Neste post, analisamos a atual situação do fenômeno El Niño Oscilação Sul (ENOS) e sua influência no clima brasileiro, ao longo de 2024. As informações foram obtidas junto ao Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis).
Em uma recente atualização deste post, mostramos que a chegada do La Niña atrasou. Inicialmente, o fenômeno estava previsto para começar em agosto deste ano, mas o cenário climático mudou. De acordo com a previsão do Laboratório Lapis, o La Niña pode não vir este ano. Para acompanhar as atualizações, clique neste post.
De acordo com a Administração Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (NOAA), o evento de El Niño entrou em colapso no último mês de junho. Desde então, o fenômeno deu lugar a uma situação de neutralidade. Ou seja: a alguns meses de transição (sem El Niño e sem La Niña), no Pacífico equatorial.
O Boletim do monitoramento da NOAA, do último dia 08 de agosto, indicou chance de 65% de ter La Niña nesta primavera do Hemisfério Sul, com expectativa de início entre setembro e novembro. Também há chance de 74% de persistir durante o verão de 2024-2025. O La Niña é um fenômeno climático que ocorre quando há o resfriamento das águas superficiais do oceano Pacífico.
As projeções atualizadas indicam que o Pacífico deve permanecer em condição de neutralidade até o final do ano. Mesmo que o La Niña se forme no Pacífico, não será forte o suficiente para influenciar no clima. Saiba mais neste post.
É importante lembrar que o El Niño é um fenômeno oceânico-atmosférico. Por isso, sua influência sempre depende da resposta da atmosfera.
Embora as temperaturas do Pacífico equatorial já comecem a resfriar de forma contínua, o impacto atmosférico do El Niño ainda deve influenciar no clima até a primavera (setembro-dezembro). Isso significa que a influência do El Niño na temperatura global e na precipitação ainda pode prolongar-se até os últimos meses de 2024.
De acordo com o meteorologista Humberto Barbosa, fundador do Laboratório Lapis, apesar do rápido colapso do El Niño no oceano Pacífico, a atmosfera ainda deve levar algum tempo para se ajustar e responder à nova condição das temperaturas do Pacífico equatorial.
“Pelo menos até o mês de junho, os dados mostram um forte sinal de El Niño persistente na atmosfera, mantendo sua atua influência no clima brasileiro”, explica o meteorologista.
Em janeiro deste ano, as temperaturas da superfície permaneceram acima da média, na maior parte do Pacífico, indicando continuidade do El Niño.
Mas de acordo com a NOAA, já houve uma queda nas temperaturas médias da superfície do Pacífico oriental e central, em relação a dezembro de 2023. Enquanto em janeiro o aquecimento anormal dessas áreas oceânicas ficou em 1,8 oC, em dezembro de 2023, estavam 2 oC acima da média.
A animação acima, produzida a partir de dados de subsuperfície da NOAA, mostra as anomalias da temperatura do oceano Pacífico, nos últimos dois meses (dezembro de 2023 e janeiro deste ano). Uma anomalia de temperatura oceânica significa que as águas superficiais estão mais quentes ou mais frias do que o normal, em relação à média histórica.
É possível perceber, na animação, o rápido colapso da piscina quente abaixo da superfície. As águas oceânicas mais frias do que a média já se espalham em profundidade e se expandem para o leste, mesmo enquanto a superfície no Pacífico continua mais quente que o normal.
A NOAA já considera condições favoráveis para a volta do La Niña, nos próximos seis meses, em razão de alguns sinais observados. No último mês de janeiro, o El Niño também ficou atmosfericamente mais fraco, pois os ventos alísios estiveram mais próximos da média, em todo o Pacífico equatorial.
Outro sinal de que o El Niño já ultrapassou o seu pico pode ser visto a partir da observação das temperaturas abaixo da superfície do oceano. Embora próximo da superfície as anomalias continuem quentes, como uma última resistência do El Niño, em apenas 100 metros abaixo da superfície, as temperaturas já voltaram à média, depois de quase um ano.
