Na última terça-feira, dia 05 de novembro, a autoridade marítima da Grécia notificou cinco petroleiras daquele país, incluindo a Delta Tankers, a prestarem esclarecimentos solicitados pela Marinha do Brasil. O motivo é o suposto envolvimento de suas embarcações com a poluição por óleo na Costa brasileira.
As embarcações gregas indicadas pela Marinha do Brasil como suspeitas de derramamento de óleo no Litoral do Nordeste são: Maran Apollo, Maran Libra, Bouboulina, Minerva Alexandra e Cap Pembroke.
A ação fez parte do desdobramento das investigações, iniciadas em 1º de novembro, quando a Marinha do Brasil e a Polícia Federal apontaram o navio grego Bouboulina como o principal suspeito pelo derramamento de óleo cru no Litoral do Nordeste. A empresa Delta Tankers, proprietária da embarcação, negou qualquer relação do seu itinerário com o incidente que afeta a Costa brasileira.
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Desde que foi deflagrada a “Operação Mácula”, pela Polícia Federal, o Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis) contestou a hipótese da Marinha do Brasil, que associava a origem das manchas de petróleo com o trajeto do navio-tanque Bouboulina.
O Laboratório encontrou uma imagem do satélite Sentinel-1A, no Litoral Norte do Nordeste, registrada em 24 de julho de 2019, possivelmente causada pelo vazamento de óleo a partir de um navio. De acordo com a análise, o navio Bouboulina só passou pelo local no dia 26 de julho, dois dias depois. Confira a análise completa neste link.
O avanço da pesquisa do Lapis, a partir de monitoramento por satélites e do rastreamento do itinerário dos navios-tanques, assegura que o derramamento de óleo não foi causado por uma das cinco embarcações gregas investigadas.
O pesquisador Humberto Barbosa encontrou indícios de que o petróleo bruto, derramado no mar, possivelmente partiu de um “dark ship”, um navio sem identificação, que passou pela Costa brasileira com o transponder desligado, sistema de rastreamento do navio por satélite. Os dados de navegação utilizados na pesquisa foram obtidos na plataforma Marine Traffic, provedora mundial de trajetórias de navios e inteligência marinha.
Foi rastreado e analisado todo o trajeto dos navios-tanques, de bandeira grega, que navegaram pela Costa brasileira, no período próximo à chegada das manchas de óleo nas praias do Nordeste. As embarcações também têm em comum o fato de transportarem carga de petróleo bruto, com origem e destino distintos.
Confira, a seguir, a análise do itinerário de cada embarcação e os motivos porque esses navios não são os responsáveis pelo vazamento de óleo que afeta o Litoral do Nordeste. Na sequência, iremos analisar a imagem de satélite processada pelo Lapis que levou à conclusão de que o óleo derramado no oceano pode ter partido de um navio “fantasma”.
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O Maran Apollo partiu, no dia 24 de julho, da ilha de Madagascar, com destino ao Terminal Portuário José, na Venezuela. Neste percurso de ida, o navio passou pela Costa brasileira, no período de 08 a 10 de agosto. No dia 25 de agosto, a embarcação retornou da Venezuela, seguindo o mesmo trajeto, em sentido inverso, com destino à Grécia, quando passou novamente pela Costa brasileira, no período de 30 de agosto a 08 de setembro.
Ocorre que no dia 30 de agosto, quando surgiram as primeiras manchas de óleo no município de Conde (PB), essa embarcação grega ainda navegava na altura do Pará, Maranhão e Piauí, mesmo assim, a cerca de 768 km, uma longa distância do Litoral.
O Lapis descarta haver qualquer relação entre um possível derramamento de óleo, pelo Maran Apollo, no Litoral do Nordeste. Pela análise da direção das marés e correntes oceânicas, não seria possível que manchas de óleo naquela área chegassem tão rápido à Paraíba. Também não foram encontradas imagens de satélites indicando qualquer vazamento de óleo por ali no período.
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Por fim, o navio passou pela Costa Leste do Nordeste somente a partir do dia 02 de setembro, quando o óleo já invadia várias praias do Nordeste. Além disso, as coordenadas geográficas, a data e horário em que o Maran Apollo passou pelo Litoral Norte do Nordeste não coincidem com o navio e mancha de óleo detectados pelo Lapis, em imagem de satélite.
