Entenda em 7 pontos o surgimento de áreas áridas no Brasil


Área desertificada nos Cariris paraibanos, a partir de imagem captada por drone.


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Nos últimos 30 anos, o Semiárido brasileiro tornou-se mais árido. Um mapeamento recente do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis) mostrou que a aridez já afeta boa parte do estado da Bahia, além de áreas de Pernambuco, Paraíba e Piauí. A área central da região é a mais afetada pelo processo.

O aumento da aridez, já observado a partir de séries de dados históricos, ocorreu principalmente em razão do agravamento das secas e da piora no aquecimento global. A seca e a aridez já são sinais de que a região pode ter uma condição climática similar à de um deserto.

Desde que ocorreu o Seminário de Políticas Públicas de Combate à Desertificação, promovido pelo Tribunal de Contas da Paraíba (TCE-PB), em novembro, o assunto tem sido frequentemente abordado por alguns setores da imprensa. Mas algumas informações ainda carecem do devido aprofundamento. 

Por isso, neste post, destacamos os 7 principais pontos que você precisa saber sobre a emergência de áreas áridas no Nordeste brasileiro. As informações reunidas aqui são baseadas na literatura científica, em conversa com especialistas e em dados de satélites. 

1) Metodologia para delimitar áreas áridas e semiáridas ainda é insuficiente

Apesar dos avanços, a metodologia para delimitação do Semiárido ainda não é precisa para incluir os ecossistemas áridos e semiáridos emergentes no País. As áreas áridas não são definidas por fronteiras geográficas. São áreas que se expandem a partir de processos que desencadeiam a aridez, como vegetação, solo, relevo, topografia que limita as chuvas, formas de uso da terra, densidade populacional, secas extremas, entre outros fatores.

O processo de degradação das terras tem ocorrido em ritmo acelerado na região. Mas do ponto de vista do avanço da ciência de monitoramento, a coleta de dados e informações ainda está atrasada.

A Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) é o órgão responsável por atualizar o mapa do Semiárido brasileiro, desde a instituição da região, em 1989. De lá para cá, houve um processo histórico de avanços na delimitação da região, definindo as fronteiras das áreas semiáridas e subúmidas secas (1994, 1999, 2005, 2017 e 2021). 

Delimitação do Semiárido_QGIS

Inicialmente, apenas os dados de precipitação eram usados como critério para incluir municípios na região. Mas desde 2005, foram acrescentados novos indicadores para a delimitação do Semiárido. Atualmente, são considerados três critérios principais (volume de precipitação inferior a 800 milímetros (mm), índice de aridez igual ou inferior a 0,50 e risco de seca maior que 60%. 

O meteorologista Humberto Barbosa, fundador e coordenador do Laboratório Lapis, ressalta as limitações nos dados e nas metodologias para captar o que de fato está acontecendo na região. As ferramentas disponíveis ainda não registram adequadamente a expansão das áreas áridas e semiáridas no Nordeste brasileiro. 

“Essa metodologia antiga é insuficiente para dar conta das mudanças na região, tanto do ponto de vista climático quanto do acelerado processo de degradação das terras. Apesar dos avanços, as metodologias usadas para delimitar as terras secas ainda estão em construção. O Semiárido é dinâmico, não é só aplicar a metodologia da UNCCD [Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação] para definir suas características. É uma região ainda pouco conhecida em suas características climáticas”, ressalta.

Uma das questões apontadas pelo meteorologista são os vazios na coleta de dados em superfície, que dificultam a delimitação precisa das áreas áridas e semiáridas. A localização das estações meteorológicas de coleta de dados não reflete a complexidade do Semiárido brasileiro: há várias áreas de transição na região que ainda não são observadas na superfície, em razão da ausência de estações meteorológicas instaladas. Apenas dados de satélite fornecem informações sobre essas áreas. 

Na área central do Nordeste, por exemplo, o mapa acima mostra grandes vazios entre as estações meteorológicas. São poucos equipamentos instalados nessas áreas e isso interfere na caracterização climática dessas microrregiões.

