Em janeiro deste ano, o Bank for International Settlements (BIS), conhecido como o banco dos bancos centrais, alertou sobre como a mudança climática trará riscos à estabilidade do sistema financeiro global, por provocar eventos de “cisnes verdes”. A ameaça está no fato de que um evento inesperado e raro, com impactos amplos ou extremos, pode causar grandes choques, perturbando os mercados globais.
Recentemente, um Relatório do Federal Reserve System (Fed), dos Estados Unidos, reconheceu a mudança climática como um risco de curto prazo, para o sistema financeiro. A iminência de um colapso climático poderá causar interrupções na economia, ampliando as vulnerabilidades do sistema financeiro e as chances de choques nos mercados.
Esta semana, os Estados Unidos e o Reino Unido, fortes potências da economia mundial, tornaram dever para as empresas a divulgação dos seus riscos relacionados à mudança climática.
A mudança climática é cada vez mais reconhecida como ameaça ao sistema econômico global e os países que não prepararem seu sistema de normas e instituições, para lidarem com esse desafio, poderão ficar de fora de importantes acordos internacionais.
Vale lembrar que no último domingo, dia 15 de novembro, a China fechou o maior acordo de livre comércio do mundo, com participação de 15 países da Ásia-Pacífico, que respondem por quase 30% do PIB global. Os Estados Unidos ficaram de fora da Parceria Econômica Regional Abrangente (RCEP, na sigla em inglês), prejudicando algumas empresas daquele país e outras multinacionais fora do bloco.
O presidente Donald Trump abandonou, no meio do caminho, as negociações para participar do Acordo Ásia-Pacífico. Vale lembrar que, no dia 05 de novembro, também entrou em vigor a retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris, pacto global pela redução das emissões e contenção da mudança climática.
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Os Estados Unidos são o segundo maior poluidor mundial, em termos de emissões de gases de efeito estufa. Por isso, a agenda do presidente eleito, Joe Biden, está diante de enormes desafios na área sanitária, econômica e ambiental.
A Agência Bloomberg Green ouviu um grupo de especialistas do clima, que apresentaram 41 conselhos a Biden, sobre as primeiras prioridades para lidar com a mudança climática. Neste post, selecionamos os 9 melhores conselhos para o presidente eleito, bastante interessantes, que poderão inspirar uma futura retomada da política climática e ambiental no Brasil.
Na área de mudança climática, o presidente eleito, Joe Biden, assumiu o compromisso de retomar o Acordo de Paris, como um de seus primeiros atos. Ele pretende investir cerca de US $ 2 trilhões, para que o país recupere o atraso, depois de ficar para trás, no cumprimento das metas climáticas. Essa agenda climática depende da aprovação do Congresso, mas há dezenas de medidas políticas, sobre clima e energia, que não precisam desse aval.
O Acordo de Paris é um compromisso firmado, há cinco anos, por líderes mundiais, para atingir as metas de redução das emissões de gases de efeito estufa. O pacto permite que as metas sejam revisadas, a cada poucos anos, com transparência, para avaliar o avanço das medidas nacionais, de contenção à mudança climática.
Os Estados Unidos foram o primeiro país a renunciar ao Acordo climático de Paris. Joe Biden foi projetado como presidente eleito na mesma semana em que ocorreu a saída oficial do país, do pacto global.
Mas desde 2017, Donald Trump já havia anunciado a intenção de se retirar do Acordo, o que só podia ocorrer três anos depois que o pacto entrou em vigor, em 4 de novembro de 2016. Trump passou todo o seu mandato promovendo combustíveis fósseis, revertendo as regulamentações ambientais e criticando a ciência do clima.
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Enquanto isso, países da Europa e da Ásia continuam a intensificar seus compromissos climáticos. A União Europeia e o Reino Unido pretendem reduzir 55% das emissões de gases de efeito estufa, abaixo dos níveis de 1990 até 2030, visando zerar as emissões líquidas, até 2050. A China também anunciou que se tornará neutra em carbono, até 2060.
Um dos compromissos de Joe Biden é tornar os Estados Unidos com emissões líquidas zero, até 2050. É o necessário para evitar os piores impactos da mudança do clima (danos catastróficos à natureza, à economia, à segurança e ao bem-estar da população).
Os especialistas mostraram consenso sobre a necessidade de incentivos, sem precedentes, para se construir um padrão energético limpo, baseado em energias renováveis. O destaque é para a energia solar, uma fonte amplamente apoiada pela população dos Estados Unidos.
Os conselheiros reforçaram que Biden deve cumprir sua promessa de investir em empregos, negócios e tecnologia, para construir uma economia justa, equitativa e 100% limpa. As energias renováveis são grandes geradoras de emprego, o que é fundamental, depois do choque econômico provocado pela pandemia.
A transição energética começa com um intenso período de mobilização, no qual o governo deve incentivar as indústrias a desenvolverem ampla capacidade de produzir energia limpa. A gestão de Biden e Kamala Harris pode remodelar o setor de energia dos Estados Unidos, nos próximos anos, reduzindo a participação do setor de petróleo e gás, na geração de energia.
