Árvores da floresta amazônica podem morrer se o aquecimento climático superar 2 °C, acima da média pré-industrial. Já há sinais de impactos na saúde da floresta, mesmo no atual nível de aquecimento anormal do Planeta em 1,2 °C. O alerta é de uma pesquisa publicada na revista Science, em setembro de 2022, por pesquisadores de Estocolmo, Alemanha e Reino Unido.
A pesquisa identificou nove pontos climáticos críticos, também chamados de pontos de inflexão, com impactos regionais que podem desestabilizar o bem-estar humano, caso o aquecimento global exceda 1,5 °C. Esses pontos climáticos críticos ocorrem quando mudanças no sistema climático se autoperpetuam, além de um limiar de aquecimento.
Os especialistas demonstraram que até mesmo a meta do Acordo de Paris não é segura (com a proposta de limitar o aquecimento a 1,5 °C), pois esse limiar já corre o risco de atingir pontos climáticos críticos. Cruzar alguns desses pontos de inflexão, no atual nível de aquecimento global, também não pode ser descartado.
De acordo com o estudo, o desencadeamento desses pontos climáticos críticos leva a impactos significativos, como o aumento substancial do nível do mar, devido ao colapso das camadas de gelo, e o desaparecimento de biomas biodiversos, como a floresta amazônica.
Observações revelaram que partes da camada de gelo da Antártida Ocidental podem já ter passado por um ponto crítico. Já foram detectados potenciais sinais de alerta precoce da camada de gelo da Groenlândia, da Circulação Meridional do Atlântico e da desestabilização da floresta amazônica.
>> Leia também: El Niño e Planeta mais quente podem trazer seca incomum à Amazônia em 2023
Na última semana, três recordes de temperatura da Terra foram renovados, sendo o dia 07 de julho o mais quente registrado até agora na história. Uma pergunta importante é se, nos próximos anos, o calor recorde global, turbinado pelo El Niño, pode cruzar os limiares de inflexão climática. O ponto crítico é que o limite de aquecimento de 1,5 °C, com o acréscimo previsto de 0,2 °C que um evento de El Niño forte naturalmente adiciona às temperaturas globais, a Terra pode atingir temporariamente 1,7 °C.
Quando o aquecimento médio atingir 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais, um futuro evento de El Niño forte pode empurrar a temperatura média mundial para 1,7 °C. Assim, alguns recifes de coral podem começar a morrer, antes que um La Niña chegue para resfriar novamente o Planeta.
A imagem abaixo mostra como historicamente o El Niño tende a aquecer as temperaturas do Planeta, enquanto o La Nina tende a resfriar.
Os recordes de temperatura quebrados, durante um evento El Niño, são sinais do aquecimento global subjacente. Esse aquecimento do Planeta, decorrente da ação humana, tende a desencadear pontos climáticos críticos, especialmente quando a média global passar de 1,5 °C.
Um evento de El Niño forte ajuda a desestabilizar alguns ecossistemas, que podem tombar se forem menores ou responderem rapidamente às mudanças. Para ecossistemas que respondem mais lentamente ao aquecimento, como mantos de gelo, o La Niña seguinte deve equilibrar temporariamente a situação.
O El Niño é um dos fenômenos climáticos mais importantes do Planeta, com impactos em escala global. O último mês de junho foi o mais quente já registrado, com extremos de temperatura influenciados apenas parcialmente pelo El Niño. O evento climático ainda está em sua fase inicial. Com as temperaturas médias globais já altas este ano, o fortalecimento do El Niño pode tornar 2024 o ano mais quente já registrado na história.
A Organização Meteorológica Mundial (OMM) prevê que, até 2027, a temperatura da Terra exceda temporariamente 1,5 °C, acima da média pré-industrial. É o limite de temperatura previsto pelo Acordo de Paris, em 2015, quando líderes mundiais se comprometeram a limitar o aquecimento global de longo prazo. Atualmente, com as ações ainda incipientes adotadas pelos países signatários, o mundo caminha para um aquecimento global de cerca de 2 a 3 °C acima do normal.
>> Leia também: As tecnologias usadas pelos cientistas para monitorar o El Niño
O El Niño é um padrão climático natural, relativamente cíclico, que não ocorre anualmente. Desde os anos 1950, foram registrados 26 eventos de El Niño, sendo três deles classificados na categoria “muito forte” e outros cinco como “forte”, conforme mostrado na imagem acima.
O El Niño de 2015-2016 foi um dos mais fortes já registrados, com impactos significativos nos padrões climáticos de todo o mundo, variando entre as várias regiões do Planeta, desde secas extremas e ondas de calor até chuvas reduzidas. O evento climático teve implicações para a agricultura, recursos hídricos e ecossistemas, em todo o mundo.
Como exempo, está a maior seca do século no Semiárido brasileiro, influenciada, em parte, pelo El Niño forte de 2015-2016. Por outro lado, os eventos de El Niño de 2014-2015 e 2018-2019 foram relativamente fracos.