O Maran Libra navegou pelo oceano Atlântico Sul, próximo ao Litoral brasileiro, no período de 22 a 27 de agosto, com destino ao Terminal Portuário José, na Venezuela. Novamente, no período de 18 a 27 de setembro, a embarcação retorna pela Costa brasileira, com destino à Índia.
Apesar de o navio ter passado próximo ao Litoral do Nordeste, no final de agosto, coincidindo com o aparecimento das primeiras manchas de óleo nas praias, tudo indica que ele também não foi o causador da poluição no mar.
No primeiro trajeto, a embarcação partiu de Madagáscar, com destino ao Porto de abastecimento de petróleo na Venezuela. Certamente, ela estava vazia quando passou pela Costa brasileira. A maior velocidade no trajeto de ida, em torno de 15 knots, também é um dos indicadores de que a embarcação navegava sem carga. Assim, não é possível que tenha poluído o mar nesse trajeto de ida.
Na viagem de retorno, também não há como associar um possível derramamento de óleo no mar, a partir do Maran Libra. Quando o navio voltou pela Costa brasileira, o óleo já causava grande estrago nas praias, desde o dia 30 de agosto.
Um evento que chamou atenção, no trajeto do Marah Libra, foi que a embarcação ficou sem sinal de identificação do seu trajeto, a partir da altura do Espírito Santo, em sua viagem de retorno. No período de 26 de setembro a 17 de outubro, o Maran Libra navegou desde o oceano Atlântico até próximo da Índia, sem rastreamento. Contudo, pela localização e pela data, o evento está longe de qualquer relação com o incidente no Nordeste brasileiro.
Apesar do desligamento do transponder, equipamento que permite o rastreamento do itinerário do navio, acredita-se que essa embarcação não teve relação com o vazamento de óleo que impactou o Nordeste. Além disso, toda a sua passagem pela Costa brasileira foi rastreada.
De todos os navios gregos investigados, o Bouboulina é o menos suspeito, apesar de todo o burburinho causado pelas autoridades brasileiras, na última sexta-feira, dia 1º de novembro. A trajetória dele foi bastante linear e os dados não apresentam qualquer registro de eventos inesperados pelo caminho.
O navio partiu do Terminal Portuário José, na Venezuela, em 18 de julho, com destino à Malásia, tendo passado pela Costa do Nordeste brasileiro, no período de 24 de julho a 02 de agosto. Em todo o trajeto, a embarcação manteve velocidade estável, sem paradas e com o transponder ligado.
De acordo com o Lapis, as datas e coordenadas geográficas do itinerário do Bouboulina não coincidem com a mancha de óleo detectada no Litoral Norte do Nordeste. Esse navio grego somente passou pelo local de uma possível mancha de derramamento de óleo dois dias depois, no dia 26 de julho. O satélite Sentinel-1A já havia registrado um possível rastro de óleo no dia 24 de julho.
Esses motivos levaram o Lapis a descartar também a relação dessa embarcação com o incidente do vazamento de óleo no Litoral do Nordeste.
O navio grego Minerva Alexandra partiu de Nova Orléans, nos Estados Unidos, em 30 de julho, com destino a Singapura, sem paradas. Em seu percurso, não houve passagem pela Venezuela para abastecimento do navio com óleo cru.
Assim, considerando que a Petrobrás e a Universidade Federal da Bahia (UFBA) garantem que o petróleo bruto derramado nas praias é proveniente de três campos da Venezuela, esse argumento seria, por si só, suficiente para descartar a sua relação com a poluição no Brasil.
A embarcação contornou a Costa do Nordeste brasileiro, no período de 13 a 22 de agosto. De acordo com o Lapis, analisando as datas e a localização da passagem desse navio, bem como o monitoramento por satélites, não foram encontradas possíveis manchas de óleo associadas a essa embarcação grega.
Desse modo, o Minerva Alexandra certamente não foi o causador do derramamento de óleo no Litoral do Nordeste.
O petroleiro grego Cap Pembroke partiu de Houston, nos Estados Unidos, em 29 de julho, com destino ao Rio de Janeiro, no Brasil, com uma passagem pelo Quebec, no dia 13 de agosto.