Para capturar dados de longo prazo, as estações meteorológicas são instaladas e mantidas nesses locais há pelo menos trinta anos. Em geral, os locais onde são instaladas dependem das condições de acesso e facilidade de manutenção. Além disso, as séries completas de dados, coletados em superfície, não são disponibilizadas com acesso aberto para qualquer cidadão da sociedade civil.

“Tivemos alguns avanços, mas ainda são insuficientes. Ainda há problemas de insegurança na coleta de dados na superfície. Embora esses dados sejam um norte para as pesquisas, não são independentes da geografia peculiar de algumas áreas, como solo, topografia, clima, vegetação, microclima e densidade populacional. Além disso, pode haver problemas de falhas com a aquisição desses dados de longo prazo”, explica o meteorologista.

Algumas pesquisas fornecem informações importantes sobre as mudanças na interação da superfície com a atmosfera, principalmente no contexto da piora no aquecimento global e do aumento das secas. Mas o fato é que as metodologias para delimitação das áreas áridas e semiáridas do Brasil ainda estão sendo desenvolvidas. Com isso, ainda não se tem a radiografia precisa do que está acontecendo.

Os dados de satélites têm sido uma alternativa para aprimorar esse mapeamento, em razão da sua maior abrangência espacial. Mesmo assim, dados de superfície são necessários para validar a estimativa obtida por sensores remotos.

Na Amazônia, já existe um incentivo maior ao desenvolvimento de experientos de pesquisa e coleta de dados em campo. Todavia, essas ações ainda são incipientes ou estão desarticuladas na Caatinga. Uma exceção é a Expedição Científica do Baixo São Francisco, uma iniciativa coordenada pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal), para explorar a biodiversidade da bacia do rio São Francisco. Realizada desde 2018, a Expedição deste ano contou com 60 pesquisadores embarcados. 

A região semiárida mostra resiliência, mas a vegetação está muito degradada, pelas formas predatórias de uso e ocupação da terra. Essas mudanças ainda estão sendo estudadas. Falta aprimorar a infraestrutura de coleta de dados, ampliar as pesquisas e informações para um diagnóstico mais preciso sobre a situação da região.

Na bacia hidrográfica do rio São Francisco, o cenário é ainda mais complexo. No período de 1980 a 2020, houve uma expansão das áreas afetadas por seca na Bacia, em razão do aumento dos eventos extremos na região. Saiba mais neste post

De forma geral, em função das informações limitadas das estações meteorológicas, os dados ainda não capturam a real dimensão da aridez da superfície, considerando a dinâmica do clima, solo, topografia, entre outras variáveis. 

"O fato é que a degradação está deixando a região mais árida, mas não se sabe com precisão o quanto, temos apenas estimativas. Não se deve apenas ser um usuário de dados e considerá-los como verdade absoluta. É preciso criticar a segurança desses dados", completa Humberto. 

2) Áreas áridas foram identificadas pela primeira vez em 2010

Mapa do índice de aridez realizado em 2010_Unesco

Mapeamento das áreas áridas. Fonte: Unesco (2010).

A existência de áreas áridas no Nordeste brasileiro foi identificada pela primeira vez na literatura científica em 2010. O Atlas das Zonas Áridas da América Latina e do Caribe, publicado pela Unesco naquele ano, identificou a existência de pelo menos 23 mil km2 de áreas áridas, abrangendo territórios do norte da Bahia e sul de Pernambuco.

Os dados das estações meteorológicas utilizados no Atlas da Unesco, do período de 1970-2000, já permitiam identificar essas áreas áridas. Esses dados foram enviados por pesquisadores brasileiros integrantes do estudo. 

Um artigo publicado em 2015 por pesquisadores do Laboratório Lapis, já fazia referência à existência de áreas áridas no Nordeste brasileiro, a partir dos dados do projeto da Unesco.

