As infraestruturas verdes nas cidades estão entre as alternativas para conter os impactos das mudanças climáticas, permitindo uma melhor adaptação da população nas áreas urbanas. O conceito tem ganhado um grande número de adeptos, sobretudo nos Estados Unidos e na Europa, onde as experiências em sua aplicação têm sido mais frequentes.
Na Europa, soluções baseadas na natureza já são parte integrante da política, abrangendo estratégias de desenvolvimento regional, adaptação às mudanças climáticas, gestão de recursos hídricos e prevenção do risco de desastres naturais.
A forma como o conceito de infraestrutura verde já se consolidou entre os tomadores de decisão europeus pode servir de modelo para as cidades brasileiras, contribuindo para iniciativas que reduzam os problemas ambientais e melhorem as condições de vida das pessoas.
No Brasil, ainda são poucas as iniciativas de infraestrutura verde, embora haja implementação de unidades de conservação ou de parques urbanos que já trabalham no sentido de reconhecer a necessidade de uma infraestrutura verde no meio urbano. O crescimento de pesquisas sobre o conceito de infraestrutura verde mostra a necessidade de avanço da sua inserção nas políticas de gestão ambiental.
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De acordo com o mais recente Relatório climático do IPCC, até meados deste século, a população das cidades crescerá, anualmente, cerca de 70 milhões de pessoas. A maioria desses cidadãos urbanos irá morar em pequenas e médias cidades, em países de baixa a média renda. Esse aumento da urbanização poderá adicionar 226 Gt de CO2, até 2050.
Com isso, aumentarão os riscos associados ao aquecimento global, tais como estresse térmico, inundações terrestres e costeiras, novos vetores de doenças, poluição do ar e escassez de água.
Limitar o aquecimento global a 1,5 °C, acima dos níveis pré-industriais, exigirá uma mudança sistêmica transformadora, integrada ao desenvolvimento sustentável. Este processo exige uma escala de alcance maior e mais rápida na implementação das medidas de mitigação, incluindo adaptação global dos sistemas urbanos e industriais.
A implantação de infraestruturas verdes aumenta a resiliência e adaptação urbana aos impactos das mudanças climáticas, tendo um custo-benefício mais efetivo que a infraestrutura convencional. Essas iniciativas nas áreas urbanas inclui árvores nas ruas, parques, telhados e fachadas verdes, recursos hídricos, entre outras.
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De acordo com um Relatório da Agência Europeia do Ambiente (AEA), se a infraestrutura verde puder fornecer benefícios comparáveis à infraestrutura cinza, com custos reduzidos a longo prazo, faz sentido investir em conservação, manejo sustentável e/ou restauração de ecossistemas naturais para atingir as metas de desenvolvimento.
As infraestruturas cinzas são as construções baseadas em concreto e aço, como superfícies pavimentadas, estradas, sistemas de esgotos, diques, etc. Essas soluções convencionais são necessárias, mas tendem a ser projetadas para desempenhar apenas uma função (como transporte ou drenagem). Dessa forma, devem ser associadas aos serviços dos ecossistemas naturais, com importantes benefícios sociais, econômicas e ambientais, incluindo para a saúde pública.
Pesquisas mostram que, em muitos casos, as soluções de infraestrutura verde são menos dispendiosas do que as infraestruturas cinzas e fornecem múltiplos benefícios para as economias locais, a comunidade e o ambiente mais amplo, resolvendo vários problemas em simultâneo.
Dentre os diversos benefícios que as infraestruturas verdes podem assegurar, em um mesmo espaço, estão: funções ambientais (por exemplo, conservação da biodiversidade ou adaptação às mudanças climáticas), sociais (por exemplo, drenagem de água e espaços verdes), e econômicas (é o caso da criação de emprego e valorização dos imóveis).
Essas vantagens devem ser de particular interesse para os tomadores de decisão, como estratégias de incentivo para encorajar ativamente os investimentos em infraestruturas verdes, como parte essencial do planejamento urbano sustentável.
Redes de infraestruturas verdes podem ser desenvolvidas para apoiar a proteção contra inundações, erosão, incêndio florestal, melhoria da qualidade da água e do ar, a biodiversidade e a migração de espécies, a adaptação à mudança climática, entre outras funções. As infraestruturas cinzentas tradicionais continuam a ser necessárias, mas podem ser reforçadas, de forma moderna e inovadora, com soluções baseadas na natureza.