A embarcação navegou em trechos muito próximos à Costa do Nordeste brasileiro, no período 25 a 28 de agosto. Porém, um dos fatores que desvinculam essa embarcação do desastre ambiental por óleo no Litoral do Nordeste é de ela não ter passado pela Venezuela, para abastecimento com óleo cru.
Além disso, o monitoramento por satélites, realizado pelo Lapis, também não encontrou sinal de manchas de óleo que possam ter partido desse navio-tanque. O trajeto da embarcação não tem nenhuma relação com a mancha de óleo detectada pelo Laboratório no Litoral Norte do Nordeste.
A partir da análise dos cinco navios gregos investigados pelas autoridades brasileiras, identificamos que há grande probabilidade de as rotas deles não terem relação com o derramamento de óleo no litoral do Nordeste brasileiro.
Várias evidências foram fundamentais para montar esse “quebra-cabeça”: 1) imagem de satélite do Lapis que identificou um possível derramamento de óleo no Litoral Norte do Nordeste; 2) informações de inteligência em navegação, com dados da Marine Traffic; 3) data do surgimento das manchas de óleo na região; 4) direção das correntes oceânicas; 5) consideração de que o petróleo não é brasileiro, conforme atestado pela UFBA e Petrobrás.
Afinal, se os navios gregos suspeitos não foram responsáveis pelas manchas de óleo no Nordeste, teria sido outro navio-tanque identificado? Fizemos essa pergunta à Marine Traffic, que nos forneceu dados de outra embarcação, cuja rota passou pelo local da mancha de óleo identificada a partir de satélites, no Litoral Norte do Nordeste, durante o período investigado.
É o navio-tanque Gurupa, de origem brasileira, que costuma fazer várias viagens pelo Litoral do Nordeste, levando petróleo do Porto Suape, em Pernambuco, com destino a Fortaleza ou São Luís.
A embarcação saiu de Fortaleza, no dia 21 de agosto, contornou toda a Costa do Nordeste, até o Porto Suape, onde chegou em 23 de agosto. No dia 26 de agosto, fez o itinerário inverso, saindo do Suape, navegando pela Costa até Fortaleza, onde chegou em 28 de agosto. A embarcação ficou atracada ali até o dia 06 de setembro.
O navio-tanque foi facilmente eliminado da nossa investigação, em função de transportar GLP (Gás Liquefeito de Petróleo), e não óleo cru, durante seus vários trajetos pela Costa do Nordeste. O GLP é um petróleo leve, de baixa densidade, diferente do óleo cru, bastante pesado, encontrado nas praias do Nordeste brasileiro.
Além disso, não houve coincidência da localização do trajeto do Gurupa com a mancha de óleo identificada pelo Lapis, na imagem de satélite, no Litoral Norte do Nordeste.
Na última sexta-feira, dia 1º de novembro, o Letras Ambientais divulgou, com exclusividade, a pesquisa do Lapis que descartou a relação do navio grego Bouboulina com a poluição por óleo na Costa brasileira.
Desde então, com o aprofundamento das investigações pelo Laboratório, foi reforçada a hipótese de que o desastre ambiental pode ter sido causado por um navio-fantasma.
Sinais registrados pelas imagens de satélites indicam que a embarcação que derramou óleo no Nordeste certamente navegou pela região com o transponder desligado, o que não permitiria rastrear sua localização.
A imagem de satélite acima , a mais conclusiva da presença de óleo no Litoral do Nordeste, está localizada nas proximidades do Rio Grande do Norte. Nela, foi detectado a presença de um navio, imediatamente ao lado do possível rastro de poluição.
De acordo com o pesquisador Humberto Barbosa, responsável pela investigação no Lapis, chegou-se a essa conclusão após o monitoramento de toda a Costa do Nordeste brasileiro, a partir de imagens do Sentinel-1A.
Por se tratar de um satélite com Radar de Abertura Sintética (SAR), o Sentinel é considerado o mais moderno sensor para identificar desastres no mar ou em terra, pois emite energia em micro-ondas e o sinal recebido não tem interferência da atmosfera.
Observe na imagem acima, a grande mancha na região, e um ponto brilhante, na cor branca, que indica a passagem de um navio no momento do registro, não necessariamente a embarcação que derramou o óleo.