Além disso, já há uma forte piscina fria abaixo da superfície do Pacífico, principal pré-condição para um colapso breve do El Niño. Com a ajuda dos ventos alísios e das correntes oceânicas, essas anomalias subterrâneas mais frias se movem de oeste para leste, chegando eventualmente à superfície do Pacífico oriental.
Esses primeiros indícios mostram que uma fase fria do ENOS (La Niña) pode surgir rapidamente, no segundo semestre deste ano. Com isso, o La Niña pode desempenhar papel importante na condição climática do verão 2024-2025.
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A imagem do satélite Meteosat-10 ilustra a persistente massa de ar quente e seco sobre a América do Sul, no último mês de janeiro e em parte de fevereiro. O Nordeste brasileiro foi a região do Brasil mais impactada com secas-relâmpago (secas rápidas, acompanhadas de altas temperaturas, que costumam durar um curto período – de uma semana a um mês). Iremos falar mais sobre esse assunto no próximo tópico.
Essa situação se deve sobretudo a uma resposta típica da atmosfera ao El Niño. O ENOS impacta fortemente nos padrões de precipitação e pressão tropicais, afetando na interação oceano-atmosfera, com influência no clima global.
A imagem abaixo ilustra a circulação típica durante um evento de El Niño, a partir do acoplamento oceano-atmosfera.
Observe que a elevação do ar sobre o Pacífico central e oriental causa mais tempestades e precipitação, reduzindo a pressão sobre a região. Você pode observar esse movimento atmosférico a partir do mapa da anomalia do potencial de velocidade dos ventos, no topo da atmosfera (200 hPa). O mapa permite observar onde a atmosfera sobe e desce, sendo uma forma de acompanhar a influência do El Niño nas chuvas e temperaturas.
O mapa abaixo, fornecido pelo Laboratório Lapis, com dados do período de meados de janeiro a meados de fevereiro, destaca a atual resposta da atmosfera ao El Niño.
A imagem mostra que persistiu um forte movimento ascendente (formação de nuvens e presença de chuvas) na área central do Pacífico equatorial, em particular na costa oeste da América do Sul. Essa condição impediu a formação de nuvens e inibiu as chuvas no continente. Esse é o padrão típico de El Niño, influenciando na atmosfera.
A análise atualizada do Sistema Global de Assimilação de Dados (GDAS) mostra predomínio de movimento de ar ascendente, durante o período. Você pode ver, no mapa acima, uma forte anomalia positiva marcada na área central do Pacífico.
Essa anomalia de movimento pode ser vista nas cores azul (ar ascendente) e marrom (ar descendente). As áreas azuis indicam movimentos para cima e pressões mais baixas, conforme indicado nas regiões ENOS, no Pacífico. Dessa forma, podemos perceber a influência ativa do El Niño no movimento atmosférico, o que também se traduz em impactos climáticos do El Niño.
A anomalia da velocidade dos ventos apoia a condição de maior aquecimento nas regiões do ENOS, empurrando águas mais quentes para o leste.
O gráfico acima destaca os dados de anomalias da região ENOS, para o período de 2022 a 2024. Observe o rápido aumento da temperatura dos oceanos no ano passado, quando a região estava saindo de uma fase fria ativa. A caixa vermelha mostra os valores mais recentes para a região ENOS em janeiro, mostrando que o El Niño já atingiu o seu pico.
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No Brasil, essa condição típica de ENOS explica a persistência de uma massa de ar quente e seco sobre o Nordeste, no último mês de janeiro. Essa situação climática ainda persistiu por algumas semanas de fevereiro, afetando também outras regiões brasileiras, como explicamos neste post.
De acordo com Humberto Barbosa, que monitora a situação de secas-relâmpago no Nordeste brasileiro, a combinação de massa de ar seco e ventos desfavoráveis, típicas do El Niño, levaram à redução das chuvas em algumas regiões.
