Um artigo publicado na revista Nature Climate Change, no último dia 19 de dezembro, analisou as projeções de ocorrerem eventos climáticos extremos cumulativos nas diferentes regiões do Planeta, até 2100.
Atualmente, a maioria dos lugares sofre apenas um desastre climático de cada vez. Mas até o fim deste século, as regiões podem esperar lidar com vários desastres climáticos ao mesmo tempo.
O estudo mostrou que ocorrerão situações nas quais até seis eventos climáticos simultâneos poderão atingir o mesmo lugar. Os pesquisadores alertaram que regiões como a costa Atlântica da América do Sul e da América Central poderão sofrer consequências drásticas, passando por até seis crises climáticas simultâneas.
Os desastres naturais são muitas vezes ligados uns aos outros, causando diferentes impactos à população. Como exemplo, este ano, a Califórnia passou por seis meses de calor e seca que culminaram nos grandes incêndios recentes. Além da destruição, a fumaça dos incêndios piorou drasticamente a qualidade do ar nas proximidades de grandes metrópoles, como São Francisco e Los Angeles.
Outras mudanças inter-relacionadas ocorrem também nos oceanos, que têm o efeito adicional de aquecerem as águas, aumentando a evaporação e a velocidade dos ventos, intensificando as chuvas e a força das tempestades. As tempestades podem ser agravadas pelo aumento do nível do mar, resultante do maior volume ocupado pelas moléculas de água aquecidas e pelo derretimento do solo.
A emissão contínua de gases de efeito estufa provoca uma ampla ameaça, ao intensificar muitos riscos climáticos, aos quais a humanidade está vulnerável.
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Na figura acima, o mapa principal mostra o índice cumulativo de riscos climáticos, correspondente à soma da alteração de todas as ameaças, entre 1955 e 2095. Mapas menores indicam a diferença para cada risco, durante o mesmo período de tempo.
De acordo com a pesquisa divulgada na Nature, até 2100, caso as emissões de CO2 na atmosfera não sejam reduzidas agressivamente, a população mundial ficará exposta a pelo menos três eventos climáticos extremos. De forma mais grave, algumas áreas costeiras tropicais irá enfrentar até seis perigos simultâneos.
A pesquisa foi realizada com base em mais de 3 mil publicações científicas, que permitem identificar impactos de riscos climáticos observados na vida da população. A partir desses dados, foi desenvolvido um mapa global de um índice cumulativo de mudanças climáticas projetadas, para avaliar a extensão em que a humanidade estará exposta a diferentes riscos concomitantes.
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Os 23 pesquisadores envolvidos no estudo mostraram que a exposição a múltiplos riscos climáticos será muito semelhante entre países ricos e pobres. Porém, variações na capacidade adaptativa provavelmente resultarão em diferentes tipos de impactos.
Enquanto nos países desenvolvidos estão previstas maiores perdas econômicas, nos países em desenvolvimento, haverá maiores perdas de vidas humanas, decorrentes dos eventos climáticos extremos.
Isso sugere que, mesmo sob fortes cenários de mitigação, ainda haverá uma exposição humana significativa às mudanças climáticas. Padrões de exposição a riscos climáticos cumulativos mostraram tendências semelhantes entre os países com diferentes níveis de riqueza.
Assim, embora seja comum observar que países em desenvolvimento enfrentarão a maior parte dos impactos das mudanças climáticas atuais e projetadas, a pesquisa destacou que os países desenvolvidos não serão poupados de impactos adversos.
Dentre os eventos climáticos previstos, estão: ondas de calor, aquecimento, chuvas, incêndios florestais, tempestades, aumento do nível do mar, inundações, mudanças na cobertura natural do solo, secas e química do oceano.
Foram feitas todas as possíveis combinações entre esses dez riscos climáticos previstos e a sobreposição de impactos em seis dimensões da vida humana: saúde, alimentos, água, infraestrutura, economia e segurança. Essas consequências dos desastres climáticos sobre os sistemas humanos serão analisados a seguir:
Os pesquisadores encontraram 27 atributos da saúde humana impactados pelos riscos climáticos, dos quais morte, doença e saúde mental foram os mais observados.