O mapeamento da Unesco já apresentou melhorias nos dados e na metodologia utilizada. Cada país da América Latina e do Caribe fez o controle de qualidade dos dados e enviou para o Programa Hidrológico Internacional (PHI). 

O Atlas tomou por base não apenas a análise do índice de aridez (relação entre a taxa de evapotranspiração potencial e o volume de precipitação). Também considerou o regime hídrico da região, ou seja, a quantidade de meses secos a partir do índice de aridez.

Essa metodologia permitiu fazer a classificação climática sazonal (mensalmente), tendo como limiar o índice de aridez de 0,50. Esse caminho de pesquisa aperfeiçoou a análise, pois pela média anual geralmente os dados são suavizados. Mesmo assim, os pesquisadores brasileiros dependeram das condições de coleta de dados disponíveis. 

Existe uma diferença marcante entre a aridez da superfície (índice de aridez) e a aridez atmosférica. O índice de aridez compara somente o valor anual médio da evapotranspiração com a média da precipitação total anual. Dessa relação, consideram-se áreas áridas aquelas que apresentam índice de aridez de 0,05 a 0,20.

No Atlas da Unesco (2010), esse índice de aridez foi comparado com o regime hídrico da região, que considera a sazonalidade da precipitação, ou seja, o número de meses secos ao longo do ano. Uma área árida normalmente enfrenta de 9 a 10 meses de seca. 

Já a aridez atmosférica está ligada à secagem da atmosfera. Ocorre quando se observa perda de umidade, menor presença de vapor d’água na atmosfera, redução das nuvens e, consequentemente, diminuição das chuvas em determinada região.

>> Leia também: Pesquisa identifica pela primeira vez regiões áridas no Nordeste brasileiro

3) Novo mapeamento mostra expansão das áreas áridas e semiáridas no Brasil

Mapeamento de áreas áridas no Nordeste_ da desertificação_QGIS

Mapeamento das áreas áridas e semiáridas no Brasil. Fonte: Lapis (2023).

Um novo mapeamento publicado pelo Laboratório Lapis mostra a expansão das áreas áridas, semiáridas e subúmidas secas. Também destaca o aumento das zonas de transição, que se tornaram áreas semiáridas ou subúmidas secas. Como você pode observar no mapa acima, o estudo se deteve nas fronteiras do Semiárido de 2017, sem incluir a situação das áreas do entorno. 

De acordo com o novo mapeamento, as áreas áridas e semiáridas estão maiores. E embora a Bahia seja o estado do Nordeste mais atingido pela emergência das áreas áridas, existem outras áreas muito críticas que também se tornaram áridas, em mais três estados do Nordeste: são territórios dos Cariris paraibanos, sul de Pernambuco e sudoeste do Piauí.

"Não existe apenas uma região árida no Brasil. A vantagem desse mapeamento foi utilizar dados de satélites, com maior cobertura espacial. Utilizamos séries temporais de trinta anos de dados, com metodologia mais atualizada para capturar a atual dinâmica de mudanças no Semiárido brasileiro", explica Humberto. 

A partir do mapeamento feito com índices de seca e NDVI, o meteorologista validou a estimativa com uma amostra de dados de precipitação por satélite, na área central do Semiárido. Essa validação também foi feita com uma amostra de dados de superfície. Todavia, isso depende dos pontos em que as estações meteorológicas estão localizadas. Nas áreas em que há vazios de dados de superfície, essa correlação foi feita com dados de precipitação obtidos por sensores remotos. 

O estudo do Laboratório Lapis utilizou um índice de seca, que considera precipitação e temperatura, para definir o número de meses secos e definir a situação da aridez na região semiárida.

O Índice Padronizado de Precipitação e Temperatura (SPEI) é um índice global muito utilizado, que define a condição de secas extremas, analisando limiares de seca a cada mês. Esses dados foram relacionados ainda com a situação da cobertura vegetal, a partir da análise do Índice de Vegetação por Diferença Normalizada (NDVI).