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No período de 29 de abril a 05 de maio de 2024, o Rio Grande do Sul enfrentou um dos maiores desastres por chuvas extremas da sua história. Mais de 80 mil pessoas ficaram desabrigadas, ao terem suas casas invadidas pela violência das inundações. Cerca de 90% das cidades do estado foram atingidas. Descrevemos os motivos do desastre neste post.
Imagens da constelação de satélites PlanetScope registaram floresta derrubada na capital Porto Alegre (RS), antes das inundações. A remoção da vegetação urbana, já escassa nas cidades brasileiras, aumenta a vulnerabilidade da população aos riscos climáticos.
O aumento das áreas verdes e alagáveis nas cidades tem sido estratégia para conter o excesso de água da chuva. Soluções baseadas na natureza ajudam a reduzir os riscos climáticos em áreas urbanas. Na China, o conceito de “cidades-esponja” se popularizou na arquitetura, caracterizadas por grandes estruturas naturais alagáveis, para que a chuva possa ser contida por um tempo. E depois, as águas rapidamente são absorvidas pelo lençol freático, sem invadir as casas.
O ordenamento do uso e ocupação do solo urbano é uma responsabilidade municipal. Cabe ao município organizar o mapeamento dos riscos urbanos, conhecer sua localização, seus impactos, bem como o planejamento das medidas de mitigação e controle. Por exemplo, os riscos decorrentes do uso e da ocupação do solo englobam a instabilidade das encostas, provocada pela ocupação desordenada; enchentes, provocadas pela impermeabilização do solo.
A Comissão Europeia descreve as infraestruturas verdes como uma rede estrategicamente planejada de zonas naturais e seminaturais, que incorpora espaços verdes e presta serviços ecossistêmicos, contribuindo com o bem-estar e a qualidade de vida da população.
A União Europeia reconhece as infraestruturas verdes como uma estratégia integrada às suas políticas, contribuindo com o desenvolvimento regional e rural, mudanças climáticas, gestão dos riscos de catástrofes, agricultura, silvicultura e ambiente.
A infraestrutura verde também é reconhecida em outros documentos políticos da União Europeia, como o Sétimo Programa de Ação em Matéria de Ambiente, a Política Regional 2014-2020, a Diretiva-Quadro Água, a Diretiva Inundações e a Estratégia da União Europeia para Adaptação às Mudanças Climáticas.
A infraestrutura verde é avaliada como um conceito ecológico e espacial para promover a saúde e a resiliência dos ecossistemas, contribuir para a conservação da biodiversidade e beneficiar os seres humanos. Isto ocorre através da prestação de serviços ecossistêmicos, como a atenuação das alterações climáticas, a disponibilização de habitats essenciais para o biota e a conectividade dos habitats.
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As soluções de infraestruturas verdes aumentam a resiliência das cidades a desastres climáticos extremos, sendo também parte integrante da política da União Europeia sobre gestão de risco de desastres.
No contexto das mudanças climáticas, as infraestruturas verdes contribuem para a redução do risco de desastres naturais extremos e atenuação dos impactos de catástrofes, sendo apresentadas como uma das medidas de adaptação do ambiente urbano.
Adotar o conceito de infraestrutura verde ao planejamento urbano é uma abordagem nova e, em muitos casos, mais barata, utilizando processos naturais para resolver problemas, ao invés de apenas concreto e aço. Além de serem infraestruturas frequentemente menos caras, são mais sólidas e mais sustentáveis. Portanto, há um contraste entre as estruturas de engenharia inerte (infraestrutura cinza) e material vegetal vivo (infraestruturas verdes), em termos de eficácia, longevidade e robustez.
A seguir, destacamos alguns benefícios das infraestruturas verdes para conter os piores impactos das mudanças climáticas nas cidades:
As inundações são perigos naturais que acarretam as maiores perdas econômicas na Europa e em muitos lugares do mundo. De acordo com um Relatório da AEA, os danos anuais esperados de inundações nas cidades europeias excedem 6,4 bilhões de euros, provavelmente aumentando entre 14 e 21,5 bilhões de euros até 2100, como resultado das mudanças climáticas.
