Os 3 fatos para entender a situação meteorológica caótica que pode ter feito avião cair



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Neste post, comparamos a velocidade e altitude do trajeto do avião que caiu em Vinhedo (SP) com o caos de fenômenos meteorológicos encontrados ao longo do percurso. A aeronave que caiu nesta sexta-feira, dia 09 de agosto, às 13h22, provocando a morte de 62 pessoas, trafegava sob condições meteorológicas “caóticas”.

Essa foi a conclusão do meteorologista Humberto Barbosa, fundador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), após analisar dados do voo e imagens de satélites ou radar sobre as condições de tempo do local. O voo da companhia regional Voepass havia decolado de Cascavel (PR), com destino a Guarulhos (SP).

Combinando imagens de satélites e radar, associadas às coordenadas geográficas da rota do voo, o Laboratório Lapis reconstituiu as condições meteorológicas adversas enfrentadas pelo avião que caiu (Veja a imagem abaixo).

ponto de conlamento_imagem de satélite

A análise permitiu identificar que a aeronave enfrentou uma zona meteorológica crítica, por quase 10 minutos (entre 13h10 e 13h19), poucos minutos da queda. Nesse período, a aeronave reduziu a velocidade e atravessou nuvens supercongeladas de até -40 °C. Às 13h22, houve perda do sinal de radar da aeronave.

Confira, a seguir, os 03 pontos que você precisa saber para entender a situação meteorológica adversa que pode ter causado o desastre.

1) Turbulência severa e água supercongelada marcaram rota do voo

Uma análise dos dados disponíveis sobre o trajeto do avião que caiu, como a altitude e velocidade alcançadas, permite comparar a diferença com o mesmo voo, nos dias anteriores.

Pela imagem acima, você pode observar a diferença na estabilidade da rota e velocidade constante no trajeto da aeronave, no último dia 05 de agosto. Na ocasião, a aeronave trafegava pela mesma rota e em horário similar ao do voo que caiu ontem (saída às 11h45 e chegada às 13h33).

Veja no gráfico como o trajeto do voo que caiu foi marcado por oscilações de velocidade, na mesma altitude, em razão da turbulência muito severa. A primeira grande oscilação ocorreu às 12h52 (horário de Brasília), quando a aeronave reduziu bruscamente a velocidade de 529 km/h para 398 km/h.

Em outro momento, às 13h06, já próximo de ocorrer a queda, o avião saiu rapidamente da velocidade de 604 km/h para 491 km/h. A partir daí, começou a perder velocidade. O último dado registrado ocorreu às 13h22, com o avião a velocidade de 63 km/h e altitude de 1.798 metros. 

“O trajeto era como se fosse uma área cheia de montanhas, com nuvens muito altas e depois nuvens mais baixas. O avião cruzou exatamente essa área de instabilidade, com muito mais turbulência”, afirma o Humberto.

Segundo o meteorologista, havia condições atípicas de congelamento em atitudes superiores, em razão de muita umidade, formada por gotículas liquidas supercongeladas, a partir de 6 a 7 mil metros de altitude. A aeronave trafegava em torno de 5 mil metros.

nuvens cirrocumulus_imagem de satélite_QGIS

A imagem do satélite Meteosat mostra nuvens em forma de riscos, que são nuvens do tipo Cirrocumulus. Esse tipo de nuvem se forma em razão de muita umidade, nos altos níveis da atmosfera.

"Havia um sistema frontal, com muita umidade e turbulência, frio extremo e água supercongelada. Essa situação é capaz de levar a aeronave a entrar em condições de formação de gelo”, explica Humberto.

A segunda imagem de satélite mostra a altura do ponto de congelamento na atmosfera. A água supercongelada estava com temperatura em torno de -55 °C (abaixo do ponto de congelamento).