>> Leia também: As 5 lições do século para o Dia mundial da seca e da desertificação

4) O Semiárido já tinha 13% de áreas desérticas em 2016

Mapa da desertificação no Brasil_QGIS

Mapa da desertificação no Semiárido brasileiro. Fonte: Lapis (2016).

O último mapeamento das áreas degradadas no Brasil, em escala regional para todo o Semiárido brasileiro, havia sido feito em 2016, pelo Laboratório Lapis. O mapeamento analisou dados da expansão das áreas degradadas na região, no período de 2004 a 2016.

Como resultado, o estudo detectou a existência de 13% de áreas desertificadas na região, usando dados de satélites. Além disso, no total, cerca de 25% da região já apresentava algum nível de degradação das terras (moderada, forte e muito forte).

Existe uma diferença entre "degradação da terra" e "desertificação". Em termos simples, a desertificação ocorre quando as terras já estão degradadas de forma grave ou muito grave.

Já a degradação é a redução ou perda da produtividade biológica das terras, integridade ecológica ou valor para os seres humanos, causadas por processos humanos induzidos, diretos ou indiretos, incluindo a mudança climática.

Existem algumas limitações no uso de índices de vegetação para analisar a cobertura vegetal do Semiárido. Todavia, esse mapeamento de 2004-2016 inovou ao utilizar uma série significativa de dados diários, usando metodologia da UNCCD. Como resultado, foram demonstradas as categorias de áreas degradadas para toda a escala regional. O mapeamento permitiu estimar, na época, o aumento das áreas desertificadas, com dados confirmados em levantamentos posteriores.

5) Áreas áridas no Raso da Catarina e Cariris paraibanos

Áreas atingidas por 11 meses de seca_Livro Um século de secas_QGIS

Tipologias climáticas dos Cariris paraibanos. Fonte: Livro "Um século de secas".

As áreas áridas do Nordeste brasileiro, identificadas inicialmente em 2010, pelo Atlas da Unesco, fazem parte da ecorregião conhecida como Raso da Catarina. Localizada no norte da Bahia e sul de Pernambuco, essa área é muito estudada pela literatura científica. Inclusive, já existem referências de trabalhos internacionais, principalmente na área de Meteorologia, que classificam essa área como árida.

Também há vários trabalhos da área de Botânica sobre o assunto, pois é ali que está localizada a Estação Ecológica do Raso da Catarina, única unidade de conservação de proteção integral da Caatinga na Bahia. 

Mas de acordo com o novo mapeamento do Laboratório Lapis, no Brasil não existe apenas a área árida do Raso da Catarina. A grande novidade do estudo é que foram identificadas áreas áridas em quatro estados do Nordeste: Bahia, Pernambuco, Paraíba e Piauí. Embora já tenham sido identificadas áreas áridas na Bahia e em Pernambuco, pelo menos desde 2010, ainda não havia referência na literatura sobre a existência de áreas áridas na Paraíba e no Piauí.

Um dos destaques dessas áreas áridas emergentes são os Cariris paraibanos, microrregiões situadas em uma depressão do Planalto da Borborema, consideradas a área geográfica mais seca do Brasil.

Nos Cariris paraibanos, está situado o município de Cabaceiras, com precipitação média anual em torno de 300 milímetros (mm). Conhecido como "Roliúde nordestina", por já ter sido palco de gravação de novelas e filmes globais, o município apresenta o mais baixo índice pluviométrico do Brasil.

No Livro "Um século de secas", produzido por pesquisadores do Laboratório Lapis, os Cariris paraibanos foram estudados em profundidade. Inclusive, as áreas desertificadas dessas microrregiões foram comparadas com o Raso da Catarina.

Ambas as ecorregiões (Raso da Catarina e Cariris paraibanos) constituem as áreas mais secas do Brasil. Têm em comum a característica natural de enfrentar, em condições normais, até 11 meses de seca. O mapa acima mostra as áreas dos Cariris paraibanos naturalmente atingidas por essa longa estiagem. Observe, na legenda do mapa acima, o destaque para o número de meses secos nos Cariris paraibanos. 

