Que interesses políticos e econômicos estão em jogo no esclarecimento das causas do vazamento de óleo no Litoral do Nordeste? Vou começar contando a história de um recente acidente, provocado pela indústria de petróleo no Brasil. Em seguida, destacarei 5 fatos que ainda não te contaram sobre as misteriosas manchas de óleo no litoral do Nordeste.
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Em novembro de 2011, um vazamento de petróleo foi detectado nas proximidades do Campo de Frade, na Bacia de Campos, no litoral do Rio de Janeiro. O vazamento de óleo foi causado por falhas técnicas, durante a perfuração de um poço de petróleo, operado pela gigante petrolífera americana Chevron.
A mancha de óleo, em torno do poço de petróleo da Chevron, atingiu uma extensão de 68 km, e uma área de 160 km2. O acidente resultou na poluição do leito do mar com 3.700 barris de petróleo. Em março de 2012, novos vazamentos de óleo voltaram a ocorrer no local.
O plano de emergência da empresa para controlar o vazamento foi executado somente dois dias depois de iniciado o incidente. Na apuração do caso, a então Agência Nacional de Petróleo (ANP) constatou que a empresa americana mentiu e omitiu informações para esconder a sua responsabilidade pela ocorrência.
A petroleira Chevron chegou até mesmo a editar as imagens do local, cortando trechos que mostravam a real dimensão do problema. De acordo com a legislação que regulamenta o setor, o fornecimento das informações sobre o incidente do vazamento é obrigatório, por parte da empresa infratora, tanto para a Agência reguladora quanto aos órgãos ambientais.
Quando ocorreu o acidente, a empresa suíça TransOcean prestava serviços de perfuração para a Chevron, no Campo de Frade. Aquela companhia esteve envolvida em um dos maiores desastres da história da indústria petrolífera mundial, quando fazia perfurações na plataforma Deepwater Horizon, no Golfo do México, a pedido da British Petroleum (BP), em abril de 2010.
No trágico acidente no México, a plataforma explodiu e vazou 4,9 milhões de barris para o mar, durante 87 dias, chegando a atingir praias dos Estados Unidos. Na ocasião, onze trabalhadores morreram. Os danos à flora e à fauna foram incalculáveis.
A própria Chevron também já tinha um histórico de desastre ambiental, por ter contaminado grandes áreas da Amazônia equatoriana, no período de 1964 a 1990. Pelo menos 30 mil pessoas, entre camponeses e indígenas, foram afetadas. No Equador, os tribunais multaram os anos de poluição não controlada da Chevron, em 19 bilhões de dólares.
Diferentemente do Equador, as ameaças de expulsar a Chevron do Brasil, suspender suas atividades, processá-la e aplicar-lhe uma multa de R$ 20 bilhões, pelos danos causados ao ecossistema marinho, foram reduzidas, na prática, a um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).
A multinacional foi praticamente inocentada pelos tribunais brasileiros. Houve apenas uma penalidade irrisória de R$ 95 milhões, em compensações ambientais, podendo logo a empresa retomar suas atividades de exploração e transporte de petróleo.
As operações de extração e carregamento de petróleo no mar são atividades de alto risco ambiental. O vazamento de óleo no Litoral nordestino já é considerado o mais extenso desastre ambiental dessa natureza já ocorrido no País. Desde 30 de agosto de 2019, resíduos de petróleo cru invadem as praias da região.
Segundo o mais recente balanço do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), atualizado no dia 19 de março de 2020, um total de 1009 locais já foram afetados pelo óleo, em 130 municípios. O óleo já atingiu 11 estados, sendo os nove estados do Nordeste e mais dois estados do Sudeste.
Desde janeiro de 2020, os órgãos responsáveis pela gestão emergencial do desastre passam por um processo de desmobilização. Nesta fase, a situação se encaminha para a normalidade, havendo apenas o acompanhamento e limpeza do óleo residual, visando reduzir as áreas com vestígios.
O Espírito Santo foi o primeiro estado da região Sudeste a ser atingido pelo óleo, no dia 07 de novembro. No último dia 22 de novembro, o óleo chegou ao município de São João da Barra, no Rio de Janeiro, quando atingiu o estado pela primeira vez.
