O sistema atmosférico que pode influenciar na intensidade do El Niño



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Um sistema atmosférico pode interferir na intensidade do El Niño deste ano: a Oscilação Quase Bienal (OQB). Trata-se de uma variação regular na direção dos ventos que sopram acima do Equador. Identificada ainda nos anos 1950, a física da OQB é bem compreendida hoje, fazendo parte inclusive de alguns modelos computacionais de previsão climática.

Ventos fortes na estratosfera circulam ao redor do Planeta e mudam completamente de direção, sempre a cada 14 meses. Essa anomalia do vento em mudança, na estratosfera tropical, também é conhecida como o “batimento cardíaco da atmosfera”, em razão de ser tão regular.

Os meteorologistas acompanham essa mudança na direção do vento estratosférico, que está se desenvolvendo sobre o Equador, pois ela pode impactar o clima global, durante o atual evento de El Nino, na próxima temporada de verão no Hemisfério Sul.

A corrente de jato do Atlântico pode ser afetada pela OQB. A velocidade dos ventos na corrente de jato enfraquece e aumenta, de acordo com a direção dos ventos estratosféricos.

Uma corrente de jato é um tipo de corrente de ar formada no alto da atmosfera. A variação na sua posição faz com que sistemas meteorológicos, como frentes frias, se desloquem mais para o norte, durante o inverno, no Hemisfério Sul.

Em anos de El Niño, a corrente de jato no Atlântico, próxima à América do Sul, tende a ficar mais intensa. Em 1984, especialistas relacionaram o padrão do escoamento em altos níveis a um bloqueio ocorrido na América do Sul, durante o El Niño de 1983, ressaltando o papel do Jato Subtropical nas intensas precipitações sobre o Sul do Brasil.

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Por que a OQB é importante para o clima?

sistema atmosférico afeta o El Niño

A estratosfera é a camada da atmosfera localizada na altitude de 12 a 48 km, acima da superfície terrestre. Encontra-se acima da troposfera, camada mais baixa que contém praticamente todo o vapor de água atmosférico, bem como o clima experimentado por nós todos os dias. O ar estratosférico pode não ser muito denso, mas pode causar um impacto forte no inverno, em muitos lugares.

A OQB é impulsionada por ondas atmosféricas, que se elevam da troposfera (camada imediatamente inferior da estratosfera) e são produzidas por intensos sistemas climáticos tropicais. Essas ondas quebram na estratosfera e fornecem uma força para “empurrar” o vento e, com o tempo, fazê-lo descer. 

Uma vez que esses ventos de alto nível atingem a tropopausa (camada intermediária entre a troposfera e a estratosfera, situada a uma altura média de 17 km no Equador), a fase oposta da oscilação desce da camada superior. Demora cerca de 14 meses para cada reversão ocorrer, ou seja, para predominar cada fase específica da OQB.

A imagem acima mostra a situação dos ventos de oeste para leste (zonal) em toda a Terra, do Polo Sul (lado esquerdo), sobre o Equador, até o Polo Norte (lado direito). É possível observar a intensidade dos ventos de oeste, no dia 27 de junho deste ano, representados com números positivos, na escala. Na imagem, valores positivos indicam predominância dos ventos de oeste, enquanto valores negativos indicam ventos de leste. A cada ano, os ventos acima do Equador costumam mudar de oeste para leste. 

A imagem mostra os ventos desde a superfície até cerca de 48 km de altitude. A ilustração permite destacar algumas áreas de interesse:

Círculos vermelhos: mostra a forte circulação estratosférica de inverno, sobre o Hemisfério Sul. Isso está associado a um forte vórtice polar estratosférico sobre o Polo Sul. No Hemisfério Norte, a circulação estratosférica é invertida, pois está no modo verão.

Caixas azuis: é o fluxo de jato normal, como é conhecido. Você pode ver que a Corrente de Jato está atualmente mais forte no Hemisfério Sul, estando no modo de inverno. Você também pode ver como ela se conecta com a circulação estratosférica muito mais forte acima, típica do inverno.

Caixa verde: é uma área forte de valores negativos (ventos de leste). É mais importante do que pode parecer à primeira vista. Isso mostra a OQB acima do Equador, uma mudança regular na direção do vento de oeste para leste, atualmente começando no modo leste (negativo).

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A influência da OQB nos padrões climáticos globais

Influência da OQP no El Niño

Quando classificamos a climatologia das variáveis ​​climáticas, com base nas fases da OQB, descobrimos haver alguma influência desse sistema sobre os padrões climáticos globais. Isso a torna um componente valioso da previsão do tempo, a longo prazo, embora ainda não esteja claro como de fato influencia o clima na superfície.

Agora que você já sabe o que é a OQB e onde está situada, vamos analisar alguns mapas de previsão, para entendermos como ela funciona.

A OQB é classificada com base na velocidade e direção do vento em 30 hectopascal (hPa). Isso significa ser relativamente fácil prever a fase da OQB nos próximos meses. Para prever qual será a fase, é necessário apenas examinar as velocidades mais altas do vento, na estratosfera. Atualmente, o sistema encontra-se na fase leste (negativa).

