Incêndios florestais frequentes e furiosos é uma das consequências mais nefastas da mudança climática. O fogo descontrolado costuma trazer impactos devastadores para os ecossistemas, especialmente em florestas tropicais. Mas o que pouco se fala no Brasil é que o fogo pode ser usado como ferramenta de manejo para evitar incêndios florestais de grandes proporções.
Um novo estudo publicado pelo Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), no periódico internacional Atmosphere, identificou o impacto dos incêndios florestais na Bacia da Amazônia sobre as emissões de gases de efeito estufa (GEE), nas últimas duas décadas (2001-2020). Clique aqui para acessar o artigo publicado.
Na pesquisa, foi identificado que concentrar o fogo em períodos específicos do ano contribui para reduzir o impacto das emissões de carbono (CO) e nitrogênio (NO2), liberados pelos incêndios florestais. Uma das conclusões do estudo é que evitar o fogo no pico da seca na Amazônia pode ajudar na mitigação climática e na manutenção da floresta.
Concentrar as queimadas fora do pico climático crítico já é uma prática utilizada em alguns países, para ajudar na conservação da biodiversidade e na redução das emissões.
O tema é complexo e os resultados ainda controversos. É por isso que pesquisadores têm se dedicado a analisar o potencial do uso antecipado do fogo no manejo da vegetação, para evitar incêndios florestais graves.
Na Austrália, por exemplo, a queima precoce (no início do período seco) tem sido usada, de forma experimental, para evitar grandes incêndios posteriores, que se agravam durante a seca. O uso controlado do fogo é uma prática milenar adotada por culturas indígenas, em baixa escala, para limpeza da terra.
A queima controlada é feita em pequenas extensões, ainda com umidade do solo relativamente alta, no início da estação seca e em condições atmosféricas adequadas. Assim, o risco de o fogo se alastrar diminui e apenas a camada superficial do solo é afetada. Essa mudança na sazonalidade do fogo representa um novo paradigma em relação ao seu uso: de grandes incêndios, no auge da seca, para pequenas queimadas, com baixas emissões de carbono, no início da seca.
Na África, especialistas recomendam diretrizes a políticas para queimadas no início da seca, visando a mitigação climática e a conservação ambiental. Mas eles afirmam que qualquer orientação nesse sentido deve ter como prioridade os meios de subsistência locais, a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos.
É que embora em algumas regiões a queima controlada possa contribuir para aumentar a biomassa e para armazenar mais carbono acima do solo, ela não pode ocorrer à custa da biodiversidade e da funcionalidade dos ecossistemas. Pelo contrário, o objetivo é evitar desastres por incêndios de grandes proporções e manter uma maior cobertura vegetal.
Acredita-se que a queima em “mosaico de manchas”, praticada em muitas áreas rurais da África, reduz incêndios posteriores de grandes proporções. Apesar de esse modelo ser proposto em muitos lugares, o modelo de gestão do fogo deve ser específico para cada local, para que a queima prescrita contribua para armazenar carbono ou reduzir as emissões de GEE.
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Os incêndios florestais são uma ameaça crescente ao clima global. Em 2024, a temporada de queimadas bateu recorde na América do Sul. No Brasil, em comparação com 2023, também houve uma expansão significativa do fogo, principalmente em biomas como a Amazônia, Cerrado e Pantanal.
A mudança climática piora a situação dos incêndios florestais, em razão das secas repetidas e intensas, além das altas temperaturas. O clima mais quente e seco torna o ambiente propício ao aumento da queima da vegetação pela ação humana, com incêndios mais severos e frequentes.
O grande risco da expansão do fogo, intensificada pelo aquecimento global, é transformar biomas sumidouros de carbono, essenciais para o Planeta, em fontes emissoras desse poluente. É o caso da região da Amazônia, que se tornou mais vulnerável aos incêndios com a mudança climática.
De acordo com a nova pesquisa do Laboratório Lapis, nas últimas duas décadas, incêndios florestais na Amazônia tiveram forte impacto nas emissões de gases de efeito estufa. Esses gases ficam retidos na atmosfera e pioram a mudança climática. Um padrão que se repetiu em todos os anos analisados foi um aumento abrupto das emissões de CO e NO2, derivadas dos incêndios, durante a seca (julho a setembro).