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Desde o dia 21 de outubro de 2019, cerca de 5 mil soldados do Exército reforçaram a limpeza das praias de toda a região atingida pelo óleo. No último dia 13 de novembro, a Marinha do Brasil deslocou um navio de pesquisa oceanográfico para coletar dados das manchas de óleo no Nordeste. Um total de 244 fuzileiros navais também foram mobilizados para ações de limpeza do Litoral nordestino.
Até agora, o Ibama tem conhecimento de 135 animais afetados pelo óleo (sendo 98 deles mortos e 37 vivos, dentre tartarugas marinhas, aves, peixes e répteis). Um total de 2.814 filhotes de tartarugas marinhas foram capturadas preventivamente na Bahia e em Sergipe.
Pelo menos 14 unidades de conservação já foram poluídas pelo petróleo cru no Litoral do Nordeste, segundo levantamento do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). As áreas atingidas são: Parques Nacionais, Áreas de Proteção Ambiental, Reservas Extrativistas, Reservas Biológicas e Áreas de Relevante Interesse Ecológico.
Animais como corais, peixes, aves, peixes-boi e tartarugas marinhas estão criticamente ameaçados. Além do impacto direto do óleo em seu corpo, o seu habitat e a alimentação estão comprometidos.
A extensão dos danos do óleo poluente é enorme. O derramamento de óleo é considerado o maior acidente ambiental em extensão no País, com 2.100 km de manchas oleosas, que já atingem desde o Espírito Santo até o Maranhão.
Afinal, de onde está vindo todo esse óleo que contamina as praias do Nordeste? Quem será responsabilizado pelos danos ambientais, socioeconômicos e ao patrimônio público? Que incidente pode ter ocorrido e onde? Que hipóteses estão sendo consideradas para explicar o incidente do vazamento?
Outras perguntas importantes: o governo brasileiro tomou as medidas emergenciais adequadas de resposta ao desastre? Que ferramentas podem contribuir para o monitoramento do óleo no mar? Que prejuízos o desastre ambiental tem acarretado à União, estados e municípios?
A seguir, iremos analisar os 5 fatos essenciais que não te contaram sobre o desastre ambiental de poluição por óleo das praias do Nordeste.
Os primeiros registros da chegada de manchas de petróleo no Litoral do Nordeste ocorreram no dia 30 de agosto, na Paraíba, nas praias de Gramame, Tambaba e Jacumã (município do Conde), e na praia Bela (município de Pitimbu).
No incidente no Campo de Frade, a empresa responsável pela poluição tinha nome e endereço, bem como adotou as ações emergenciais para controle do vazamento. Diferentemente, no Litoral do Nordeste, até hoje não se sabe qual fato extraordinário ocasionou a enorme poluição hídrica do mar.
Mais de dois meses após o início da chegada dos resíduos às praias do Nordeste, a origem do vazamento de óleo continua desconhecida. Até o momento, temos apenas perguntas: o que de fato aconteceu? Qual foi o local da origem do vazamento ou derramamento de óleo? Quando se deu o incidente? Por que ele ocorreu? Quem foi o responsável pelo crime ambiental? Por que o desastre foi ocultado pelo poluidor?
No dia 1o de novembro, a Polícia Federal deflagrou a "Operação Mácula", para investigar a autoria de um possível derramamento de óleo no Litoral do Nordeste, a 733,2 km da Costa da Paraíba. O principal suspeito é o navio Bouboulina, de origem grega, que transportava petróleo cru da Venezuela para a Malásia.
Porém, especialistas do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis) contestam a hipótese da Marinha do Brasil sobre a origem do vazamento. Uma das hipóteses defendidas é de que o vazamento de óleo pode ter partido de um navio fantasma, que navegava a 40 km de São Miguel do Gostoso (RN), no Litoral Norte do Nordeste.
É provável que a embarcação estava com o transponder desligado, equipamento que identifica rastreia todo o seu itinerário e localização.
Com o avanço das investigações, o Lapis já identificou uma grande mancha de óleo, a partir de imagens do satélite Sentinel-1A e do satélite Acqua Modis. O grande derramamento de óleo foi detectado no dia 24 de julho, nas proximidades do Rio Grande do Norte. Veja as imagens e a análise completa neste artigo atualizado.
Os resíduos de petróleo encontrados no Litoral do Nordeste não têm relação com a passagem dos cinco navios gregos investigados pela Marinha do Brasil, incluindo o Bouboulina. Este artigo é bastante esclarecedor sobre o avanço das investigações.