A modernização da infraestrutura de energia renovável também deverá incluir um foco significativo na eficiência energética. É importante garantir que toda a energia produzida seja usada da maneira mais eficiente possível.
A eletricidade limpa será fundamental para substituir o abastecimento de carros com petróleo, bem como de residências com gás fóssil. Os especialistas sugeriram que Biden deve colocar incentivos para eletrificar totalmente os edifícios e alimentá-los com energias renováveis.
Além de pôr fim aos subsídios para extração de combustíveis fósseis, como presidente, Biden precisa acabar com a produção suja de gás, além de promover um movimento para evitar os vazamentos de metano, já detectados por satélites.
Os especialistas destacaram também a importância dos oceanos para a geração de energia eólica offshore. Segundo eles, essa é uma grande oportunidade não aproveitada nos Estados Unidos, apesar de 40% da sua população viver em áreas costeiras, onde há grande potencial para essa fonte energética, pela intensidade dos ventos.
A administração de Biden deve tornar a energia eólica offshore central para seu objetivo declarado de energia 100% limpa, até 2035. Os Estados Unidos estão atrasados no aproveitamento da energia eólica offshore, setor que poderá gerar, pelo menos, 80 mil empregos verdes.
De uma maneira geral, o ponto crucial do plano de Biden será a eletrificação. O compromisso em substituir os eletrodomésticos de combustível fóssil, usadas atualmente nas residências, por suas contrapartes elétricas, com políticas de apoio, poderia reduzir as emissões no país e criar até 25 milhões novos empregos.
Segundo especialistas, a política climática deve estar vinculada a agendas mais amplas de justiça social, abordando a desigualdade e, acima de tudo, a recuperação verde da economia.
A proposta de Biden de uma rede elétrica limpa, até 2035, nos Estados Unidos, interessa ao crescente mercado de investidores interessados em ações e tecnologias verdes. Eles buscam atender aos pilares globais de sustentabilidade ambiental, social e de governança (ESG), para o mundo corporativo.
A redução das emissões no país também pode atrair compradores, preocupados com o clima na Europa. Poderá ainda dar aos exportadores norte-americanos maior acesso a um grande mercado mundial, como é o caso da China, em uma eventual melhoria nas relações com os EUA.
Outro consenso entre os especialistas é estabelecer um imposto sobre o carbono, garantia fundamental para o mercado ascendente de descarbonização. É uma forma de que todas as empresas paguem o preço por poluir o Planeta.
O custo social do carbono é o valor monetário cobrado pelos danos causados à sociedade, pela liberação de cada tonelada adicional de dióxido de carbono (CO₂). A estimativa calcula os custos da mudança climática e, portanto, os benefícios de cumprir as regras climáticas que restringem as emissões de CO₂.
O primeiro custo social do carbono foi estimado durante a gestão do presidente Barack Obama, para todos os governos dos Estados Unidos. Porém, Trump reverteu esse progresso. Assim, uma primeira medida para o governo Biden deveria ser encarregar um grupo interagencial de estimar um novo custo social realista do preço carbono, baseado na economia e na ciência climática.
Para evitar a politização da mudança climática, outra sugestão indicada para Biden é retomar a presença dos cientistas, na tomada de decisão do governo. Segundo os conselheiros, o simples passo de retornar à formulação de políticas, baseadas na ciência, seria um primeiro passo importante.
O presidente que será empossado em janeiro deverá reforçar a capacidade dos líderes das agências governamentais de tomar decisões, baseadas em fatos que protegem o país e a população. Os conselheiros defendem que a investigação científica tenha autonomia e independência, para orientar as políticas, estando livre de qualquer interferência política.
O presidente eleito também deve remover de posições de influência todos os funcionários de agências científicas, que têm ocultado resultados de pesquisas científicas, intimidado pesquisadores e deturpado os fatos.
Recomenda-se também a Biden nomear gestores para a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos que tenha credibilidade com os cientistas e a sociedade civil, para restabelecer as normas regulatórias de conservação do ambiente, destituídas por Trump, respeitando a ciência e a legislação.
Desde 2016, os 35 maiores bancos do mundo minaram o Acordo de Paris, ao fornecer US $ 2,7 trilhões para a indústria de combustíveis fósseis.
Uma das medidas indicadas pelos especialistas é estabelecer uma divulgação obrigatória e consistente dos riscos climáticos, do setor financeiro. Como já ressaltamos, os Estados Unidos já avançaram nesse sentido, esta semana.
A medida tomada pelo Federal Reserve, dos Estados Unidos, de responsabilizar as instituições financeiras pela mudança climática, é uma forma de alavancar o poder do setor privado, para combater o maior desafio contemporâneo do Planeta. A partir de agora, elas terão que informar com mais detalhes sobre seus negócios, com a indústria de combustíveis fósseis, e serão exigidos mais requisitos de capital para bancos com maior risco climático.