A água nessa condição líquida e muito congelada, em razão das temperaturas extremamente baixas, possivelmente teve maior aderência à aeronave e se tornou gelo. Isso pode ter afetado a aerodinâmica do avião. 

temperatura média_acidente aéreo

Observe, na imagem, que os ventos fortes, com velocidade em torno de 53 km/h, também estavam na mesma direção do voo, trazendo ainda mais instabilidade à aeronave. 

Na pesquisa feita pelo Laboratório Lapis, foram detalhadas as características dessa zona crítica que a aeronave atravessou, próxima da cidade de Vinhedo. Observe, na imagem abaixo, o destaque para um ponto crítico atravessado pela aeronave, no interior de São Paulo, quando já se aproximava da cidade de Vinhedo.

Nessa área em vermelho, havia água supercongelada, gotículas de gelo ou cristais de gelo. No ponto destacado, a temperatura estava em cerca de -38 oC.

Nesse cenário, o fenômeno meteorológico mais provável do acidente foi a aeronave ter entrado em condições de formação de gelo. É apenas uma das possibilidades levantadas, a partir da análise dos dados meteorológicos do local da queda, de que a aeronave se deparou com muita umidade na alta atmosfera. 

Outra imagem destaca, no trecho crítico enfrentado pela aeronave antes de cair, as características das nuvens. É possível verificar que a aeronave saiu rapidamente de uma área sem nuvens para outra com formação de gelo e, em seguida, enfrentou mais uma área adversa com água supercongelada. 

"À medida que se aproximava do destino, a aeronave enfrentou muitas perturbações e variações na composição das nuvens complexas. Áreas com formação de gelo, nuvens mais altas e nuvens mais baixas. Houve uma grande variação nas temperaturas e nas condições de pressão, explica Humberto.

Nuvens de gelo_imagem de satélite do acidente aéreo_QGIS

Além dessas perturbações, o avião ainda atravessou ventos muito intensos, vindos da Amazônia. Você pode verificar, na imagem abaixo do satélite GOES-16, que as barbatinas na cor roxa representam esses ventos fortes, no interior de São Paulo, classificados com alta pressão.

Esses ventos eram adversos, pois empurravam a aeronave. É possível verificar, no trajeto, que a aeronave encontrou também ventos oriundos do ciclone extratropical (destacados em amarelo e ciano, na imagem). Por isso, para enfrentar esses ventos, durante grande parte do trajeto, a velocidade do avião estava acima da recomendada para a altitude.

Imagem do satélite GOES

Quando a água supercongelada leva à formação de gelo nas asas do avião, a aeronave perde sustentação, o que possivelmente causou o acidente em Vinhedo. 

>> Leia também: Secas repetidas favorecem queimadas e poluição na Amazônia em agosto

2) Formação de gelo pode ter danificado o motor ou outros sensores da aeronave

ponto de congelamento_acidente aéreo em Vinhedo 

A imagem acima destaca a área em azul, onde havia maior perigo de congelamento, durante o trajeto da aeronave. São gotículas de água que podiam estar supercongeladas ou se transformar em gelo. 

A história da aviação e dos acidentes aéreos mostra que a formação de gelo pode causar danos ao motor e/ou a outros dispositivos cruciais da aeronave, devido ao processo de resfriamento.

Também há casos em que afeta negativamente a capacidade de detecção de pressão do ar dos tubo de Pitot, usados ​​para medir a velocidade do ar. Há sistemas críticos da aeronave que são alimentados com sinais dos tubos de pitot. Existe ainda a possibilidade de alguns sensores terem sido alterados pelo gelo, apresentando, por exemplo, dados de velocidade divergente da real e causando confusão aos pilotos.

Em caso de acidentes por formação de gelo na aeronave, o gelo costuma derreter muito antes que os investigadores tenham a oportunidade de inspecionar os destroços. Por isso, a investigação de desvios nos sistemas recuperados dos destroços e dos dados do gravador de voz da cabine, pode confirmar se é consistente com a formação de gelo nos tubos de pitot.