A legislação ambiental brasileira e internacional tem como foco prevenir acidentes, que fazem parte das atividades de risco do setor de petróleo. Porém, uma vez ocorrido, poderá haver desdobramentos em pelo menos três áreas distintas.
São elas: na obrigação de medidas de reparação pelo infrator, nas penas administrativas impostas pelos órgãos ambientais e nas implicações de ordem criminal. Uma atuação ágil e efetiva por parte do poluidor é fundamental para minimizar as penalidades aplicadas.
Foi o caso do acidente no Campo de Frade, no qual a Chevron adotou ações emergenciais para conter a poluição no mar. Embora tenha praticado a irregularidade de tentar esconder das autoridades brasileiras a real proporção do crime ambiental praticado, sua penalidade foi minimizada.
De acordo com cada caso de poluição, pode-se afastar a possibilidade do crime ou minorar a pena ao infrator, com aplicação de multas altas ou não. Vai depender da atuação da empresa no sentido de mitigar e reparar o dano.
No Brasil, há dificuldades em se fazer cumprir a sua legislação ambiental, tanto na prevenção quanto na aplicação de penalidades previstas pelos danos causados às florestas, minérios, águas, solos, biodiversidade etc.
No oceano, o problema é ainda mais complexo. Os possíveis eventos de derramamento de óleo costumam ser de caráter aleatório e as grandes extensões oceânicas estão potencialmente susceptíveis a esses incidentes.
A conjuntura é bastante propícia para que o poluidor fuja do local ou se omita da responsabilidade pelos danos causados em águas brasileiras. Um dos fatores é que a Marinha não costuma acompanhar as operações que autoriza ser realizada em alto mar, como ocorre em muitos países. Essa situação pode ter ocorrido com o incidente de poluição hídrica que hoje atinge as praias do Nordeste.
A lição do derramamento de petróleo no mar do Nordeste mostra a enorme limitação do Brasil para lidar com essas questões, apesar de haver algumas iniciativas jurídicas e institucionais nesse sentido, desde o acidente em Campo de Frade.
Desde 2013, foi instituído o Decreto nº 8.127, definindo o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Águas sob Jurisdição Nacional (PNC). A legislação estabeleceu todas as instruções sobre o que fazer e como proceder, em caso de uma situação emergencial de vazamento por óleo em águas brasileiras.
O objetivo é permitir a atuação coordenada dos setores público e privado para ampliar a capacidade de resposta imediata em incidentes de poluição por óleo que possam afetar as águas nacionais. Essa ação de resposta pode minimizar danos ambientais, prejuízos socioeconômicos e ameaças à saúde pública.
O Decreto determina responsabilidades de entes públicos e privados, em caso de poluição por derramamento de petróleo no mar. Também aponta as atribuições dos 17 ministérios envolvidos na elaboração do PNC, para ação emergencial, em casos de descarga de óleo nas águas, inclusive aquelas de responsabilidade ainda indeterminada.
Apesar de o País dispor desse importante instrumento jurídico-institucional, os protocolos de ação nele previstos não foram imediatamente acionados para controlar a poluição nas praias do Nordeste.
Um aspecto que pode ter dificultado a resposta do governo ao desastre ambiental é que, em abril deste ano, foram extintos dois comitês previstos na estrutura do PNC: o Executivo e o de Suporte.
Assim, diante da atual emergência de poluição por óleo no Litoral do Nordeste, foi criado apenas um Grupo de Acompanhamento e Avaliação, conforme previsto no Plano de Contingência. Ele é composto por representantes da Marinha, do Ibama e da ANP, que analisam a situação e definem prioridades.
O PNC deveria ter sido acionado, em estrita observação ao previsto na legislação brasileira, instituindo um comitê de crise para executar, avaliar e dar suporte às ações, de maneira emergencial.
Logo quando apareceram os primeiros sinais de contaminação das praias do Nordeste, as prováveis causas do vazamento de óleo e os responsáveis deveriam ter sido imediatamente investigados. Segundo especialistas, uma ação de resposta mais rápida teria facilitado a investigação e a identificação do infrator.
O governo brasileiro, especialmente o Ministério do Meio Ambiente, autoridade legalmente constituída para coordenar o plano de ação, foi omisso e negligente em relação ao melhor controle do vazamento de óleo que afetou o Litoral do Nordeste brasileiro.