A imagem abaixo mostra a anomalia da temperatura da superfície terrestre, a 2 metros de altura da superfície, com dados atualizados do dia 07 de julho, considerado o mais quente da história. Você pode comparar com a imagem de abertura deste post, referente ao mesmo dia de julho de 2016, quando o Planeta também enfrentava um forte El Niño.
Os eventos históricos do El Niño impactaram significativamente os padrões climáticos globais. O El Niño geralmente dura cerca de um ano. Em média, ocorre no intervalo de cada três a seis anos. A maioria dos eventos começa durante o outono ou inverno brasileiro.
Neste post, destacamos os três eventos de El Niño que conviveram simultaneamente com o processo de aquecimento global, com impactos sempre mais intensos para o Planeta e para a sociedade. São eles:
El Niño 1982-1983
Esse El Niño é frequentemente chamado de “Super El Niño”, devido à sua intensidade. Causou problemas climáticos generalizados em todo o mundo. No Brasil, provocou uma seca histórica no Semiárido brasileiro e incêndios florestais na Amazônia. É considerado um dos eventos de El Niño mais fortes do século XX. Na época, a anomalia de aquecimento global ainda era de 0,2 °C.
El Niño 1997-1998
Esse evento de El Niño é frequentemente considerado um dos mais fortes já registrados nas décadas recentes. Teve efeitos de longo alcance, incluindo secas severas na Indonésia, inundações no Peru e anomalias significativas de temperatura em todo o mundo. Foi associado ao branqueamento generalizado de corais em várias regiões, incluindo a Grande Barreira de Corais, na costa nordeste da Austrália. No Brasil, provocou uma seca cujos impactos levaram a uma catástrofe social. Na época, o aquecimento do Planeta excedia 0,5 °C.
El Niño 2015-2016
Esse foi o mais recente evento de El Niño forte. Levou a condições climáticas extremas em todo o mundo, como secas no sudeste da Ásia, Semiárido brasileiro, Índia e África, além de fortes chuvas e inundações na América do Sul. Também teve implicações para países insulares do Pacífico, afetando a pesca e a agricultura. Durante o El Niño de 2015-2016, a temperatura da Terra tinha aumentado 0,9 °C, em relação aos níveis pré-industriais.
Esses eventos históricos do El Niño destacam o potencial de interrupções significativas nos padrões climáticos globais e nos ecossistemas. Monitorar e entender esses eventos é importante para melhor se preparar para suas consequências e mitigar seus impactos. Este conteúdo sobre os impactos históricos do El Niño nas secas no Semiárido brasileiro foi aprofundado no Livro "Um século de secas".
>> Leia também: As 5 lições do século para o Dia mundial da seca e da desertificação
Desde o último mês de junho, teve início ao quarto evento de El Niño forte simultâneo a um aquecimento global mais crítico. O Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis) tem chamado atenção para a possibilidade de uma seca intensa na Amazônia brasileira.
O mapa da umidade do solo acima destaca a atual situação de seca e estresse hídrico, na Amazônia brasileira. Os estudos do Laboratório Lapis têm demonstrado redução das chuvas nas áreas mais degradadas do bioma, nas últimas duas décadas. Acesse aqui a pesquisa.
De acordo com o meteorologista Humberto Barbosa, fundador do Lapis, esse é o primeiro evento de El Niño forte que coincide com um processo mais grave de aquecimento do Planeta, com temperatura média atual estimada em 1,2 °C acima dos níveis pré-industriais.
A coincidência entre os impactos de um El Niño forte na Amazônia, o ritmo acelerado da degradação da vegetação e o atual nível de aquecimento climático são fatores que contribuem para levar o bioma a atingir esses pontos críticos, em futuro breve. Com isso, é possível que não haja possibilidade de as plantas se recuperarem dos danos fisiológicos deixados pelas secas repetidas sobre a vegetação. Acesse aqui o post completo sobre o assunto.
Pela pesquisa publicada na revista Science, talvez não seja possível que o atual evento de El Niño leve ecossistemas como a Amazônia brasileira a pontos climáticos críticos. Em vez disso, os próximos eventos de El Niño, combinados com o aquecimento global antropogênico (causado pelos seres humanos), devem continuar a quebrar recordes de temperatura. Com isso, a chance de cruzar pontos de inflexão tende a crescer, à medida que o aquecimento de longo prazo aumentar.
Aumentar o aquecimento global, ao persistirmos na queima de combustíveis fósseis, também tornará os futuros eventos de El Niño mais intensos. Modelos climáticos já sugerem que isso já pode estar acontecendo. Assim, reduzir as emissões de gases de efeito estufa o mais rápido possível é o caminho para limitar seus danos. É claro que a preservação da Amazônia é urgente para manter a resiliência da floresta.
>> Leia também: Por que o dia 7 de julho foi o mais quente da história?
O conteúdo deste post foi aprofundado no Livro "Um século de secas".
LETRAS AMBIENTAIS. [Título do artigo]. ISSN 2674-760X. Acessado em: [Data do acesso]. Disponível em: [Link do artigo].
Copyright © 2017-2024 Letras Ambientais | Todos os direitos reservados | Política de privacidade