Como destaca o Livro “Um século de secas”, existem outros fatores que diferenciam os Cariris paraibanos da ecorregião do Raso da Catarina, como densidade populacional, disponibilidade de água e intensidade do nível de degradação das terras.

Embora a dinâmica climática dos Cariris paraibanos e do Raso da Catarina seja muito parecida em termos de índice pluviométrico, a topografia dessas regiões é muito diferente. Nas microrregiões da Paraíba, há algumas características particulares, como a topografia do Planalto da Borborema, que impede o fluxo de umidade, reduzindo as chuvas nessas áreas. 

Assim, a emergência de áreas áridas não estaria restrita somente ao Raso da Catarina. Do ponto de vista climático, não há elementos para afirmar que só a Bahia e Pernambuco possuem áreas áridas.

O índice de seca, analisado no novo mapeamento do Laboratório Lapis, já mostra a semelhança entre as áreas áridas da Paraíba e da Bahia. O que chama atenção é o vazio de estações meteorológicas de lá, enquanto os dados de superfície são abundantes na Paraíba. Isso se deve a uma maior regularidade nas estações meteorológicas instaladas nos Cariris paraibanos.

>> Leia também: Os 5 perigos da desertificação no Semiárido brasileiro

6) O Brasil já possuía áreas desérticas nos anos 1970

Área desertificada em Cabrobó_núcleo de desertificação

Núcleo de desertificação do Cabrobó (PE) em imagem de satélite da Planet.

Desde os anos 1970, as áreas que já se tornaram desérticas no Nordeste brasileiro foram identificadas pela literatura científicaCom destaque, está a pesquisa pioneira do engenheiro agrônomo João Vasconcelos Sobrinho, sobre desertificação na região.

Naquela época, ele já alertava para a existência de áreas desertificadas na Paraíba, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Piauí, Ceará e Bahia. Desde então, os processos de desertificação nesses "núcleos" estão em constante expansão para áreas circunvizinhas. 

A principal causa da desertificação é a degradação das terras pela ação humana, associada às variações climáticas. Por exemplo, eventos extremos de seca aumentam a pressão sobre os ecossistemas áridos e semiáridos, ampliando as áreas em processo de desertificação.

Vasconcelos Sobrinho ressaltava que essas áreas não constituem um deserto típico, mas um deserto produzido, por um processo predominantemente antrópico. Foram os processos de ocupação e uso da terra, nas condições climáticas adversas, que redefiniram essa região brasileira.

>> Leia também: Uma tecnologia revolucionária para mapeamento da desertificação

7) Áreas áridas já reduzem a formação de nuvens de chuva sobre o Nordeste

Imagens sugerem redução nas nuvens de chuva no Nordeste (áreas em laranja). Fonte: Lapis.

Imagens do Meteosat mostram redução nas nuvens de chuva no Nordeste (áreas em laranja). Fonte: Lapis.

A aridez da superfície tem aumentado Semiárido brasileiro, mas a ciência ainda não havia identificado a sua relação com a atmosfera. A novidade agora é que um novo artigo publicado pelo pesquisador Humberto Barbosa, fundador do Laboratório Lapis, identificou que essas áreas áridas severamente degradadas do Semiárido brasileiro já reduzem a formação de nuvens de chuva na região.

O que isso significa? Em termos simples, é um alerta de que essas áreas áridas emergentes na região já estão interferindo gravemente na geração de chuvas na atmosfera. Essas áreas degradadas mudaram a condição do solo e sua interação com a atmosfera, ao longo do tempo, absorvendo menos e refletindo mais energia.

A pesquisa detectou uma mudança preocupante na interação superfície-atmosfera: a degradação severa das terras tem contribuído para reduzir as chuvas. Com o aumento das secas, cresce ainda mais a degradação da superfície. É um círculo vicioso, que se retroalimenta, tendendo a expandir as áreas áridas e semiáridas do Brasil, caso os processos de degradação não sejam contidos.