Somente cinco semanas depois do início da poluição nas praias do Nordeste, o governo brasileiro passou a considerar o problema. A contaminação da área com petróleo cru é o maior crime ambiental em extensão da história do Brasil.
Para facilitar as investigações, logo após os primeiros registros da poluição nas praias do Nordeste, o governo deveria ter analisado imagens de satélites e a Marinha autuado, imediatamente, os navios em rota na região.
Os efeitos dessas ações podem ser inócuos se iniciados somente um mês depois, como ocorreu no caso do desastre no Nordeste.
Investigadores consideram o caso complexo e inédito, pela extensão da área atingida e pela duração do vazamento. A Marinha do Brasil analisou pelo menos 140 navios-tanque, que passaram pelo Litoral nordestino, com carga de petróleo cru, durante o período.
Porém, a supeita de que foi um dos cinco navios gregos investigados que derramou óleo no Litoral do Nordeste é contestada por especialistas. Leia mais sobre o assunto neste artigo.
Além de não ter havido comunicação do incidente por parte do poluidor, o governo brasileiro perdeu tempo para identificar informações relevantes, capazes de esclarecer o incidente ocorrido em alto mar.
Essa investigação imediata seria importante porque, de acordo com o PNC, deverá haver o posterior ressarcimento das despesas pelo agente poluidor, caso venha a ser identificado. Enquanto o culpado pelos danos não seja determinado, a responsabilidade e os custos relativos às atividades de resposta e mitigação passa a ser da União.
Dentre as medidas previstas no PCN, a serem adotadas de imediato, após o incidente, os estados não foram mobilizados a tomarem medidas como resgate e tratamento dos animais afetados. Não foi criado o comitê diretor do plano de contingenciamento. Não foram dadas informações à população e também não foi criado um limite temporário de pesca e consumo de peixe.
Também não foram estabelecidos os protocolos adequados para ações de limpeza ambiental nos locais afetados, bem como medidas de proteção de águas interiores, que eventualmente pudessem ser afetadas pela poluição, incluindo a água utilizada para consumo humano.
Dentre as áreas ambientais sensíveis, estão: foz de rios, pontos de captação de água, mangues e Unidades de Conservação. No dia 09 de outubro, manchas de óleo foram encontradas na foz do rio São Francisco, no município de Piaçabuçu (AL).
Na sexta-feira, dia 18 de outubro de 2019, o Ministério Público Federal (MPF) moveu uma ação pedindo que a Justiça obrigasse o governo federal a acionar, em 24 horas, o PCN. O pedido, em caráter de urgência, buscava ampliar o combate ao derramamento de óleo que atinge a costa do Nordeste do Brasil. Na ação, o MPF alegou omissão e inércia da União diante da extrema gravidade do desastre ambiental.
A imagem acima, do satélite Sentinel-1A, mostra o derramamento de óleo do navio iraniano Sabiti, com carga de 1 milhão de barris de petróleo bruto, provocando poluição marinha e costeira severa.
O Brasil ainda não possui um sistema operacional de monitoramento para observar, de forma permanente, ocorrências de derramamento de óleo no mar.
O assunto é dos mais relevantes para a segurança das águas brasileiras. Plataformas em alto mar trabalham diuturnamente na extração de petróleo, muitas delas ao longo da grande extensão da Costa brasileira.
A Agência Espacial Europeia (ESA) possui um monitor ativo para identificar incidentes de derramamento de óleo em alto mar. O controle é feito por meio de monitoramento pelo satélite Sentinel.
Desde 2013, após a instituição do PNC, o Ibama foi designado para lidar com derramamentos de óleo nas águas brasileiras, em conjunto com a Marinha e a ANP.
Em 2014, o Ibama assinou um acordo de cooperação com a União Europeia e o satélite europeu Sentinel foi direcionado para o Brasil, passando a cobrir as Bacias de Campos, Santos e Espírito Santo, além do polígono do pré-sal. A proposta era que as imagens do satélite europeu permitissem uma nova dinâmica para identificação e ação rápida, em caso de poluição de óleo.
O objetivo era adquirir conhecimento sobre normas e legislação, referente a planos de contingência de países europeus, e atendimento a emergências ambientais no mar, com movimentação de óleo e demais produtos perigosos.
Isso evitaria que os órgãos que compõem o PNC só ficassem sabendo de acidentes com óleo se a empresa poluidora comunicasse o ocorrido. Essa cooperação também envolve o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), para que as imagens pudessem ser enviadas em tempo real ao Brasil.