Essa é uma forma importante de promover o desinvestimento dos combustíveis fósseis, de modo que bancos, gestores de ativos e seguradoras se tornem atores climáticos responsáveis, ao invés de motores da mudança climática.
O transporte público não será considerado seguro, enquanto a pandemia da Covid-19 não for controlada. Com isso, a população tende a utilizar mais veículos particulares, aumentando as emissões.
Uma das medidas sugeridas a Biden é promover o transporte sustentável, fundamental para alcançar as metas climáticas. O principal foco é incentivar a indústria de carros limpos, movidos à eletricidade. É necessário também construir uma infraestrutura de carregadores para veículos elétricos.
Há também uma grande oportunidade de reduzir as emissões com a indústria naval. Se fosse um país, o setor seria o sexto maior emissor global. O presidente eleito Biden deve se comprometer com uma meta global de zerar as emissões de embarcações, até 2035. O governo deve incentivar os portos a fazerem a transição dos combustíveis fósseis, para redes de energia elétrica, que utilizam fontes de energia renováveis.
A gestão Biden e Harris também deve promover a adoção de combustíveis limpos nas embarcações. Muitos navios atualmente, no comércio global, dependem de óleo combustível pesado, considerado o combustível mais poluente e sujo. A tecnologia e os combustíveis limpos já existem, permitindo que a indústria naval faça essa mudança.
Alguns especialistas destacaram que o governo Biden deve realizar investimentos públicos iniciais, em infraestruturas resilientes (a eventos climáticos extremos) e de baixo carbono.
Essas medidas serão importantes para atravessar o choque econômico, deixado pela pandemia. Contribuirão para estabilizar a economia, impulsionar a geração de emprego, ao mesmo tempo em que reduzirão os danos de longo prazo, da mudança climática.
É o caso da construção de linhas de transmissão para energia renovável, dutos para resíduos de CO2, opções de aquecimento e refrigeração de baixo carbono, para residências e empresas.
Durante essa década, investimentos federais maciços, em infraestrutura e implantação de tecnologia, reduzirão o custo de adaptação, diminuindo radicalmente as emissões de poluentes.
É preciso fazer mais para acelerar a tecnologia e inovação, em energia e soluções climáticas. Será muito importante incentivar a pesquisa em tecnologia de captura, utilização e armazenamento de carbono.
A indústria deve ser incentivada, por meio de incentivos fiscais, financiamento para Pesquisa & Desenvolvimento (P&D), treinamento de pessoas e investimentos em cadeias de abastecimento. É importante desenvolver pesquisas científicas, para minimizar os impactos ambientais das energias renováveis, bem como desenvolver um plano abrangente de transmissão de energia renovável.
Incentivos fiscais verdes, esforços de pesquisa focados em escalabilidade e comercialização, desenvolvimento de tecnologias para armazenamento de energia, por meio de baterias e hidrogênio, estão entre as medidas a serem adotadas.
Há também a possibilidade de desenvolver a captura e sequestro de carbono, novos refrigerantes, novos veículos e estratégias de combustível, bem como novos padrões de energia limpa. Tudo isso requer uma estratégia nacional coordenada, orientada à P&D, com foco no combate à mudança climática.
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O governo Biden deve agir rapidamente, para colocar a mudança climática, no centro da agenda diplomática dos EUA. Segundo os especialistas, restaurar o país à posição de líder climático global também exigirá a renovação dos seus compromissos com os países mais vulneráveis.
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O presidente eleito deverá solicitar financiamento ao Parlamento, para programas que ajudem os países em desenvolvimento, a construir resiliência aos impactos do clima, fazer a transição para energia renovável, conservar suas florestas e outros ecossistemas ricos em carbono.
Mas os conselheiros ressaltam: a liderança internacional dos EUA, no clima, só será retomada, se construída sobre um forte compromisso nacional, com a descarbonização. Isso pode ser feito mediante o corte das emissões de quatro superpoluentes: metano, carbono negro (fuligem), ozônio de baixa altitude e hidrofluorocarbonos (HFCs).
Considerando que a fuligem e o ozônio também são poluentes atmosféricos prejudiciais à saúde pública, o corte das suas emissões evitará a morte de 2,4 milhões de pessoas, todos os anos, devido à poluição do ar, em todo o mundo.
Se os EUA, sob a gestão de Biden e Kamala Harris, liderar um esforço global, para cortar os superpoluentes, a taxa de aquecimento, projetada para os próximos 20 anos, pode ser reduzida pela metade, como também a taxa de derretimento do gelo marinho, do Ártico.
O que você achou das recomendações dos experts? Que medida você acrescentaria para conter a mudança climática?
*Post atualizado em: 20.11.2020, às 10h29.
LETRAS AMBIENTAIS. [Título do artigo]. ISSN 2674-760X. Acessado em: [Data do acesso]. Disponível em: [Link do artigo].
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