A morte foi associada a doenças decorrentes de ondas de calor, afogamentos durante inundações, fome causada pelas secas, ferimentos durante tempestades e asfixia provocada por incêndios. A perda da cobertura natural do solo prejudicou a proteção costeira, provavelmente contribuindo para o aumento da mortalidade durante tempestades e inundações. O aquecimento e as mudanças na precipitação e na química oceânica causaram a morte humana por meio do aumento da transmissão de doenças patogênicas.
Os riscos climáticos estiverem relacionados a inúmeras condições que perturbam a função do corpo. Aumento da morbidade (como distúrbios cardíacos e respiratórios), ocorreu devido a doenças provocadas durante as ondas de calor, enquanto as lesões foram comuns durante as inundações, tempestades e incêndios.
Os problemas respiratórios estiveram associados ao aumento da poluição, causada por ondas de calor e incêndios, poeira proveniente de secas, fungos após tempestades, poluentes orgânicos liberados pelo gelo derretido e pólen liberado durante longos períodos de floração, causados pelo aquecimento.
Ao aumentar a adequação do habitat de patógenos e vetores, as mudanças de aquecimento e precipitação contribuíram para as epidemias de malária, diarreia, dengue, cólera, leptospirose, entre outras.
A falta de saneamento e a contaminação do abastecimento de água, devido a tempestades e inundações, resultaram em surtos de cólera, malária, leptospirose e doenças diarreicas.
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A seca foi associada a surtos de vírus do Nilo Ocidental, leishmaniose e vírus chikungunya. A seca forçou o uso de água potável insegura, resultando em surtos de diarreia, cólera e disenteria.
Os riscos climáticos também afetaram a saúde mental. Por exemplo, depressão e transtorno de estresse pós-traumático foram relatados após tempestades nos Estados Unidos, inundações no Reino Unido e ondas de calor na França.
Os pesquisadores encontraram 10 atributos dos sistemas alimentares impactados pelos riscos climáticos, dos quais os impactos sobre a quantidade e a qualidade dos alimentos da agricultura, pecuária e pesca foram mais comumente observados.
Os rendimentos agrícolas foram impactados pela perda física direta e indireta, por exceder os limiares fisiológicos das plantas cultivadas. Perdas físicas diretas ocorreram devido a tempestades, precipitação, inundações, aumento do nível do mar, incêndios e seca. Perdas indiretas foram causadas pelo aquecimento, seca, ondas de calor, mudanças na química oceânica e mudança natural da cobertura do solo.
Os riscos climáticos também afetaram a qualidade das culturas, alterando o teor de nutrientes e aumentando o risco de contaminação. Por exemplo, o teor de proteína em alguns grãos diminuiu devido à seca e às ondas de calor.
Os riscos climáticos afetaram os animais usados para alimentação. A mortalidade na pecuária foi associada ao aquecimento, seca, ondas de calor, inundações e mudanças naturais de cobertura da terra.
As ondas de calor foram relacionadas à redução do pastejo, reprodução e produção de leite em bovinos e alta mortalidade em frangos e perus.
Os riscos climáticos causaram impactos na pesca, através de reduções na quantidade e qualidade das populações de peixes. Houve reduções nos estoques de peixes devido principalmente ao aquecimento. A mortalidade direta e as mudanças na reprodução foram causadas pela seca, ondas de calor e inundações.
A pesquisa constatou que os riscos climáticos impactaram a quantidade e a qualidade da água doce disponível.
A seca, o aquecimento e as ondas de calor fizeram com que os poços secassem e reduzissem os níveis de água nos reservatórios, forçando a escassez hídrica e as restrições obrigatórias de água.
A seca, por exemplo, levou à escassez temporária de água potável para mais de 200 mil pessoas, em Porto Rico, em 1997-1998, e atingiu 33 milhões de pessoas na China, em 2001.
A qualidade da água também foi criticamente impactada pelos riscos climáticos. A contaminação da água potável foi causada por incêndios e secas, que contribuíram para níveis elevados de nutrientes (nitrogênio, fósforo e sulfatos), metais pesados (chumbo, mercúrio, cádmio e cromo), sais (cloreto e fluoretos), hidrocarbonetos e pesticidas.