Todavia, foi detectada uma diferença fundamental no volume de emissões causado pelos incêndios florestais na Amazônia, durante a seca. A pesquisa constatou uma variação significativa no volume de emissões liberadas pelo fogo entre o período inicial da seca e o meio da seca.
Mapa da umidade do solo permite identificar situação da seca na Amazônia.
É que os incêndios do início da estação seca queimam menos biomassa e emitem menos gases de efeito estufa, se comparado com o período intermediário da seca. Além disso, a análise da cobertura vegetal permitiu identificar um maior índice de cobertura vegetal no início da seca, em relação ao período intermediário dessa estação.
Para o meteorologista Humberto Barbosa, fundador do Laboratório Lapis e responsável pelo estudo, embora já existam projetos importantes de manejo do fogo para mitigação climática, ainda há controvérsias, tendo em vista sua complexidade. É que os resultados dependem de vários fatores, como o tipo de vegetação, mudanças no uso e cobertura da terra, topografia, característica climática de cada ecossistema, entre outros fatores.
“Os padrões de emissões de carbono e nitrogênio liberados pelo fogo dependem da quantidade total de biomassa queimada, da intensidade do fogo e do volume de emissões liberadas. Por isso, a complexidade dos vários fatores que devem ser analisados, antes de se recomendar se é promissor o uso do fogo como ferramenta de manejo para determinado ecossistema”, explica Humberto.
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O uso do fogo como ferramenta de gestão ambiental apresenta vantagens e controvérsias. Um dos benefícios é o de manter a floresta em pé, evitando incêndios de grandes proporções e armazenando maiores créditos de carbono.
Mas um dos fatores controversos é que no início da estação seca, o uso de uma maior quantidade de fogo para queimar a vegetação verde libera maiores volumes de metano (CH4) e óxido nitroso (N2O) – gases com potencial de aquecimento global significativamente maior do que o dióxido de carbono (CO2).
Dessa forma, embora o uso controlado do fogo possa queimar áreas menores com menos combustível, a maior liberação de poluentes perigosos coloca em questão seu potencial para reduzir as emissões de GEE.
A manipulação dos regimes de fogo pode afetar as concentrações atmosféricas de GEE, alterando as reservas de carbono armazenadas no solo e na vegetação, ou mesmo o fluxo de outros gases também importantes para a mitigação climática. Na pesquisa do Laboratório Lapis, não foram analisados regimes de fogo, mas áreas de cobertura vegetal queimada na Amazônia e seus impactos nas emissões de gases.
No estudo, foram utilizados produtos de satélite para estimar variáveis como: área de biomassa queimada, cobertura do solo, vegetação verde, precipitação, temperatura da superfície do solo (LST), monóxido de carbono (CO) e dióxido de azoto (NO2). A análise desses dados permitiu identificar como as mudanças sazonais nas emissões de GEE, derivadas do fogo, em toda a bacia amazônica.
A partir dos dados de precipitação analisados na pesquisa, foram classificados três períodos distintos da estação seca: seca precoce (julho), seca média (agosto e setembro) e seca tardia (outubro e novembro).
A pesquisa identificou que a variação mensal do fogo na Amazônia começa a aumentar em julho, atinge o pico em agosto e setembro, diminuindo a partir de outubro. Foram identificados picos simultâneos de incêndios e de emissões de gases de efeito estufa durante os meses mais secos (agosto e setembro).
As maiores áreas de vegetação queimada foram observadas desde o sul até o leste da Bacia Amazônica, havendo relação direta com o uso e cobertura da terra. Essas áreas, conhecidas como “arco do desmatamento”, estão mais degradadas pela remoção da cobertura vegetal e pelas queimadas, predominando savanas e pastagens. Também são as áreas mais propensas aos impactos da seca.
No estudo, a avaliação do percentual médio do índice de cobertura vegetal, identificou perda de cerca de 50% da cobertura vegetal nessas áreas, ao longo das suas décadas.
