Na manhã desta sexta-feira, dia 1º de novembro, a Polícia Federal deflagrou a “Operação Mácula”, para investigar a origem e autoria do derramamento de óleo no Litoral do Nordeste, próximo ao Rio Grande do Norte.
EXCLUSIVO - Novas pistas podem esclarecer definitivamente origem do óleo no Nordeste
O desastre ambiental já atingiu mais de 643 localidades, desde 30 de agosto de 2019. A Polícia Federal afirma ter identificado uma imagem de satélite, do dia 29 de julho, relacionada a uma mancha de óleo, a 733,2 km da Costa brasileira, a leste da Paraíba.
Em nota, a Marinha do Brasil afirmou que o navio petroleiro Bouboulina, de origem grega, é o principal suspeito, pois navegava na área de surgimento da mancha, naquele dia, transportando petróleo cru, oriundo da Venezuela. As investigações continuam.
Especialistas da organização norte-americana Skytruth, especializada em análises do mar, avaliaram que as imagens divulgadas pelas autoridades brasileiras não indica óleo e que o navio grego Bouboulina não originou o derramamento. A análise daquela organização, que reúne empresas como Google e Oceana, confirma as hipóteses do Lapis. Leia mais neste artigo.
A petroleira Delta Tankers, responsável pelo navio-tanque Bouboulina, afirmou, por meio de nota, no dia 02 de novembro, não haver provas de que o navio vazou óleo na Costa do Brasil. Também informou que a empresa não foi procurada por autoridades brasileiras.
A Delta Tankers assegurou ainda que não há indícios de que o navio tenha parado, realizado qualquer tipo de transferência de um navio para outro, desacelerado ou desviado de rota, em seu caminho da Venezuela à Malásia. "O navio descarregou toda a carga na Malásia, sem qualquer falta", diz o texto.
O Lapis teve acesso aos dados de todo o itinerário do navio Bouboulina, com os respectivos locais e horários do seu trajeto, da Venezuela até a Malásia, conforme imagem acima. Verificamos que, aparentemente, não houve paradas do navio durante o percurso.
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O Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis) tem desenvolvido metodologias e técnicas espécificas para analisar imagens de satélites que contribuam para esclarecer o vazamento de óleo no Litoral do Nordeste.
Na Costa da região, os dados de satélites costumam apresentar ruídos e interferências que podem dificultar a interpretação. Por isso, os pesquisadores também têm recorrido a dados auxiliares para complementar suas análises.
Em referência à mancha de óleo informada pela Polícia Federal, na última sexta-feira, o pesquisador Humberto Barbosa, do Lapis, chama atenção que pode ainda não ser suficiente para explicar a origem do desastre ambiental no Nordeste.
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O Laboratório localizou uma imagem do satélite Sentinel-1A, capturada no dia 24 de julho, que mostra uma provável mancha de óleo no Litoral Norte do Nordeste brasileiro, nas proximidades do Rio Grande do Norte.
Na imagem de satélite abaixo, do dia 24 de julho, foi detectada uma mancha de um fluido, possivelmente associado a petróleo, seguida por dois navios (um de grande porte e um de pequeno porte). O de pequeno porte está mais próximo à mancha, podendo ser o responsável pelo possível vazamento.
No momento em que o satélite capturou a imagem, o ponto mais próximo que a mancha estava da Costa, no Litoral Norte do Rio Grande do Norte, era cerca de 40 km. A mancha foi registrada com 85 km de extensão e 0,9 km de largura. É possível que ela seja mais extensa, pois o satélite não cobriu a mancha por completo.
O pesquisador do Lapis chama atenção que a embarcação detectada na imagem de satélite acima não coincide com a data de passagem do petroleiro Bouboulina pelo local.
Pelo rastreamento do trajeto do navio grego, na imagem que abre esta matéria, o navio Bouboulina passou pelo local da possível mancha somente no dia 26 de julho. Porém, o satélite Sentinel-1A já havia registrado um possível vazamento de óleo no local, desde o dia 24 de julho.
Barbosa também observou que, ao longo da extensão da mancha de óleo encontrada nas proximidades do Rio Grande do Norte, um trecho dela está descontínuo, desapareceu, podendo o óleo vazado já ter afundado no momento em que o satélite capturou a imagem.
Veja na imagem abaixo o tamanho da falha na provável mancha de óleo.
Barbosa ressalta que agora investiga se essa mancha próxima ao Rio Grande do Norte é realmente vazamento de óleo. Outra possibilidade é ser um rastro deixado por um navio e capturado pela imagem do satélite Sentinel-1A.
Esta é apenas uma das imagens que têm sido analisadas pelo Lapis, visando “montar o quebra-cabeça” e encontrar a origem do vazamento de petróleo.
Na bacia do Atlântico Sul (próximo ao Nordeste), o Lapis também encontrou imagens de satélites assoaciadas a possíveis manchas de petróleo. Todavia, a análise ainda precisa ser confirmada, com uso de novas técnicas e informações complementares, a fim de evitar ruídos que possam interferir na interpretação.
Na imagem de satélite acima, o Lapis detectou a presença de slicks ou películas sobre a superfície do mar, a 210 km de Porto Seguro (BA). Esse material pode ser de origem orgânica ou inorgânica, sendo necessária uma análise bastante complexa para distinguir a sua origem.