Chuvas fortes e inundações também aumentaram os nutrientes, metais pesados e pesticidas, bem como a turbidez e patógenos fecais no suprimento de água, especialmente quando as estações de tratamento de esgoto foram esmagadas pelo escoamento de água.
O estudo também encontrou 21 atributos de infraestrutura impactados pelos riscos climáticos, dos quais, os setores de eletricidade, transporte e construção civil foram os mais afetados criticamente.
Impactos na eletricidade e na rede elétrica foram comumente citados. Danos e prejuízos na infraestrutura de transporte terrestre, aéreo e marítimo também foram comuns, bem como em edificações.
Os pesquisadores também encontraram 16 atributos da economia impactados pelos desastres climáticos, incluindo perdas econômicas, menor produtividade do trabalho, emprego e renda.
As perdas econômicas foram mais dramáticas após eventos climáticos extremos, e englobaram custos imediatos, como aqueles associados a danos à propriedade, bem como prejuízos indiretos.
As perdas diretas imediatas incluíram as da seca (por exemplo, US $ 1,84 bilhão em perdas agrícolas diretas em 2015, na Califórnia), tempestades (US $ 130 bilhões em danos causados pelo furacão Katrina), inundações (€ 9,1 bilhões em perdas na Alemanha, em 2002) e incêndios (US $ 4,1 bilhões em custos na Indonésia, em 1997).
Os riscos climáticos também afetaram o custo e a disponibilidade de recursos energéticos: as ondas de calor, em 2003 e 2006, na Europa, levaram a um aumento de até 40 vezes no custo por megawatt-hora na Bolsa Europeia de Energia.
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Durante o furacão Katrina, danos a plataformas de petróleo aumentaram temporariamente os preços dos combustíveis. No Brasil, a seca reduziu a produção de cana de açúcar, levando a altos preços do açúcar e a um declínio na produção de etanol.
O Livro "Um século de secas" mostra a história completa das políticas para as secas no Semiárido brasileiro, no período de 1901 até os dias atuais, analisando as ações bem-sucedidas para a convivência com as secas na região.
Os riscos climáticos afetaram a disponibilidade de emprego, bem como a capacidade de trabalho, como registrado durante ondas de calor, tempestades, inundações, secas e aquecimento.
O estudo também permitiu identificar 11 atributos de segurança humana impactados por riscos climáticos, relacionados a deslocamentos, ruptura do tecido social, aumento de conflitos e violência.
Os desastres climáticos contribuíram para aumentar o conflito sobre o acesso aos recursos naturais e podem ter atuado como um catalisador para a violência. A seca, por exemplo, desencadeou conflitos sobre os direitos e o acesso à água.
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Mudanças no regime de chuvas resultaram na escassez de terras agrícolas e aumento nos preços dos alimentos, desencadeando conflitos violentos na África. A seca também foi um fator influente na migração para as áreas urbanas, aumentando o desemprego e a instabilidade política, provocando derramamento de sangue na Síria e na Somália.
Segundo a pesquisa, a probabilidade de conflitos civis foi quase o dobro durante os anos do El Niño, em comparação com os anos de La Niña. Globalmente, a maior intensificação da seca está prevista para ocorrer na Europa, América do Norte e América do Sul.
Para ler artigo completo na Nature, clique aqui.
A exposição simultânea de futuras sociedades a múltiplos riscos climáticos constitui uma preocupação considerável. O mapa global de riscos climáticos cumulativos mostra que a mudança climática em curso representará uma ameaça à humanidade, podendo ser agravada se reduções substanciais das emissões de gases de efeito estufa não forem alcançadas.
A análise integrada mostrou como diferentes riscos podem afetar inúmeros aspectos sociais e exigir variadas formas de adaptação, com diferentes custos.
A construção de um índice cumulativo da co-ocorrência geográfica de eventos climáticos extremos mostra a importância de sociedades e, sobretudo governos, desenvolverem medidas preventivas para conter os impactos.
Na sua opinião, governos e comunidades serão capazes de desenvolver as medidas adequadas à mitigação desses impactos climáticos simultâneos?
LETRAS AMBIENTAIS. [Título do artigo]. ISSN 2674-760X. Acessado em: [Data do acesso]. Disponível em: [Link do artigo].
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