O padrão de distribuição das chuvas nas regiões brasileiras varia naturalmente e provoca eventos hidrológicos extremos, em função do seu excesso ou escassez. Estiagens, secas, enxurradas e inundações representam a grande maioria dos desastres naturais ocorridos no Brasil.
Um estudo da Agência Nacional de Águas (ANA), divulgado no último dia 19 de dezembro, mostrou que, em 2017, quase 38 milhões de pessoas foram afetadas por secas e estiagens, enquanto cerca de 3 milhões foram atingidas por cheias (alagamentos, enxurradas e inundações).
>> Leia também: O El Niño afetará o clima em 2019?
O relatório Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil – Informe 2018 apresenta um panorama sobre o volume e qualidade da água no Brasil, seus diferentes usos e as ações de gestão realizadas, com base na legislação vigente, para minimizar os impactos das crises hídricas cada vez mais frequentes no País.
De acordo com o levantamento da ANA, em 2017, foram registrados 661 eventos de cheias no Brasil. Em 2016, ocorreram 312 eventos extremos de cheias, afetando apenas 1,4 milhão de brasileiros, menos da metade dos números registrados em 2017.
No período de 2015 a 2017, a região Sul concentrou 57% das cheias registradas no Brasil. O principal dano humano provocado pelas cheias é a perda da residência das pessoas afetadas. Danos mais graves, como mortes, desaparecimentos, enfermidades e ferimentos afetaram menos de 5% dessas pessoas.
>> Leia também: Regiões do Planeta terão até seis desastres climáticos simultâneos até 2100
O estudo também destaca que, no período de 2003 a 2017, cerca de 48% dos municípios brasileiros decretaram Situação de Emergência ou Estado de Calamidade Pública, em função das cheias, pelo menos uma vez. A maioria desses municípios (cerca de 90%) localizavam-se nas regiões Nordeste, Sul e Sudeste.
A seca e a estiagem estão entre os mais graves eventos hidrológicos extremos do Brasil. Em 2017, a população atingida por esses desastres naturais caracterizados pela escassez hídrica (cerca de 38 milhões de pessoas) foi quase 13 vezes maior que por cheias.
No total, foram quantificados 2.551 eventos de seca associados a danos humanos, quase 4 vezes mais que os de cheias (661). Fazendo um retrospecto dos últimos 5 anos, 2017 foi o mais crítico quanto aos impactos da seca sobre a população.
>> Leia também: Atlas da Unesco mostra frequência da seca na América Latina e no Caribe
O fenômeno afeta todas as regiões brasileiras, com maior severidade no Semiárido brasileiro. Cerca de 80% das pessoas afetadas por secas e estiagens, em 2017, vivem na região Nordeste. Os estados da Bahia, Ceará e Pernambuco totalizaram 55% dos registros do País. No Distrito Federal, foi registrada a maior média de pessoas afetadas pela seca, pelo fato de que toda a população foi afetada pelo racionamento de água, no ano passado, em função da crise hídrica que se instaurou na Capital Federal.
No período de 2003 a 2017, cerca de 51% dos municípios brasileiros decretaram Situação de Emergência, em decorrência da seca ou estiagem.
A situação de seca agravou-se nos últimos anos, no Semiárido brasileiro, com a ocorrência da “Seca do Século”, no período de 2010-2017, considerada a pior seca já registrada na região.
O pico desse evento climático foi registrado em dezembro de 2016, quando a maior parte do território já se encontrava em condição de seca excepcional, tendo havido colapso no abastecimento de 132 cidades do Nordeste Setentrional (Pernambuco, Ceará, Bahia e Rio Grande do Norte).
Um levantamento completo das políticas para as secas no Semiárido brasileiro, incluindo a chamada “Seca do Século”, foi feito na obra Um século de secas: por que as políticas hídricas não transformaram o Semiárido brasileiro? (Editora Chiado, Portugal). Para adquirir o Livro, clique aqui.
Em abril de 2018, houve melhora na capacidade de abastecimento urbano de água no Semiárido brasileiro. Porém, 34 municípios da Bahia, Ceará e Paraíba, com uma população urbana total de aproximadamente 323 mil habitantes, ainda se encontravam em colapso de abastecimento, em função do esgotamento das reservas de água dos reservatórios. Atualmente, o Semiárido brasileiro conta com apenas 16% da sua capacidade total de armazenamento.
>> Leia também: Uma radiografia da seca nos estados do Nordeste, em mapas
Atualmente, um total de 923 municípios do Semiárido brasileiro estão reconhecidos como em Situação de Emergência, por ocasião de seca ou estiagem. Os dados são do Sistema Integrado de Reconhecimento de Informações sobre Desastres da Defesa Civil nacional.
>> Leia também: Quanto custam as secas ao Brasil?
Na imagem acima, consta a quantidade de reconhecimentos federais de Situação de Emergência, em razão de seca e estiagem, por município e estado do Semiárido brasileiro. Para solicitar o reconhecimento federal, em casos de situação de desastre natural, o município, distrito ou estado deverá seguir o passo a passo indicado neste site.
Para haver disponibilização de recursos federais para resposta a desastres naturais, como secas, via de regra, é necessário haver o reconhecimento federal da Situação de Emergência ou Estado de Calamidade Pública no município. A partir do reconhecimento da situação de emergência do município, enviado pelos estados à Defesa Civil nacional, e uma vez tendo sido confirmado pelo governo federal, a Operação Carro-Pipa poderá ser iniciada.