Nessas áreas áridas com elevado nível de degradação das terras, mesmo quando ocorrem volumes significativos de chuva, as plantas não conseguem mais se recuperar (atingiram um ponto de não retorno). Por consequência, também houve o declínio dos fatores da atmosfera, que não mais respondem a essas áreas muito secas e severamente degradadas, tendo havido por isso redução das nuvens de chuva.

Enquanto o Atlas da Unesco analisou o índice de aridez e o regime hídrico, a pesquisa recente do Laboratório Lapis se deteve sobre a análise da aridez atmosférica, associada à degradação das terras (condição da cobertura vegetal e dos solos severamente degradados). Com isso, concluiu-se ter havido redução nas nuvens de chuva no Nordeste brasileiro.

A pesquisa do Lapis também analisou o papel das secas rápidas no aumento da aridez no Nordeste brasileiro. Com início rápido e forte intensidade, esses extremos de seca e altas temperaturas duram apenas alguns dias ou semanas. Mas seus impactos são dramáticos sobre os solos degradados e têm uma relação direta com o aumento da aridez na superfície. 

Essas análises estão alinhadas com o estudo clássico do meteorogista Jule Charney, de 1975. Dois anos antes da primeira Conferência das Nações Unidas sobre Desertificação, realizada em Nairóbi, ele reconheceu os feedbacks climáticos causados pelas alterações na superfície terrestre.

Charney chamava atenção para o impacto que a degradação da cobertura vegetal pode ter tido nas devastadoras secas, em áreas semiáridas como a região do Sahel, na África Ocidental. Entre os fatores de degradação, citavam a devastação por desmatamento, sobrepastoreio e  queimadas.

Nesse sentido, coletando dados da interação entre a aridez da superfície e a aridez atmosférica, o esudo do Laboratório Lapis identificou, pela primeira vez, os feedbacks da degradação das terras sobre o clima no Nordeste brasileiro. A pressão do vapor d’água é comum aos dois tipos de aridez. Tanto na análise mês a mês quanto na média anual, permite capturar melhor o aumento das secas e a presença das massas de ar seco.

Embora a média anual suavize os resultados, na análise mensal, é possível identificar melhor a concentração de umidade e temperatura mais baixas. No verão, massas de ar seco são mais intensas e altas temperaturas, afetando o regime hídrico. Com isso, há uma relação direta entre secas e ondas de calor. 

>> Leia também: Uma tecnologia revolucionária para mapeamento da desertificação

Tribunais de contas cobram políticas contra a desertificação

Mapeamento da desertificação_QGIS

Equipe da Auditoria operacional dos tribunais de contas do Nordeste.

Recentemente, foram divulgados os resultados de uma Auditoria Operacional Coordenada em Políticas Públicas de Combate à Desertificação no Semiárido brasileiro, coordenado pelo Tribunal de Contas da Paraíba (TCE-PB), em articulação com tribunais de contas do Nordeste (RN, PE, CE e SE).

A investigação constatou a inexistência de programas, projetos e/ou legislações na temática desertificação, na quase totalidade dos municípios do Semiárido. Além disso, com exceção do Ceará, detectou a ausência de monitoramento e fiscalização ambiental sistemáticos das áreas susceptíveis à desertificação.

Quando falamos em monitoramento, estamos nos referindo ao acompanhamento contínuo das áreas propensas à desertificação. Já o mapeamento se refere ao retrato da situação ambiental, em determinado momento. De maneira geral, todos os estados fiscalizados carecem da atualização dos dados.

>> Leia também: Árvores da Amazônia podem morrer com El Niño e aquecimento climático

Mais informações

O Livro "Um século de secas" foi utilizado pela Auditoria dos tribunais de contas do Nordeste como referencial metodológico na fiscalização das políticas de combate à desertificação na região. A obra foi produzido por pesquisadores do Laboratório Lapis.

COMO CITAR ESTE ARTIGO:

LETRAS AMBIENTAIS. [Título do artigo]. ISSN 2674-760X. Acessado em: [Data do acesso]. Disponível em: [Link do artigo].

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