O Ibama está desenvolvendo o Sistema de Informações Sobre Incidentes de Poluição por Óleo em Águas Sob Jurisdição Nacional (Sisnóleo). A proposta é que as manchas de óleo captadas pelo Sentinel sejam identificadas automaticamente. O objetivo do sistema é consolidar e disseminar, em tempo real, informação geográfica sobre prevenção, preparação e resposta a incidentes de poluição por óleo.
O PCN previa que o Ibama iria implantar o sistema no prazo de dezoito meses, após a publicação do Decreto, mantendo-o permanentemente atualizado.
Apesar do preceito legal em vigor, os órgãos ambientais mostraram-se despreparados para atuar, de maneira efetiva, em uma emergência ambiental dessa natureza, como no caso da poluição por óleo no Litoral do Nordeste.
Em audiência pública na Comissão de Meio Ambiente do Senado, no dia 17 de outubro de 2019, o presidente do Ibama, Eduardo Bim, disse que o desastre é inédito no mundo e que conter os resíduos ainda é um desafio.
A Petrobras concluiu que o óleo que polui as praias do Nordeste não é produzido, comercializado nem transportado pela estatal, mas originado de campos venezuelanos. A Universidade Federal da Bahia (UFBA) também confirmou a origem do petróleo. As investigações sobre a origem das manchas de óleo estão sendo conduzidas pela Marinha e Polícia Federal.
De acordo com o Ibama, o poluente que atinge o Nordeste brasileiro é pesado e fica submerso quando está em alto mar. Por essa razão, as manchas não são visualizadas em imagens de satélite, sobrevoos e monitoramento com sensores para detecção de óleo.
Durante o evento no Senado, o almirante Alexandre Rabello de Faria, chefe do Comando de Operações Navais da Marinha, destacou as dificuldades para investigar a origem do vazamento de óleo no mar.
Ele afirmou que não se sabe se a situação já está controlada ou qual volume de petróleo ainda chegará ao litoral do Nordeste. De acordo com a Marinha, o óleo avança no fundo do mar e os satélites não conseguem identificar essas manchas debaixo da água. Só é possível detectá-las já próximo à Costa.
Apesar do que diziam as autoridades brasileiras, o pesquisador do Lapis, Humberto Barbosa, encontrou uma grande mancha de óleo, a partir de imagens dos satélites Sentinel-1A e Aqua-Modis, no dia 24 de julho de 2019.
A hipótese do pesquisador é que essa mancha pode explicar a origem do vazamento de óleo que afeta o Litoral brasileiro.
As imagens de satélites indicam que houve um vazamento de óleo no Litoral Norte do Nordeste, a 40 km da Costa do Rio Grande do Norte. A mancha detectada era de, pelo menos, 85 km de extensão, por menos de 1 km de largura.
O derramamento de óleo identificado não coincide com a trajetória dos cinco navios gregos investigados pela Marinha do Brasil e pela Polícia Federal. Provavelmente, partiu de um navio-fantasma. Leia detalhes da investigação do Lapis neste artigo.
No dia 16 de outubro, a Marinha recolheu um barril cheio de óleo, com o logotipo da petrolífera transnacional Shell, próximo a Natal. Na semana passada, um tambor semelhante também foi encontrado no Litoral de Sergipe.
Análises feitas pela Universidade Federal de Sergipe (UFS) verificaram que o material encontrado no barril, naquele estado, é o mesmo das manchas de óleo que atingem as praias nordestinas.
O conteúdo do barril encontrado Rio Grande do Norte está sendo analisado pela Marinha. Existe a suspeita de que haja relação dos barris com o desastre ambiental sem precedentes nas praias do Nordeste.
A empresa Shell afirmou que não transporta óleo cru, como este encontrado no Nordeste, em rotas transatlânticas. Que os barris são originalmente utilizados para transportar argina, lubrificante para embarcações, e acredita que tenham sido reutilizados por terceiros.
A multinacional, fabricante e dona original dos tambores de lubrificantes, encaminhou ao governo brasileiro dados de dois compradores dos produtos encontrados no Brasil. Os clientes da Shell já estão sendo investigados pela Marinha.
Até agora, as circunstâncias do vazamento de petróleo na Costa do Nordeste não foram esclarecidas, mas os prejuízos ambientais e socioeconômicos são incalculáveis. Sergipe e Bahia já decretaram situação de emergência por conta do problema.
