais os sistemas de saúde pública.
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Alguns estados do Norte, como Amazonas, Pará e Amapá, estão entre os mais afetados pela Covid-19, com imagens fortes que circularam pela imprensa mundial. A estrutura de atendimento em saúde, nesses locais, já opera no limite, diante da atual emergência em saúde pública.
A intervenção incisiva do governo para inibir crimes ambientais na Amazônia é urgente. A sobreposição de demandas por tratamento da Covid-19, de doenças decorrentes por queimadas, além de outras endemias, pode levar ao colapso os sistemas de saúde da Amazônia.
No final de junho, representantes de 29 grandes fundos internacionais de investimento, que administram cerca de R$ 20 trilhões, em ativos no Brasil, enviaram carta a autoridades. Eles querem que o Brasil desista de ações que aumenta o desmatamento e viola direitos de comunidades indígenas, na Amazônia.
Os gestores disseram que o fracasso do governo brasileiro, em proteger as florestas, pode obrigá-los a reconsiderar seus investimentos.
Os grandes fundos institucionais não pretendem tolerar condutas que atentam contra os chamados padrões ambientais, sociais e de governança (ESG).
No âmbito internacional, a proteção à Amazônia e aos povos indígenas se tornaram cruciais aos negócios. O mercado nacional e estrangeiro tem pressionado o governo brasileiro contra o aumento do desmatamento na Amazônia. Os padrões internacionais de ESG, foram propostos, pela primeira vez, em 2004, no Pacto Global da Organização das Nações Unidos (ONU).
Recentemente, essas diretrizes se tornaram fundamentais à avaliação da sustentabilidade das empresas, por parte de investidores e analistas. Há um consenso, no mercado, de que empresas que administram proativamente as questões ESG, estão em melhor posição do que suas concorrentes, para gerar resultados de longo prazo.
Diante dos números do desmatamento e das queimadas, o mercado brasileiro também reagiu à devastação ambiental na Amazônia, pela simples razão de afetar nos seus negócios. Esta semana, foi a vez de 38 executivos de empresas brasileiras e estrangeiras cobrarem ao vice-presidente Hamilton Mourão, ações concretas de combate ao desmatamento no País. Entidades setoriais dp agronegócio, do mercado financeiro e da indústria também assinaram o documento.
Depois do alerta, o governo brasileiro prepara uma campanha internacional de marketing, para “desfazer opiniões distorcidas” sobre a política ambiental do País. Enquanto isso, investidores estrangeiros têm muita clareza nos números e no avanço de legislação que busca “deixar a boiada passar”, durante a pandemia do novo coronavírus.
Os dados de monitoramento, do último mês de junho, apontaram para uma nova escalada do desmatamento e das queimadas, na Amazônia, este ano. Enquanto o Brasil afirma que a imagem negativa da Amazônia, no exterior, é perseguição dos concorrentes da geopolítica do agronegócio, o mercado avalia dados, resultados e desempenho ESG.
Quanto a isso, não é só dizer que o Brasil não destrói a Amazônia para produzir alimentos, é atender aos seguintes critérios, para atrair capital internacional:
✅ 1) Ambientais: emissões de gases de efeito estufa (GEE), perda de biodiversidade, poluição e contaminação, exposição à regulação do carbono, energia renovável;
✅ 2) Sociais: práticas de trabalho, deslocamento de comunidades, direitos humanos, saúde e segurança, inclusão financeira;
✅ 3) Governança: corrupção e suborno, reputação, eficácia da gestão.
A elevação da taxa de desmatamento e a consequente escalada das queimadas, na floresta amazônica e em outros biomas, é um problema para a cooperação internacional, bem como para possíveis boicotes às cadeias de fornecimento e exportação brasileiras.
Chegou a hora do seu comentário. Você acha que a imagem da política ambiental do Brasil no exterior está distorcida? Que consequências o País pode enfrentar por não levar a sério padrões socioambientais internacionais? Mesmo com a disponibilidade de dados científicos, por que o Brasil não conseguiu se adaptar às políticas de sustentabilidade?
*Atualizado em: 09.07.2020, às 17h39.
LETRAS AMBIENTAIS. [Título do artigo]. ISSN 2674-760X. Acessado em: [Data do acesso]. Disponível em: [Link do artigo].
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