A imagem acima mostra a análise do vento para o nível de 30 km da atmosfera – ou equivalente a 10 milibar (mb). Destaca-se a corrente de vento de leste acima das regiões tropicais. Atualmente, encontra-se em valores negativos, ou seja, predominam os ventos de leste. 

Influência sobre o El Niño_QGIS

A imagem acima mostra uma análise do vento para o nível de 24 km (30 mb), com destaque para os ventos de leste mais fracos sobre o Equador, na estratosfera. Isso ocorre porque a OQB está diminuindo com o tempo. Assim, no final do inverno (no próximo mês de setembro), os ventos de leste neste nível tendem a se fortalecer, à medida que descem dos níveis mais altos.

>> Leia também: Oceanos mais quentes: o que esperar para o clima brasileiro?

Previsão da fase de OQP para o próximo verão

A imagem acima mostra como predominou cada fase da OQP, nos últimos três anos. Você pode observar que no verão 2020-2021, estava ativa uma fase OQB de oeste. Depois, em 2021-2022 veio uma fase negativa, seguida por uma fase positiva, no último verão. Para o verão 2023-2024, já começa a descer a nova fase negativa. 

Até agora, no ano de 2023, observa-se uma descida rápida dos ventos de leste. Esse processo acelerou no início do outono (no último mês de junho), e continua até hoje. 

Uma análise recente de radiossonda em Cingapura também mostra como está a direção do vento acima dos trópicos. Os dados mostram ventos de leste em torno do nível 10-30mb, confirmando que a fase OQB de leste está descendo e será predominante no próximo verão.

O gráfico abaixo mostra as anomalias do vento zonal, nos últimos 40 anos, a cerca de 24 km de altitude. A mudança na direção do vento, na estratosfera, é como observar o pulso de um coração, passando de uma fase para outra em intervalo normalmente regular.

A imagem abaixo mostra a previsão para a OQB, destacando os ventos zonais globais sobre o Equador, com base em dados de previsão sazonal do European Centre for Medium-Range Weather Forecasts (ECMWF). Observe a OQB de leste descendo mais para baixo, durante a primavera e o verão. Essa previsão confirma uma fase OQB de leste madura em vigor durante o verão 2023-2024.

>> Leia também: Previsão indica pico de El Niño no verão de 2024

Sistema atmosférico pode impulsionar o El Niño

A OQB é uma influência significativa para o clima, durante o verão, pois pode afetar a corrente de jato polar. A potência e a direção dos ventos na corrente de jato polar podem mudar com a força da OQB. A corrente de jato é uma característica atmosférica decisiva para o clima global.

As condições de inverno no Hemisfério Sul podem ser diferentes, em cada uma das fases da OQP:

- Fase de OQB negativa (de leste): há uma chance maior de uma corrente de jato mais fraca, eventos repentinos de aquecimento estratosférico e invernos mais frios no Brasil.

- Fase de OQB positiva (de oeste): a chance aumenta para uma corrente de jato mais forte e circulação polar. Isso significa um inverno mais ameno, já que o ar mais frio fica preso nas regiões polares, havendo mais dificuldade de escapar da forte circulação.

As ondas Kelvin e Rossby desempenham um papel crucial na formação da OQB. As ondas de Kelvin são perturbações atmosféricas que trafegam para leste, ao longo do Equador; já as ondas de Rossby se propagam em direção ao oeste. Quando as ondas Kelvin são mais fortes que as ondas Rossby, elas causam a fase leste da OQB. Ao contrário, quando as ondas Rossby são mais fortes, causam a fase oeste.

A OQB tem um impacto significativo nos padrões climáticos globais. Estudos mostraram que a OQB pode influenciar no tempo e na intensidade das monções da Índia e do Leste asiático. Também pode aumentar a gravidade dos eventos de El Niño e a formação de ciclones tropicais, nos oceanos Atlântico e Pacífico. Também pode afetar os padrões climáticos de inverno nos Estados Unidos e na Europa.

A OQB interage ainda com outros sistemas atmosféricos, como o El Niño Oscilação Sul (ENOS) e a Oscilação do Atlântico Norte (OAN). A interação entre a OQB e o ENOS pode afetar o início e a intensidade dos eventos de El Niño. Já a interação entre a OQB e o OAN pode influenciar os padrões climáticos de inverno na Europa.

Pode parecer complicado, mas a principal conclusão é que a OQB ajuda no forçamento tropical geral, incluindo o ENOS. É por isso que uma OQB não significa uma situação meteorológica fixa, pois uma resposta OQB de leste pode ser diferente durante um La Niña ou um El Niño. Na atual situação de 2023, a fase OQB de leste tende a impulsionar e tornar o El Niño mais intenso. 

>> Leia também: Novo satélite Meteosat vai revolucionar as previsões meteorológicas

Mais informações

O conteúdo deste post foi aprofundado no Livro "Um século de secas". A obra analisa a influência de fenômenos como o El Niño e o oceano Atlântico nas secas ocorridas no Semiárido brasileiro, no período 1901-2016. 

COMO CITAR ESTE ARTIGO:

LETRAS AMBIENTAIS. [Título do artigo]. ISSN 2674-760X. Acessado em: [Data do acesso]. Disponível em: [Link do artigo].

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