Os pescadores artesanais são os mais afetados pelo desastre ambiental por vazamento de óleo no Litoral brasileiro. Seu principal meio de garantir o sustento foi diretamente atingido pela contaminação.
No dia 23 de outubro, o governo federal reconheceu situação de emergência no município de São José da Coroa Grande (PE), no Litoral Sul de Pernambuco. No dia 17 de outubro, as manchas de óleo invadiram, mais uma vez, praias da localidade. Em situação de emergência, o município conseguiu recursos federais para limpeza das praias afetadas e transporte do material removido.
São José foi o primeiro município a ser atingido, após a reincidência do óleo nas praias de Pernambuco. No estado, as manchas de petróleo também poluíram praias dos municípios de Tamandaré, Sirinhaém, Rio Formoso, Barreiros, Ipojuca, Cabo de Santo Agostinho, Jaboatão dos Guararapes e Paulista.
Até o dia 24 de outubro, cerca de 958 toneladas do produto já haviam sido recolhidas do litoral pernambucano. O governo daquele estado recomendou que a população evite banho de mar apenas nas áreas com manchas de óleo. Biólogos defendem que as áreas afetadas deveriam ser interditadas até ser feita uma avaliação química adequada das águas.
Nesses municípios atingidos pelo óleo, no Litoral nordestino, a geração de emprego e renda à população depende de atividades de turismo e pesca artesanal, diretamente prejudicadas pelo desastre ambiental. Trabalhadores da região deixaram de pescar por conta da poluição da água e peixes inadequados ao consumo.
O Ministério da Agricultura informou, na última quarta-feira, dia 16 de outubro, que vai antecipar o seguro-defeso a pescadores atingidos por manchas de óleo. É um auxílio, no valor de um salário mínimo, transferido a pescadores, no período de paralisação temporária da atividade, para a reprodução e preservação das espécies.
Desde o início da contaminação, comerciantes relatam queda de até 40% no movimento das praias, muitas delas já consideradas impróprias para banhos. Cada vez mais turistas cancelam ou adiam suas viagens ao Litoral do Nordeste, justamente quando o setor voltava a aquecer.
Foi com muita perplexidade que a população se deparou com a chegada das manchas de óleo ao Litoral do Nordeste, mesmo ainda sem entender a real dimensão do problema. Diante do incidente da poluição, o que resta é recolher os resíduos, em uma exaustiva ação de emergência ambiental, para minimizar os impactos.
Nas últimas semanas, uma coalisão formada por centenas de voluntários se mobilizou para limpar o misterioso óleo, em mais de 100 praias do Nordeste. A maioria deles são pessoas que dependem do mar para garantir o próprio sustento.
Na ausência de informações adequadas sobre os riscos do lodo tóxico à saúde, muitos voluntários manipularam e coletaram o material sem o uso dos devidos Equipamentos de Proteção Individual (EPI). São eles: luvas de látex, máscaras de gás, botas, óculos de proteção e calça comprida.
Expostas ao óleo combustível, essas pessoas ficaram suscetíveis a diversos tipos de doenças. Especialistas alertam para a presença de compostos como benzeno e hidrocarbonetos, no petróleo vazado.
São substâncias perigosas, altamente tóxicas, que afetam a pele, os pulmões das pessoas e podem ser inaladas. Elas podem provocar dermatites, intoxicação aguda (com náuseas e dor de cabeça), anemia, infecções e até mesmo cânceres sanguíneos. Em São José da Coroa Grande (PE), 17 voluntários foram hospitalizados, após contato com o óleo.
O Ibama realiza a avaliação do impacto ambiental e orienta as ações de resposta à fauna, bem como sobre a destinação correta de resíduos e sobre a remoção do óleo, definindo prazos das ações de limpeza e quais os ambientes devem ser priorizados. O Instituto requisitou apoio da Petrobras para atuar na limpeza das praias atingidas.
No final do dia 20 de outubro, mais de 600 toneladas de resíduos havia sido retirados das praias afetadas por óleo. A informação foi confirmada pelo Grupo de Avaliação e Acompanhamento (GAA), formado pela Marinha, ANP e Ibama.
A atividade de limpeza das praias é bastante desafiante, em função da característica do poluente: uma borra bastante pesada e de difícil remoção. Em algumas praias, mesmo após a limpeza, os resíduos tornaram a aparecer por causa da maré.