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Foto: Divulgação/Semil.
No pico da seca, os incêndios florestais costumam ser maiores e mais intensos, em razão da quantidade de biomassa seca que serve de combustível para as queimadas. Na Amazônia, a nova pesquisa do Laboratório Lapis identificou uma diferença importante entre a quantidade de emissões lançadas pelo fogo no início e no meio da estação da seca.
Por essa razão, limitar o manejo do fogo na Amazônia ao início da estação seca e prevenir incêndios no meio da seca é uma forma de reduzir o impacto das emissões de CO e NO2 na atmosfera. É que as variações nas emissões desses poluentes têm pico na estação seca média (agosto e setembro), com incêndios mais graves.
No período seco, as queimadas são maiores e mais intensas, com risco de provocar grandes incêndios florestais. Por isso, a pesquisa contribui para direcionar práticas adequadas de manejo, controle e prevenção do fogo na Amazônia, visando reduzir seus impactos sobre o aquecimento global.
A quantidade total de biomassa queimada é um indicador da concentração de GEE na atmosfera. Todavia, a redução das emissões de GEE dos incêndios no início da estação seca, se comparado com o impacto dos incêndios da estação seca média, não se deve apenas à diminuição do total de biomassa queimada. É que a situação da cobertura do solo e a dimensão dos incêndios também são decisivos.
As razões para isso são a dinâmica complexa da umidade das plantas e das emissões de NO2 associadas ao fogo. Segundo a pesquisa, limitar incêndios florestais ao início da seca reduz as emissões de nitrogênio oriundo dos biomassa mais seca.
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Grande parte do carbono atmosférico capturado pela vegetação é liberado novamente para a atmosfera por vários processos, inclusive pelo fogo. Com o aumento da degradação pelo desmatamento e as queimadas, a Amazônia se torna uma fonte emissora de gases de efeito estufa, com impactos para o clima de todo o Planeta. Isso ocorre quando a quantidade de CO2 emitida para a atmosfera é maior do que a quantidade absorvida pela vegetação.
Mas esse fluxo líquido de carbono para a atmosfera ocorre quando os regimes de fogo são dominados por incêndios intensos e frequentes (por exemplo, no pico da estação seca). Por isso, a pesquisa do Laboratório Lapis identificou que manipular os regimes de fogo na Amazônia, para o início da seca, pode reduzir seu impacto nas concentrações atmosféricas de GEE.
Os ecossistemas da Amazônia se apresentam em dois estados: 1) Baixa biomassa arbórea; e 2) Floresta não ardente, relativamente resistente ao fogo. Por isso, mudar para um regime de queima que costumava ocorrer na estação seca média para o início da estação seca pode reduzir significativamente as emissões de GEE.
Controlar a dinâmica do fogo em períodos fora do pico climático crítico ajuda a prevenir grandes incêndios florestais, evitando que o fogo se alastre furiosamente. Isso contribui para aumentar os estoques de carbono de longo prazo acima do solo.
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O fogo é uma das poucas ferramentas disponíveis em locais com poucos recursos para limpeza da terra, por ser eficaz e barato. Embora o cenário ideal seja não utilizar essa prática, é fato que as queimadas fazem parte da cultura da população. O grande problema é quando uma queimada pequena se alastra e se transforma em um incêndio florestal de grande proporção.
Por isso, a necessidade de pesquisas para orientar políticas quanto ao uso controlado o fogo, para conservação da biodiversidade e mitigação climática. Mas cada região/localidade exige uma abordagem específica, para cumprir objetivos ecológicos e socioeconômicos.
Assim, a pesquisa do Laboratório Lapis contribui com diretrizes para fundamentar um controle adequado da dinâmica do fogo na Amazônia. Dentre as estratégias, estão evitar as queimadas no pico da seca e concentrá-las no início dessa estação. É uma forma de manter a biodiversidade e a resiliência dos ecossistemas de forma mais eficaz contra os incêndios mais graves e devastadores.
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LETRAS AMBIENTAIS. [Título do artigo]. ISSN 2674-760X. Acessado em: [Data do acesso]. Disponível em: [Link do artigo].
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