O gravador de voz está presente na caixa-preta do avião. A peça é altamente resistente a desastres dessa natureza e consegue salvaguardar a gravação das últimas conversas da tripulação. Ela também armazena os dados da aeronave, como velocidade, aceleração, condições climáticas, altitude e ajustes de potência. A caixa-preta do avião que caiu em Vinhedo foi recuperada pelos primeiros investidadores que chegaram ao local do acidente.

Mas de acordo com o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), não houve pedido de socorro de “mayday” pela tripulação da aeronave. Essa questão é intrigante para as investigações. É um fato incomum, considerando que a situação foi tão catastrófica que levou a uma descida imediata e rápida, por qualquer motivo.

Se foi a despressurização da cabine que causou tal descida, cada piloto ainda teria cerca de 15 minutos de suprimento independente de oxigênio. Por essa razão, possivelmente a aeronave ou seus sistemas de comunicação podem ter sido desativados.

>> Leia também: Situação meteorológica adversa pode ter causado acidente com voo de Gabriel Diniz

3) Ciclone extratropical e fumaça das queimadas pioraram a situação meteorológica

frente fria_imagem de satélite

Um ciclone extratropical que se formou sobre o Uruguai e Rio Grande do Sul, na manhã da sexta-feira, fez com que mais umidade fosse injetada, na retaguarda, sobre a região do acidente. Segundo Humberto, isso tornou a condição meteorológica ainda mais caótica, como você pode observar na imagem do satélite GOES, processada pelo Laboratório.

A imagem de composição colorida mostra nuvens sobre o nordeste de Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul, estendendo-se para o oceano Atlântico. Essas nuvens estão associadas ao deslocamento de uma frente fria (massa de ar frio e seco, de origem polar, que fez as temperaturas declinarem).

Além disso, a fumaça das queimadas trazida para o Sudeste, pelo ar seco da Amazônia, ficou nos altos níveis da atmosfera, em forma de aerossóis. Isso tornou a água ainda mais fria e líquida, transformando-a em gelo e possivelmente deixando a aeronave mais pesada.

fumaça das queimadas na Amazônia_imagem de satélite

Embora esses aerossóis tenham reduzido a intensidade da chuva (não ocorria tempestade no local no momento do acidente, mas chuva moderada), fizeram cair ainda mais a temperatura da água, que se transformava em gelo. Dessa forma, a frente fria ganhou algumas características de verão. Mesmo sendo uma frente fria de inverno, houve muita convecção (nuvens verticais, que podiam já conter gelo).

Dessa forma, com base na análise dos dados do local do acidente, feita pelo Laboratório Lapis, condições meteorológicas caóticas podem ter sido o fator desencadeante do acidente. Esse é apenas um dos cenários de causalidade possíveis, a partir dos dados sobre o voo e sobre a região. Mas será a análise forense feita pelos investigadores, de todas as evidências disponíveis, que poderá confirmar. 

>> Leia também: O La Niña atrasou. E agora? O que esperar para o clima nas regiões brasileiras

Mais informações

Essa análise foi possível graças ao cruzamento de vários tipos de informações. Para isso, usamos o QGIS, o software livre de Geoprocessamento mais usado no mundo. Inclusive, você pode passar 01 ano inteiro sendo treinado pela equipe do Laboratório Lapis, para aprender a dominar o QGIS, do zero ao avançado. Estão abertas as inscrições para o Curso de QGIS "Mapa da Mina”, do zero ao avançado. É um treinamento 100% prático e online, similar a um MBA. 

Você tem a oportunidade de aprender a dominar o mesmo método usado pela equipe interna do Laboratório Lapis, para gerar mapas e produtos de satélites, como os divulgados neste post. Assista à videoaula introdutória e entenda como funciona o método.

COMO CITAR ESTE ARTIGO:

LETRAS AMBIENTAIS. [Título do artigo]. ISSN 2674-760X. Acessado em: [Data do acesso]. Disponível em: [Link do artigo].

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