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Cerca de 20% das cidades europeias são classificadas como vulneráveis a inundações fluviais. As escolhas do manejo da terra influenciam tanto a quantidade quanto a velocidade do escoamento superficial, afetando na ocorrência de inundações.
O desenvolvimento preexistente de tubos de concreto, esgotos e particularmente de superfícies pavimentadas nas cidades dificulta a absorção de águas das chuvas, por onde elas caem. Está se tornando cada vez mais evidente que esses sistemas de concreto nem sempre são capazes de acomodar toda a água da chuva que aparece em seu caminho. Isso pode resultar em inundações, com enormes consequências econômicas e sociais.
As áreas verdes nas cidades podem ser utilizadas para reduzir a quantidade de águas da chuva que entram nas redes de esgotos convencionais e, em última instância, nos lagos, rios e ribeiros. Isto ocorre graças às capacidades naturais de retenção e absorção que têm a vegetação e os solos.
Os benefícios das infraestruturas verdes podem incluir também, nesse caso, um maior sequestro de carbono, a melhoria da qualidade do ar, a atenuação do efeito de ilha térmica urbana e a criação de mais espaço para acolher habitats de flora e fauna selvagens. Além disso, os espaços verdes também oferecem oportunidades de recreação ou atividades de lazer.
Os ecodutos e os sistemas de gestão natural da água, como os telhados verdes, têm funções claras e o seu desempenho já pode ser avaliado. Assim, em vez de optarem por soluções de infraestrutura cinzenta, como os diques e as condutas para águas das cheias, os responsáveis pelo planeamento urbano devem examinar primeiramente as vantagens de recuperar as planícies aluviais e zonas úmidas.
Há um consenso geral entre os especialistas de que os serviços ecossistêmicos de várzeas e áreas úmidas devem ser levados em conta nas decisões de gestão sobre o uso da terra e da água
As soluções de toda a bacia hidrográfica concentram-se na reintegração de antigas planícies de inundação, funcionando como áreas de retenção.
As florestas são infraestruturas verdes que podem impedir a entrada de poluentes nos córregos que fornecem água potável a cidades e empresas a jusante.
Medidas de conservação e restauração da paisagem a montante podem atuar como plantas de filtragem de água natural, uma alternativa às tecnologias de tratamento de água mais convencionais.
Antes de construir mais sistemas de filtragem de água, poderia ser considerado primeiro a reabilitação de bacias hidrográficas a montante. Assim, é uma infraestrutura verde que pode atender funções semelhantes à infraestrutura cinza, propiciando, ao mesmo tempo, outros efeitos positivos derivados.
Como mencionado, na Europa, a Diretiva-Quadro da Água, a Diretiva Nitratos e a Diretiva Inundações oferecem oportunidades relacionadas com as infraestruturas verdes. Dessa forma, apoiam-se ações para pôr em prática espaços que melhorem a retenção do solo, funcionem como faixas de proteção entre a produção agrícola e as fontes de água, e forneçam armazenamento de água durante os eventos de inundação.
A Estratégia da União Europeia para adaptação às mudanças climáticas visa tornar a Europa mais resiliente ao processo, garantindo a mobilização total de abordagens baseadas na infraestrutura verde ou nos ecossistemas naturais.
A mudança climática e o desenvolvimento de infraestruturas tornam as áreas mais vulneráveis propensas a eventos climáticos extremos e desastres naturais, como inundações, deslizamentos de terra, avalanches, incêndios florestais, tempestades e ondas de calor. Esses desastres naturais causam perdas de vidas, além de resultarem em bilhões de euros em danos e custos de seguro, a cada ano, na União Europeia.
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Os impactos de tais eventos na sociedade humana e no ambiente, muitas vezes, podem ser reduzidos, usando soluções inovadoras de infraestruturas verdes, baseadas em serviços ecossistêmicos. Planícies de inundação funcionais, matas ciliares, florestas de proteção em áreas montanhosas, praias de barreira e zonas úmidas costeiras podem ser implantadas em combinação com infraestruturas de redução de desastres, como obras de proteção de rios.