Desde o dia 12 de setembro, a Petrobrás mobilizou 1,7 mil agentes ambientais para a limpeza das praias e 50 funcionários para planejar a resposta ao desastre ambiental. Fuzileiros navais da Marinha, agentes municipais e voluntários também trabalham na ação de limpeza.
Como não há confirmação do volume da descarga de petróleo nas águas, existe a possibilidade de esse material ser liberado gradualmente e as praias voltarem a receber o poluente.
A descarga de óleo nas águas marítimas e nas praias do Nordeste poderá onerar os municípios e estados atingidos.
As iniciativas de monitoramento de vazamento de óleo no mar passam pela análise dos dados oceanográficos e meteorológicos. A localização de um provável grande vazamento, ocorrido recentemente em águas brasileiras, ainda é totalmente desconhecida. É a ação dos ventos e das correntes marinhas que transportam o material derramado às praias do Nordeste.
O pesquisador Humberto Barbosa, do Lapis, explicou os fatores meteorológicos que influenciam na chegada de resíduos de petróleo à Costa do Nordeste.
Ele explicou que centros de alta pressão, no oceano Atlântico Sul, têm gerado ventos bastante intensos, vindas do leste, em direção à Costa brasileira.
Uma área de instabilidade no oceano, com centro de baixa pressão, próximo ao Sul do Brasil, formou um ciclone extratropical. Assim, atualmente, os ventos estão mais intensos naquela área, perturbando e tornando maiores as ondas do mar, que seguem em direção à costa do Nordeste.
“Quando combinados, esses ventos intensos de leste arrastam fortes ondas do Sudeste, em direção à Costa do Nordeste, trazendo mais poluição de petróleo para as praias da região. Foi o que observamos na semana passada e possivelmente se repita a partir de amanhã”, destaca Barbosa.
O vazamento de óleo no Litoral do Nordeste é o mais extenso já ocorrido no Brasil. Até agora, muitas são as interrogações: por que a origem do incidente ainda não foi explicada? Que interesses do governo brasileiro podem estar em jogo em relação ao esclarecimento do fato?
Além disso, se os navios gregos não foram culpados pelo incidente, como estão as investigações oficiais? O petróleo realmente é oriundo da Venezuela? Qual a relação entre os tambores da Shell, encontrados no Litoral nordestino, e um possível acidente não informado às autoridades brasileiras, envolvendo um ou mais navios-tanques?
Este ano, já divulgamos aqui desastres como o rompimento da barragem de mineração, em Brumadinho (MG), as queimadas na Amazônia e agora o vazamento de petróleo em praias do Nordeste. Que lições esses desastres ambientais deixam para o governo brasileiro no planejamento e medidas de prevenção mais firmes para evitar esses desastres?
A dimensão dos impactos socioeconômicos e ambientais no Litoral do Nordeste ainda está longe de ser mensurada, especialmente para os ecossistemas, a pesca artesanal e as atividades turísticas.
Também ainda é cedo para concluir sobre a real abrangência geográfica das áreas afetadas pelas manchas de óleo, pois não sabemos o que ainda está por vir. Inclusive, se há possibilidade de a descarga atingir águas de outras regiões do País ou de países vizinhos.
Esperamos que as investigações realmente esclareçam as causas e responsabilidades do despejo de petróleo cru que atingiu o Litoral nordestino. E que as sanções sejam compatíveis para evitar que crimes ambientais como esses se repitam.
Na sua opinião, o governo brasileiro conseguirá esclarecer o fato? O Brasil possui as ferramentas para fazer a gestão emergencial de um desastre ambiental tão complexo? Se você curtiu este post, deixe seu comentário.
*Post atualizado em: 22.03.2020, às 09h36.
Acompanhe a cobertura completa:
Novas pistas podem esclarecer definitivamente origem do óleo no Nordeste
Mais um satélite detecta grande vazamento de óleo próximo ao RN
Por que os 5 navios gregos não poluíram o Litoral do Nordeste?
Mancha de óleo por navio no Rio Grande do Norte pode não explicar origem do vazamento
Laboratório detecta imagem de satélite que pode explicar origem do óleo no Nordeste
LETRAS AMBIENTAIS. [Título do artigo]. ISSN 2674-760X. Acessado em: [Data do acesso]. Disponível em: [Link do artigo].
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