“Durante todo o mês de janeiro e parte de fevereiro, predominou uma massa de ar quente e seco sobre a porção norte do Nordeste brasileiro, com ondas de calor e ausência de chuvas por várias semanas consecutivas, caracterizando uma condição dramática de seca-relâmpago”, explica o meteorologista.
O Ceará foi um dos estados do Nordeste mais afetados. Um balanço recentemente divulgado pela Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) mostra que sua pré-estação chuvosa (meses de dezembro e janeiro), teve 25% de redução das chuvas, em relação à média histórica.
“O Nordeste é a região brasileira mais impactada pelo El Niño. E apesar de o evento já está em declínio, a região vai continuar a sofrer sua influência, sobretudo com secas-relâmpago. Na América do Sul, as secas-relâmpago costumam durar em média 30 dias. Elas são caracterizadas pela redução das chuvas e por altas temperaturas, durante em um curto período”, destaca Humberto.
Desde o início do El Niño, em junho de 2023, chamamos atenção para uma massa de ar seco muito forte sobre o Brasil. Essa condição foi potencializada com mais força na Amazônia brasileira, até o mês de novembro.
Neste post, destacamos como a combinação entre El Niño e Planeta mais aquecido poderia trazer uma seca incomum a Amazônia brasileira (o que acabou se confirmando). No segundo semestre do ano passado, a Amazônia brasileira enfrentou uma seca extrema.
Neste início de ano, o Nordeste foi a região do Brasil mais impactada pelo El Niño, principalmente no mês de janeiro, período da sua pré-estação chuvosa. O mapa acima mostra a previsão da média de chuva esperada para o mês de fevereiro, obtida junto ao Laboratório Lapis, com dados do modelo climático ECMWF.
O mês de fevereiro começou com chuvas abaixo da média na porção norte do Nordeste brasileiro, em razão da massa de ar quente e seco, que persistiu por várias semanas. Todavia, recentemente, as chuvas voltaram a essa área, provavelmente mais como uma influência da memória do Atlântico Sul mais aquecido, ainda presente na atmosfera. Vamos falar sobre a influência do Atlântico no final deste post.
O mapa acima destaca a intensidade da seca na porção norte do Nordeste, no final de janeiro, com destaque para a seca extrema no Ceará. A cidade de Fortaleza (CE), por exemplo, enfrentou um temporal de cerca de 215 mm de chuva, em 24 horas, entre os dias 10 e 11 de fevereiro.
Grande parte dos municípios do Ceará também receberam chuvas volumosas. Até então, moradores do estado reclamavam da redução das chuvas na pré-estação.
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A influência do El Niño tende a se reduzir a partir de junho deste ano. O gráfico acima mostra a previsão de longo prazo para a principal região do ENOS. Você pode ver o contorno sazonal das fases esperadas, mostrando claramente a atual quebra da fase quente e o surgimento de potencial fase fria, no segundo semestre de 2024.
Olhando para a previsão oceânica de julho a setembro de 2024, você pode ver uma área de anomalias oceânicas frias se expandindo por todo o Pacífico tropical. Segundo o Laboratório Lapis, um evento dessa intensidade é forte o suficiente para ter uma resposta atmosférica profunda, no verão 2024-2025.
Essa seria uma transição bastante rápida, mas tais ocorrências foram vistas muitas vezes no passado. Desde 1950, mais de metade dos eventos de El Niño foram seguidos por uma transição para um evento de La Niña, no mesmo ano.
A partir desta previsão, podemos ver que o evento de El Niño deverá desaparecer completamente de junho a agosto, sendo provável que a sua influência atmosférica também se reduza drasticamente a partir desse período.
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O mapa mostra uma mudança importante na anomalia de temperatura do oceano Pacífico tropical, nos últimos meses de janeiro e fevereiro. Embora o El Niño ainda esteja ativo, as anomalias de temperaturas frias já começam a aparecer. A anomalia se refere ao desvio da temperatura atual em relação à média histórica.