As cidades e as autoridades locais são as primeiras a lidar com as consequências imediatas de tais desastres. Assim, elas podem desempenhar um papel decisivo na implementação de medidas de prevenção, baseadas em infraestruturas verdes, mitigando a vulnerabilidade a riscos naturais relacionados com a variação climática e desastres naturais.
Como resultado das mudanças climáticas, a variabilidade climática irá se tornar mais pronunciada e a probabilidade de extremos pode aumentar. Isso pode ser parcialmente compensado pelos serviços ecossistêmicos. Por exemplo, um telhado verde reduz o escoamento das águas das chuvas e a carga poluente da água, diminuindo também o efeito do calor urbano, melhorando o isolamento do edifício e proporcionando um habitat para uma variedade de espécies.
Há fortes evidências de que os deslizamentos de terra irão se intensificar como resultado das mudanças climáticas em curso. A alteração esperada nos padrões de chuvas influenciará na frequência dos deslizamentos. O aumento global dessas atividades é causado principalmente pela superexploração de recursos naturais e desmatamento, bem como pela crescente urbanização e pelo uso desordenado do solo.
Os deslizamentos de terra representam uma grande ameaça à vida humana, propriedades, edifícios, infraestrutura e ambientes naturais, na maioria das regiões montanhosas do mundo.
Infraestruturas verdes, como florestas e vegetação, são importantes para reduzir significativamente a ocorrência de escorregamentos superficiais, reduzindo os prejuízos humanos e materiais.
A proteção costeira é a defesa natural da zona costeira contra inundação e erosão, causadas por ondas, tempestades ou aumento do nível do mar. A prestação desse serviço ecossistêmico está ameaçada pelas mudanças climáticas, em função do aumento esperado do nível do mar, bem como da frequência e intensidade das tempestades.
O amortecimento das perturbações ambientais e dos riscos naturais, tais como marés, tempestades e inundações, está fortemente relacionado com a presença de infraestruturas estabilizadoras na linha de frente da defesa marítima.
Ecossistemas costeiros, como os manguezais, fornecem proteção do litoral contra os impactos das tempestades. Quando os manguezais são desmatados ou degradados, essa proteção é severamente diminuída.
Em vez de construir muros marítimos, planejadores urbanos podem considerar a conservação dos bancos de areia do litoral.
Em função da crescente urbanização, os espaços verdes nas cidades também desempenham um papel fundamental na regulação do clima global.
A ampliação dos espaços verdes poderá reduzir significativamente o aumento das temperaturas, associadas à mudança climática, e o efeito das ilhas de calor.
Uma das vantagens das estruturas verdes é a redução de CO2, através do sequestro direto de carbono, devido à vegetação, contribuindo com benefícios relacionados às mudanças climáticas e à redução da poluição.
Cidades norte-americanas, como Atlanta e Washington, desenvolveram experiências e fornecem informações importantes sobre o custo-benefício das estruturas verdes para adaptação urbana ao clima, considerando os efeitos dos telhados verdes nas cidades, ruas verdes e florestas urbanas.
A adaptação às mudanças climáticas é um dos maiores desafios para as cidades. As infraestruturas verdes estão entre as medidas a serem integradas aos projetos de planejamento urbano e às decisões de construção, visando fortalecer a resiliência e reduzir os impactos nas áreas urbanas.
As infraestruturas verdes representam um avanço para as cidades, em função dos múltiplos benefícios sociais e do menor custo propiciado pela sua implantação. Esse conceito está alinhado às novas megatendências de cidades inteligentes, cidades verdes, cidades resilientes ou cidades sustentáveis, para o tipo de mudança transformadora exigida pela redução do aquecimento global.
Os planejadores urbanos devem comparar o verde ao cinza e identificar novas oportunidades de investimentos em soluções da natureza. À medida que exploram como acomodar demandas de infraestrutura no futuro, a lição é clara: pensar em verde antes de investir em cinza.
Vc conhece alguma experiência de construção de inafrestruturas verdes? Na sua cidade, há alguma iniciativa nesse sentido?
LETRAS AMBIENTAIS. [Título do artigo]. ISSN 2674-760X. Acessado em: [Data do acesso]. Disponível em: [Link do artigo].
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