Em anos de verão com La Niña, grandes são as expectativas sobre a influência desse fenômeno no clima das regiões brasileiras, principalmente nas regiões Sul e Nordeste. Tudo isso porque, tradicionalmente, os impactos do La Niña são traduzidos em estiagem mais frequente, no Centro-Sul, enquanto há maiores volumes de chuva, no Semiárido brasileiro.
Mas acontece que a resposta do clima sazonal não costuma ser assim tão linear. Desde agosto de 2020, o La Niña está presente no oceano Pacífico equatorial e a previsão dos especialistas é que deve permanecer ativo, até o próximo mês de março.
Mas este ano, como já se percebe no clima das regiões brasileiras, contrariando expectativas, mesmo sob La Niña, tem chovido mais no Sul do Brasil, enquanto, no Semiárido do País, as chuvas são esperadas apenas para o próximo mês de março.
Isso acontece porque, embora o La Niña seja uma das principais influências sobre o clima global, existem outros fenômenos que também interferem, de diferentes maneiras, na condição climática das regiões do País, como iremos explicar neste post.
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Existe um indicador, chamado Índice Oceânico Niño (ION), que se tornou o padrão utilizado, pelo National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), dos Estados Unidos, para definir a intensidade de um La Niña ou de um El Niño.
O monitoramento da presença de um La Niña ou de um El Niño é feito com uso de boias marítimas submersas, navios e dados de satélites. Com base na observação da Temperatura da Superfície do Mar (TSM), são analisadas o quanto ela se difere, em relação à média histórica (1981-2010).
Ou seja, se as temperaturas superficiais dessa região específica do Pacífico estão mais frias (La Niña) ou mais quentes (El Niño), em relação à média dos últimos 30 anos. É o que os especialistas chamam de “anomalia” de temperaturas.
Com base nessas informações, estima-se o indicador do fenômeno El Niño ou La Niña. Se as águas do Pacífico equatorial permaneceram mais aquecidas (acima de 0,5 oC), por mais de 3 meses, configura-se um El Niño.
De forma similar, se houver temperaturas mais frias que o normal (abaixo de -0,5 oC), durante esse mesmo período, estão dadas as condições para a formação de um La Niña.
A partir dessas informações, vamos analisar a situação climática atual. Durante o mês de janeiro, o Pacífico equatorial apresentou ampla área de resfriamento, com temperaturas oscilando entre -1,0 oC a -2,0 oC. Com isso, manteve-se um La Niña, de intensidade moderada a forte.
Especialistas indicam que o fenômeno deverá permanecer ativo até o final de março, embora sua influência na atmosfera deva permanecer até junho. As projeções é que as temperaturas das águas do Pacífico equatorial fiquem em condição de normalidade, ou seja, dentro da média histórica, sem La Niña ou El Niño, a partir de abril.
Mesmo assim, como a atmosfera demora a reagir à mudança na temperatura do Pacífico tropical, a influência do La Niña, sobre o clima global, ainda deverá persistir, até junho de 2021. Ou seja, a previsão climática, feita com uso de modelos meteorológicos, é de que a atmosfera continue respondendo com características de La Niña, influenciando o clima global, até meados de 2021.
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Um trabalho interessante sobre o fenômeno El Niño Oscilação Sul (Enos) foi feito no Livro “Um século de secas”. Os autores analisaram como as 32 secas ocorridas no Semiárido brasileiro, nos últimos 100 anos, foram influenciadas pelo fenômeno La Niña ou El Niño.
A pesquisa foi feita com base no Índice Oceânico Niño, que permitiu categorizar, por exemplo, que a seca severa no Semiárido brasileiro, em 2016, teve uma estreita relação com um El Niño de intensidade forte.
A mesma situação ocorreu também nas secas de 1993, 1998 e 1983. A pesquisa também permitiu identificar situações controversas, como a seca extrema de 1932, que provocou muitas mortes por fome e epidemias, associada a um El Niño de intensidade moderada. Em 1980, também em um cenário de El Niño fraco, ocorreu uma seca severa no Semiárido brasileiro.
O estudo foi feito com base em séries temporais de dados de satélites, de 1901 a 2016. A partir desses dados, foi feito o cálculo de um indicador, chamado Índice de Precipitação Padronizado (SPI), para identificar os volumes anuais de precipitação, durante o período de 100 anos.
Em 2009, a Organização Mundial de Meteorologia (WMO) recomendou o SPI como o principal parâmetro que os países deveriam usar para o monitoramento das secas meteorológicas.
Esse Índice baseia-se nas relações de frequência, duração e severidade do fenômeno. O indicador é importante por permitir múltiplas aplicações, tais como: avaliar impactos da seca no setor agrícola, hidrológico, econômico, bem como os resultados das políticas de adaptação, em diferentes escalas temporais.
O gráfico acima destaca a intensidade de cada seca, durante o período, a partir do SPI. Quanto mais negativas as oscilações, mostradas em vermelho, mais forte foi o evento de seca. Quanto mais positivo, nas oscilações mostradas em azul, maior foi o volume de chuvas registrado, em cada ano.
Essas informações foram associadas aos dados do Índice Oceânico Niño, que identifica a intensidade do fenômeno de La Niña ou de El Niño, em cada ano, de acordo com a temperatura anormal do Pacífico tropical.
A pesquisa inédita permitiu identificar que, das 32 secas ocorridas no Semiárido brasileiro, no período de 1901-2016, em apenas 70% dos casos, houve relação direta entre o fenômeno El Niño e a seca no Semiárido brasileiro.
Por outro lado, cerca de 30% das secas, ocorridas na região, não coincidiram com eventos de El Niño. Foram os seguintes eventos de seca: 1904, 1907, 1908, 1909, 1915, 1936, 1942, 2012 e 2013.