Você pode observar o resfriamento em curso em toda a região do ENOS. No leste do Pacífico, houve queda de temperatura de 2 a 3 °C. Outro processo de resfriamento mais forte (embora ainda invisível) ocorre abaixo da superfície do oceano.
A imagem abaixo mostra a anomalia de temperatura subterrânea no final de fevereiro, em comparação com o início de janeiro. Você pode ver uma tendência de resfriamento, com uma forte piscina fria subindo até a superfície.
Essa piscina fria está subindo à superfície, com um processo chamado de ressurgência. A ressurgência é ocorre quando fortes ventos de leste empurram as águas superficiais para o oeste, trazendo águas mais profundas e frias para substituí-las.
O gráfico abaixo mostra a anomalia de calor nas camadas superiores do oceano, na região do ENOS. Você pode ver uma anomalia forte e quente durante a fase El Niño. Mas uma nova onda de frio cresce com o processo de ressurgência, com temperaturas negativas em fevereiro.
Pelos dados observados, tudo indica que a atmosfera vai transitar em um ritmo relativamente rápido do El Niño para o La Niña. Espera-se que La Niña se desenvolva plenamente no período de junho-agosto, com seus primeiros impactos climáticos previstos para o período setembro-dezembro.
Até agora, falamos apenas sobre a situação das temperaturas do oceano Pacífico, em particular, a tendência do ENOS para os próximos meses. Mas em um cenário de El Niño ainda presente, as temperaturas do oceano Atlântico Sul são muito importantes para definir o clima nas regiões brasileiras.
Conforme explicamos neste post, de novembro do ano passado até o atual mês de fevereiro, o Dipolo do Atlântico se manteve neutro. Mas de acordo com a previsão atualizada do Laboratório Lapis, o Atlântico Norte tende a ficar mais aquecido, a partir de março (veja no gráfico acima).
O Dipolo do Atlântico é uma gangorra térmica próxima do Equador, entre as águas do Atlântico Norte e do Atlântico Sul. Essas temperaturas movimentam a Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), uma banda de nuvens carregadas que se deslocam para a região onde as águas oceânicas estiverem mais aquecidas.
Há três cenários que podem ocorrer: 1) Atlântico Norte mais quente que o Atlântico Sul; 2) Atlântico Sul mais quente que o Atlântico Norte; e 3) Situação de neutralidade, sem diferença relevante entre a temperatura das duas regiões oceânicas.
Quando o Atlântico Norte e o Atlântico Sul estão com temperaturas diferentes, forma-se um "dipolo". Para que aumentem as chances de um bom período de chuvas no Nordeste, é necessário que as águas do Atlântico Sul estejam mais quentes que o normal, o que favorece a descida da ZCIT.
Mas se houver um “dipolo positivo” no Atlântico, ou seja, o Atlântico Norte ficar mais quente do que o Atlântico Sul, é um cenário que provoca secas intensas no Nordeste.
A análise do Laboratório Lapis chama atenção de que embora o dipolo tenha se mantido em situação de neutralidade até agora, o Atlântico Norte pode ficar mais quente que o normal, a partir de março.
Observe a sequência de imagens abaixo, obtidas a partir do satélite Meteosat-10, para o período de 15 a 20 de dezembro de 2023 (à esquerda) e de 12 a 17 de janeiro de 2024 (à direita). Comparando os dois períodos, perceba a diferença no posicionamento da ZCIT.
O destaque é como a massa de ar quente e seco, provocada pelo El Niño, inibiu a presença da ZCIT, no atual mês de fevereiro, próximo ao Semiárido brasileiro. Uma banda de nuvens considerada o principal fenômeno que causa chuvas na região, a ZCIT atua principalmente durante a quadra chuvosa (fevereiro a maio).
LETRAS AMBIENTAIS. [Título do artigo]. ISSN 2674-760X. Acessado em: [Data do acesso]. Disponível em: [Link do artigo].
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