Nessa situação, muitos municípios recorrem ao abastecimento emergencial por caminhões-pipa, após haverem esgotado soluções alternativas, como perfuração emergencial de poços ou instalação de adutoras, canais que transportam água de um reservatório mais distante para abastecer a população local.
A imagem abaixo mostra um panorama da Operação Carro-Pipa, no período de 2015-2017.
Em 2017, a Operação Carro-Pipa do governo federal atendeu 848 municípios, sendo a grande maior parte a população rural, com desembolso de mais de 872 milhões de reais, cifras um pouco inferiores às apresentadas nos anos anteriores. Os dados da Operação Carro-Pipa são provenientes do Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (CENAD), do Ministério da Integração Nacional.
O monitoramento realizado, de forma permanente, pelo Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), mostra a atual situação da seca no Semiárido brasileiro, com base na análise da cobertura vegetal, por intermédio de dados e informações de satélites.
De acordo com o mapa, o estado do Rio Grande do Norte se destaca como o que continua 100% seco, seguido da Paraíba, onde houve apenas uma melhora pontual recentemente no extremo Oeste do Sertão do estado.
Já em Minas Gerais, Bahia e Piauí, a cor verde mostra uma forte recuperação da vegetação, em função das recentes chuvas. Também chama atenção a rápida recuperação da vegetação nos estados do Ceará e Pernambuco, ocorrida nas últimas semanas. Já Alagoas e Sergipe continuam bastante secos, apesar de ter havido uma leve melhora na saúde da vegetação desses estados.
O monitoramento por satélite da cobertura vegetal do Semiárido brasileiro é uma ferramenta fundamental para promover a resiliência dos municípios afetados pelos impactos das secas, bem como para o planejamento da gestão das águas nas bacias hidrográficas da região.
Estiagens intensas provocam escassez e situações de emergência nas bacias hidrográficas, com forte potencial para conflitos pelo uso das águas dos reservatórios. Para isso, promover a gestão das águas e a ampliação da oferta são fundamentais para assegurar a disponibilidade de água para todos os usos.
O Projeto de Integração do Rio São Francisco (PISF) foi concebido com o objetivo de ampliar a oferta de água no Nordeste Setentrional e promover o seu desenvolvimento econômico. O projeto secular é composto por um conjunto de infraestruturas de canais de condução, barragens, estações de bombeamento, aquedutos, túneis, galerias e 2 captações de água no rio São Francisco, localizadas a jusante do reservatório de Sobradinho.
A entrega de água do Eixo Leste do PISF, no rio Paraíba do Norte, em Monteiro (PB), ocorreu em março de 2017, e possibilitou a retomada da irrigação de lavouras de subsistência nas margens do rio e do açude Boqueirão.
Em agosto de 2017, após o aumento do volume do açude Boqueirão, em função do aporte de água do São Francisco, foi possível encerrar o racionamento de água, enfrentado desde dezembro de 2014, pela população de Campina Grande e região, abastecida pelo manancial, compreendendo cerca de 1 milhão de habitantes.
O Livro Um século de secas aborda detalhes da implantação do PISF nos Cariris paraibanos, microrregiões consideradas as mais secas do Brasil, além das demais políticas hídricas para as secas na região. Para conhecer a obra, clique aqui.
O Eixo Norte do PISF também já foi operado em 2017 para atender a usuários isolados, como o açude Nilo Coelho, em Pernambuco. A previsão de entrega de água para a bacia do rio Jaguaribe, no Ceará, é fevereiro de 2019. Já para a bacia do rio Piranhas-Açu (Paraíba e Rio Grande do Norte), é agosto de 2019, segundo o Ministério da Integração Nacional, responsável pelas obras.
O PISF tem contribuído para aumentar a infraestrutura hídrica no Semiárido brasileiro, com ampliação dos sistemas e mananciais, sendo necessário ampliar as práticas de gestão democrática das águas.
Os dados divulgados pelo relatório “Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil” mostram a dimensão e complexidade do problema das secas no Brasil. A crise hídrica provocada pela seca, com consequências dramáticas à economia e bem-estar social, situa a seca como o maior desastre natural do País, tendo afetado 38 milhões de pessoas, somente em 2017.
Assim, as secas e estiagens requerem a atenção de políticas para adaptação aos impactos desses eventos de origem climática, com sérias consequências no agravamento da escassez hídrica. É necessário que os governos locais se comprometam a construir municípios mais resilientes à seca e estiagem, utilizando mecanismos de gestão de riscos de desastres que preparem os municípios para o enfrentamento da crise hídrica.
Como os municípios do Semiárido poderiam redimensionar suas economias para produzir mais riquezas, com recursos naturais adaptados à seca, atendendo a uma maior demanda de mercado? Você acha que seria possível fazer a mudança para promover o desenvolvimento sustentável, a nível local?
LETRAS AMBIENTAIS. [Título do artigo]. ISSN 2674-760X. Acessado em: [Data do acesso]. Disponível em: [Link do artigo].
Copyright © 2017-2024 Letras Ambientais | Todos os direitos reservados | Política de privacidade