A imagem de satélite é do dia 24 de julho e identificou uma mancha de 86 km de extensão e de quase 1 km de largura, a 40 km de São Miguel do Gostoso, no Litoral do Rio Grande do Norte. A mancha varia de 40 a 1.200 metros de profundidade, de acordo com o trecho.
De acordo com a pesquisa, o navio que poderia estar associado com a grande mancha no Litoral Norte do Nordeste não está na lista das cinco embarcações gregas investigadas. Tampouco, é o navio brasileiro analisado. Possivelmente, a poluição foi originada a partir de um navio fantasma.
Na interpretação do sinal de óleo na imagem de satélite, o Lapis já descartou possíveis ruídos de fitoplâncton, topografia do fundo do oceano, correntes marítimas, nuvens ou brisas.
Veja no vídeo abaixo como a topografia do local não interfere na mancha de óleo capturada pelo satélite Sentinel-1A. As duas imagens estão na mesma referência geográfica (latitude e longitude). Quando colocadas uma sobre a outra, e comparadas, descarta-se a possibilidade de haver ruído da topografia na imagem de satélite.
Barbosa ressalta que certamente há uma continuidade da mancha de óleo na área que fica logo à esquerda da imagem de satélite. Porém, como o Sentinel-1A registra, naquele dia e horário, apenas uma faixa daquela área, certamente a mancha de óleo foi muito maior.
"Há uma sequência da ação. Há um antes e um depois da faixa do registro do satélite que ficaram ocultos. O olho do satélite só registra aquela faixa específica, pois já é uma geometria pré-definida. Parte do incidente não foi capturado. Mesmo assim, ele registrou muita coisa acontecendo ali que ainda estamos aprofundando as investigações", assegura o pesquisador.
"A única interferência possível seria a de o rastro, deixado pelo navio sobre a água, ter sido registrado pelo satélite. Porém, pela geometria, intensidade, espessura e tamanho da mancha, consideramos baixa a possibilidade de ter havido esse ruído”, completa Humberto Barbosa.
Além disso, havia outras embarcações paralelas navegando naquelas hidrovias, de modo que seus rastros também teriam sido detectados pelo satélite.
O pesquisador do Lapis também destacou a coincidência positiva de a imagem ter sido captada pelo Sentinel, às 8 horas da manhã, exatamente quando havia um navio ao lado da mancha. Outros satélites, que não possuem a tecnologia SAR, não registrariam imagens nesse horário, pois seus sensores são limitados pela questão da sombra.
Barbosa ressaltou que a dificuldade em se validar as imagens de satélites com a presença dos resíduos de óleo no mar ocorreu pela falta de uma ação de resposta mais rápida por parte do governo brasileiro.
A validação imediata do padrão do sinal de óleo, captado pelo satélite, imediatamente após o incidente, teria tornado menos complexo o processo de identificação da origem do desastre ambiental na Costa brasileira. Essa comprovação em campo teria permitido diferenciar, de forma mais rápida, ruídos de sinais de óleo nos produtos de satélites.
“Essa experiência inédita de monitoramento de óleo no mar nos levou à proposta de estruturar uma plataforma, com sistema de informações geográficas, que permitam observar informações estratégicas para acompanhamento de dados importantes para a segurança marítima no Brasil”, ressalta Barbosa.
A plataforma irá coletar dados de dutovias, portos, poços de exploração, rotas marítimas, bacias sedimentares, altimetria do fundo do oceano, marés, correntes oceânicas, velocidade dos ventos, entre outros que podem colaborar com a prevenção e resposta de desastres por derramamento de óleo no mar.
O Laboratório está buscando apoio de instituições ou empresas interessadas no estabelecimento e sistematização de protocolos de mapeamento que possam auxiliar na gestão de eventuais desastres ambientais por derramamento de óleo.
A vulnerabilidade do Brasil no monitoramento do tráfego marítimo, nas áreas de exploração de poços de petróleo, representa riscos ao seu patrimônio natural, apesar da sua enorme capacidade na extração de petróleo.
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LETRAS AMBIENTAIS. [Título do artigo]. ISSN 2674-760X. Acessado em: [Data do acesso]. Disponível em: [Link do artigo].
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