Slicks inorgânicos são compostos de petróleo que podem ter origem natural (resultante de descargas naturais do fundo do mar) ou de origem não natural (decorrente do derrame de petróleo de navios ou plataformas petrolíferas). Uma das principais características dos slicks inorgânicos é que são mais espessos que os orgânicos.
Já os slicks de origem orgânica são camadas finas, de origem animal, vegetal ou terrestre (resultantes da descarga de rios ou de transporte atmosférico).
Em função da sua fina camada, os slicks orgânicos podem ser facilmente transportados pelos ventos, que provocam processos de mistura na camada superior do oceano. Assim, é menor a possibilidade de sua presença no oceano ser registrada em imagens SAR sucessivas.
Essas assinaturas podem também conter informação da direção do vento. Em geral, óleos mais pesados (slicks inorgânicos) irão ser empurrados pelo vento, acumulando no sentido de sopro, aparecendo na imagem como uma zona mais escura. Com isso, um rastro mais fino será deixado para trás, aparecendo na imagem como uma zona menos escura.
Com essas informações, o Lapis analisa atualmente a origem dos slicks presentes sobre a superfície do mar, no Litoral da Bahia, conforme imagem acima do satélite Sentinel-1A.
“As várias manchas de óleo que localizamos no oceano Atlântico Sul, próximo ao Nordeste, tanto podem estar relacionadas a possíveis vazamentos de navios quanto a fluidos vindos do subsolo do fundo do mar", ressalta Barbosa.
Ele também acrescenta que, em alguns trechos, próximos à área portuária do Espírito Santo, foram detectadas possíveis manchas de óleo nas imagens de satélites. Porém, essas imagens ainda não foram analisadas, com o intuito de esclarecer a possível origem do vazamento que afeta o Litoral do Nordeste.
A imagem de satélite abaixo mostra a direção dos ventos e das correntes oceânicas, no dia 03 de novembro, na Costa do Nordeste. São informações que complementam a análise das possíveis manchas de óleo detectadas, além de permitir compreender como os resíduos estão sendo levados para as praias.
A análise de manchas de óleo é bastante complexa, podendo haver interferências na recepção do sinal pelo satélite SAR. Esses ruídos podem ocorrer em função de vários fatores, tais como: topografia do fundo do mar em locais pouco profundos, fitoplâncton, intensidade dos ventos, ondas oceânicas, rastros de navios e fenômenos atmosféricos.
Na última segunda-feira, dia 28 de outubro, o Lapis detectou uma suposta mancha de óleo, de grande dimensão, nas proximidades da Costa da Bahia. A provável mancha de óleo tinha 84 km de extensão, 6 km de largura e 47 metros de densidade.
Pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) também associaram a mesma mancha a um possível vazamento de petróleo.
Porém, após aprofundar as análises, o Lapis descartou, neste sábado, dia 02 de novembro, a associação entre a suposta mancha encontrada e um possível vazamento de petróleo. O que ocorreu ali foi que o principal sinal recebido pelo satélite foi dominado pela topografia do oceano.
Essa interferência influenciou na radiação emitida para o Radar de Abertura Sintética (SAR), de modo que o local apareceu como uma zona mais escura.
O pesquisador ressalta também que a enorme quantidade de resíduos coletados nas praias do Nordeste, até o momento, podem não ser explicadas apenas por um vazamento de um navio na superfície.
"Possivelmente, está ocorrendo um vazamento maior abaixo da superfície do mar. Localizamos várias manchas de óleo no Oceano e o desastre ambiental talvez não seja explicado apenas por uma origem de vazamento”, completa.
Barbosa destacou ainda que é preciso comparar a capacidade de transporte de petróleo do navio-cargueiro que possivelmente vazou o óleo no Litoral do Rio Grande do Norte, com as toneladas de resíduos coletados nas praias. Além disso, a questão é mais complexa, pois pela densidade do material, muitos resíduos estão no fundo do mar.
Os fatores meteorológicos, especialmente os ventos e as correntes marítimas, também tornam a análise ainda mais complexa, pois tanto podem afundar quanto arrastar o material.
“A análise da dinâmica dos ventos e correntes que carregam o material explica porque o petróleo não é transportado necessariamente para o município mais próximo, onde está localizada uma grande mancha. Grande parte dos resíduos podem afundar”, completa o meteorologista Humberto Barbosa.
O Lapis continua realizando as análises por satélites, utilizando metodologias e técnicas específicas para detecção de óleo no Litoral do Nordeste. Conta com a cooperação de pesquisadores da Agência Europeia para Exploração de Satélites Meteorológicos (Eumetsat) e da Agência Espacial Europeia (ESA) cooperam com a investigação científica.
Todos os resultados das investigações estão sendo enviadas pelo Lapis à Comissão Externa do Senado Federal, que investiga vazamento de óleo no mar do Nordeste.
Acompanhe a cobertura completa:
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*Post atualizado em: 18.11.2019, às 07h57.
LETRAS AMBIENTAIS. [Título do artigo]. ISSN 2674-760X. Acessado em: [Data do acesso]. Disponível em: [Link do artigo].
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