Isso mostra que é preciso cautela, ao se relacionar o fenômeno La Niña ou El Niño, respectivamente, com as chuvas e as secas no Semiárido brasileiro, pois, ao longo da história, muitos desses eventos não confirmaram a relação esperada.
Isso acontece porque, além de cada evento de El Niño ter caráter distinto, o oceano Atlântico é determinante da condição climática, nas regiões brasileiras.
Essa análise foi aprofundada no Livro “Um século de secas”. Por ora, essas informações irão fundamentar nossa explicação sobre o motivo por que o atual La Niña tem contrariado expectativas sobre o clima brasileiro. Ou seja, o fenômeno tem trazido impactos distintos do esperado, para algumas regiões.
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A previsão climática sazonal, do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), indica que as chuvas chegarão ao Semiárido brasileiro com atraso, possivelmente apenas em março. Isso mostra que, mesmo em um cenário de La Niña, o Atlântico tem sido decisivo para o clima nas regiões brasileiras.
Neste momento, no litoral sul do Brasil, as águas do oceano Atlântico seguem mais aquecidas que o normal, com temperaturas em torno de 1 a 2 °C, tendo contribuído com as chuvas no Centro-Sul, nas últimas semanas.
Por outro lado, no litoral do Nordeste, são identificadas áreas mais frias que o normal ou neutras, o que não é favorável para as chuvas no Semiárido.
O mapa acima foi elaborado pelo Laboratório Lapis, com uso de dados obtidos pelo satélite CHIRPS, que permite estimar os volumes de precipitação, nas áreas mais remotas do Planeta. A imagem de satélite mostra os volumes de chuva, nas regiões brasileiras, no período de 18 a 24 de janeiro de 2021. O destaque é o predomínio de chuvas no Centro-Sul do Brasil, e de seca no Nordeste.
A estreita relação entre o clima das regiões brasileiras e a temperatura superficial do Atlântico foi descoberta, pela comunidade científica, nos anos 1980. O fenômeno é chamado de “Dipolo do Atlântico” e se refere a dois polos diferentes que se configuram na temperatura oceânica.
De um lado, está o Atlântico Norte, mais quente que o normal, e de outro, o Atlântico Sul, que fica simultaneamente mais frio, um dipolo não favorável para as chuvas, sobretudo no Semiárido brasileiro.
Em outro cenário, se o Atlântico Sul estiver com temperaturas neutras, em relação à média histórica, mesmo sob influência de um La Niña ativo, no Pacífico, as precipitações ficam em torno da média, na região.
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Vale lembrar que, desde as últimas semanas de janeiro, tem havido uma tendência de neutralidade no Atlântico Sul, o que seria favorável para as chuvas no Semiárido.
Como exemplo, podemos citar o caso da seca extrema de 2012, no Semiárido brasileiro, que parece ter sido causada, principalmente, por padrões anormais das temperaturas superficiais no oceano Atlântico.
Naquele ano, mesmo sob um La Niña de intensidade fraca, por conta das temperaturas mais frias no Atlântico Sul, o Semiárido brasileiro enfrentou uma das maiores secas da sua história. Esse assunto foi amplamente analisado no Livro “Um século de secas”.
O Atlântico Sul influencia fortemente nas chuvas, no Semiárido brasileiro, por determinar a posição da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), principal fenômeno que traz chuvas para o norte do Nordeste brasileiro.
Este ano, em função das temperaturas mais frias ou neutras, nessa área oceânica, a ZCIT ainda não teve força suficiente, para descer de latitude, e provocar chuvas na região.
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A partir da segunda semana de fevereiro, devem chegar as primeiras chuvas ao Semiárido brasileiro. Todavia, o meteorologista Humberto Barbosa, coordenador do Lapis, alerta: o agricultor ou pecuarista da região deve ter cautela e não pode se impressionar com as primeiras chuvas, previstas para esta semana.
Provavelmente, este ano você deve já ter escutado alguma previsão climática, que indique chuvas abundantes para o Nordeste, simplesmente porque um La Niña está instalado no Pacífico.
Mas como esclarecemos neste post, pelo que indicam as previsões climáticas, as chuvas em fevereiro e março serão irregulares e abaixo da média, no Nordeste brasileiro. Em abril, as precipitações devem ser mais regulares na região.
É preciso considerar que os solos estão extremamente secos, pois têm registrando déficit hídrico, há vários meses, e vão demorar a conseguir reter uma maior quantidade de água em sua superfície. Será preciso ocorrer mais chuvas, para a umidade do solo ficar favorável ao plantio.
No padrão climático do atual La Niña e Atlântico Sul tropical, mais frio que o normal, as chuvas no Semiárido brasileiro, prestes a começar, vão chegar com grande irregularidade, nos próximos 30 dias.
Algumas áreas vão receber mais chuvas que outras e os agricultores devem ficar atentos, sobre o momento certo para plantar, de acordo com sua experiência.
O planejamento dos agricultores que, neste momento, estão se preparando para dar início ao plantio, da safra de fevereiro a maio (quadra chuvosa), deve aproveitar os melhores momentos de chuva.
A variável com maior impacto na produção de alimentos e nos preços, a partir de agora, será o clima. Nas próximas semanas, continuaremos a acompanhar a temperatura dos oceanos Atlântico e Pacífico. Atualizaremos aqui a influência do La Niña e do Atlântico Sul, sobre o clima nas regiões brasileiras.
O conteúdo deste post foi aprofundado no Livro “Um século de secas”.
*Atualizado em: 09.02.2021, às 11h28.
LETRAS AMBIENTAIS. [Título do artigo]. ISSN 2674-760X. Acessado em: [Data do acesso]. Disponível em: [Link do artigo].
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