Uma severa tempestade em São Paulo, na noite do dia 11 de outubro, provocou um apagão elétrico de grande dimensão, atingindo vários bairros da capital. Cerca de 1,5 milhão de pessoas tiveram corte no fornecimento de energia elétrica. Na manhã do dia 14 de outubro, três dias após a tempestade, cerca de meio milhão de imóveis continuavam sem luz.
Do espaço, imagens do satélite da Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço (Nasa), processadas pelo Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), registraram o antes e depois do apagão. Já na imagem da noite do dia 12 de outubro, um dia após o temporal, ainda foi possível ver muitas áreas da cidade às escuras.
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A imagem do satélite Meteosat, sobreposta a dados de chuva obtidos por radar, permite explicar o fenômeno que ocasionou a tempestade e o consequente blecaute em São Paulo.
Houve formação de uma tempestade severa, com rajadas de vento muito intensas, de alto potencial destrutivo. Quando ocorre esse tipo de fenômeno, as rajadas de vento atingem picos de até 150 km/h, podendo chegar a até impressionantes 200 km/h, causando danos severos e extensos às infraestruturas.
“Houve um fenômeno atípico, pois uma intensa corrente de jato de baixo nível (ou ar frio descendente) se juntou à uma frente fria. Isso resultou na formação de uma tempestade arqueada ou em formato de curva, provocando rajadas de vento muito intensas, em direção ao litoral”, explica Humberto.
Você pode ver a ilustração do fenômeno abaixo:
A frente fria está associada à tempestade, que se deslocou até São Paulo e áreas da região metropolitana, estendendo-se até o oceano Atlântico.
“Entre a frente fria e o jato de baixos níveis, formou-se algo similar a um microciclone (mas não era um ciclone, era o núcleo de uma tempestade severa), próxima do litoral”, completa o meteorologista.
Na imagem de satélite, as áreas em ciano, próximas de Itapetininga (SP), destacam o núcleo da tempestade. Segundo Humberto, foi ali que ocorreu a explosão, causando a tempestade severa, com chuva e ventos fortes. Esses ventos intensos próximos à superfície acompanham o jato de baixos níveis, que ocorre ao longo das frentes frias.
O satélite detectou a tempestade em estágio de maturação. A imagem mostra nuvens com chuva de 35 a 40 milímetros, às 19 horas, no dia 11 de outubro. Nesse horário, a tempestade se deslocou para leste, com pequenos vórtices de mesoescala próximo ao seu centro.
No estágio maduro da tempestade, houve um aglomerado quase circular de tempestades convectivas. O ar frio descendente criou frentes de rajada, ao redor do aglomerado, especialmente à frente dele.
De acordo com Humberto Barbosa, meteorologista do Laboratório Lapis, estimar o quanto a mudança climática causou essa tempestade em São Paulo, requer uma análise completa do evento extremo.
“Há dois fatores principais que provocam esse tipo de temporal: primeiro, muita umidade na atmosfera. Em segundo lugar, um cavado, ou sistema de baixa pressão, funciona como gatilho. A mudança climática aumenta a quantidade de umidade no ar, mas a influência humana na frequência dos gatilhos é muito menos clara”, explica Humberto.
Com eventos climáticos extremos mais comuns, a demanda por sistemas de energia mais resilientes aumentou. Quando tempestades severas acontecem, comunidades periféricas costumam esperar mais tempo para ter a infraestrutura de energia recuperada.
Tornar a rede elétrica mais resiliente ao clima extremo passa por duas questões: 1) Não há como proteger completamente a rede, mas a prevenção pode fazer toda diferença; 2) O cliente paga pela manutenção da rede elétrica e deve receber um serviço seguro e adequado.
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Imagens de satélites da Nasa mostram que ainda falta luz em muitos bairros de São Paulo. Nessas situações, áreas periféricas costumam ser as mais prejudicadas. Como você pode ver na imagem do dia 13 de outubro, não foi diferente no caso do apagão em São Paulo.
A falência do sistema elétrico de São Paulo alerta para o problema da privatização de serviços essenciais à população. Vários países já estão revendo a terceirização de serviços como água, esgoto e energia elétrica.
O desafio agora não é só restabelecer a energia em São Paulo, mas fazê-lo de forma que proteja o seu futuro energético. Mais um apagão na maior cidade do País é um lembrete dramático sobre a importância de uma política energética efetiva e justa.
Desde o ano passado, episódios de apagões em São Paulo se tornaram recorrentes. Em novembro de 2023, outro apagão deixou cerca de 2 milhões de pessoas sem energia em São Paulo. As imagens de satélite da Nasa mostram a dimensão do apagão em São Paulo, em 16 de novembro do ano passado.
A concessionária responsável pela distribuição de energia elétrica no município é a Enel. É uma empresa multinacional de origem italiana, presente em 35 países, que atua na geração, distribuição e comercialização de energia elétrica e gás.
Desde o apagão de novembro, a Prefeitura solicitou à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) o cancelamento do contrato com a Enel. Todavia, a empresa continua com a concessão pública.
É uma falácia repetir que as empresas privadas são mais "eficientes" para administrar serviços públicos. Essa ideia tão propalada pela mídia serve a interesses dos poucos grupos de poder.
Uma política energética menos desigual requer de formuladores de políticas o reexamine das práticas de restabelecimento da energia. Além disso, a importância da manutenção da infraestrutura (como substituição de postes danificados e poda de árvores), para as comunidades periféricas.
A situação em São Paulo alerta para o vácuo de políticas climáticas, incluindo uma estratégia de política energética para o País. Isso envolve as várias instâncias de governo, usuários e concessionárias.
O problema também coloca em pauta a crise da privatização de serviços essenciais à vida da população, além da falência do sistema de regulação do sistema energético. A oferta de eletricidade deve atender a demanda de forma ininterrupta. Por isso, o mercado de eletricidade tem que ser regulado com o devido rigor.
O verão está chegando. E o Brasil tem uma chance real de apagões. A crise de capacidade prevista para a geração de energia elétrica provavelmente vai nos atingir mais cedo do que o esperado. A curto prazo, vai depender da capacidade de reposição do volume de água dos reservatórios. Mais da metade da energia consumida no País vem das hidrelétricas.
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LETRAS AMBIENTAIS. [Título do artigo]. ISSN 2674-760X. Acessado em: [Data do acesso]. Disponível em: [Link do artigo].
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