Neste post, vamos explicar como o El Niño e um bloqueio atmosférico trouxe a atual onda de calor que atinge todas as regiões brasileiras. As informações e os mapas de monitoramento foram fornecidos pelo Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis).
Altas temperaturas atingem a América do Sul e têm aumentado o calor em todo o Brasil. Desde o final de julho, o Centro-Sul do País está sob um sistema de bloqueio de alta pressão, padrão atmosférico que persiste neste início de agosto.
A área persistente de alta pressão, também chamada de anticiclone ou bloqueio atmosférico, permaneceu no leste dos Andes. Essa condição atmosférica parece ser a principal causa do atual calor intenso.
A mudança climática antropogênica já aumentou a anomalia de temperatura da Terra em cerca de 1,2 °C, em relação à média pré-industrial. Mas mesmo na ausência desse processo, o atual sistema de bloqueio atmosférico iria impulsionar naturalmente o calor extremo, tendo provavelmente levado a temperaturas mais quentes. No entanto, o rápido aquecimento da mudança climática permitiu que a atual onda de calor se tornasse sem precedentes nos registros históricos.
O mapa acima mostra a anomalia de temperatura da Terra, próximo da superfície terrestre (a 2 metros de altura), com dados atualizados em 05 de agosto. O termo “anomalia” se refere ao desvio da temperatura média esperada para esta data, em relação à temperatura média dos últimos trinta anos. Ou seja, uma anomalia de temperatura significa que a temperatura está mais alta ou mais baixa do que o normal, em relação à média histórica.
O destaque do mapa é para as altas temperaturas que estão se espalhando, em grande parte da América do Sul. Olhando para as anomalias, você pode ver várias áreas com aquecimento se expandindo.
É possível verificar a permanência de águas aquecidas, numa extensa área do extremo sul da bacia do oceano Atlântico Sul e Leste do Pacífico equatorial, em razão da presença do El Niño naquela região oceânica. Outro destaque é o resfriamento registrado na região extratropical do oceano Atlântico Sul, com valores de anomalia negativa superiores aos -6˚C, em algumas localidades.
No Atlântico Sul, você pode observar uma forte faixa de aquecimento do Oceano. Isso está diretamente de acordo com as fortes anomalias do vento de sudeste, aquecendo a superfície dessas regiões, na América do Sul.
Os mapas foram gerados com dados do NCEP/GFS, uma reanálise global. Anomalia é a diferença da condição atual de temperatura, em relação à média de longo prazo. Os valores positivos correspondem ao aquecimento (calor, em tons de vermelho), e os valores negativos, ao resfriamento (frio, em tons de azul).
As temperaturas ainda estão bem acima da média no norte da Argentina, Bolívia e Paraguai, e assim permanecerão pelos próximos cinco dias. Os impactos das ondas de calor do inverno são menos compreendidos do que as ondas de calor do verão.
Para o Chile, o impacto mais provável é o acúmulo de neve nas montanhas, que fornece água para beber, agricultura e geração de energia. Qualquer derretimento da camada de neve provavelmente também afetará a diversidade da flora e fauna encontradas nos Andes.
No geral, essa onda de calor é um lembrete de como estamos mudando o clima da Terra. Esses extremos sem precedentes vão continuar, até pararmos de queimar combustíveis fósseis e de emitir gases de efeito estufa na atmosfera.
>> Leia também: Julho teve redução histórica das chuvas na Amazônia
A imagem acima ilustra como a mudança climática tem aumentado a temperatura média global e deslocado as situações de ondas de calor para novos recordes. O aumento da temperatura média global significa o aumento dos eventos de calor extremo.
Além do aquecimento anormal por mudança climática, atualmente, o El Niño e o bloqueio atmosférico estão agravando as ondas de calor extremo.
A imagem abaixo ilustra a atual massa de ar seco que atinge o Brasil, em razão da permanência do bloqueio atmosférico.
O bloqueio atmosférico pode gerar ondas de calor de três principais maneiras:
1) o anticiclone puxa o ar mais quente de perto do Equador, para a sua direção;
2) o anticiclone comprime e retém o ar, aquecendo-o, como foi o caso da onda de calor de 2021, no noroeste do Pacífico, quebrando o recorde de temperatura em quase 5 °C, no Canadá;
3) a alta pressão significa que há pouco ar ascendente e, portanto, pouca cobertura de nuvens. Isso permite que o Sol aqueça a Terra continuamente durante o dia, acumulando mais calor.
>> Leia também: Por que o dia 7 de julho foi o mais quente da história?
A imagem acima mostra a previsão climática para a primavera de 2023, com a presença atmosférica de um El Niño forte, influenciando também no verão.
Olhando para a previsão oceânica, durante o período outubro-novembro-dezembro, com base no modelo European Centre for Medium-Range Weather Forecasts (ECMWF), você pode ver um forte evento de El Niño, expandindo-se por todo o Pacífico tropical. Outra área de interesse é a área oceânica excepcionalmente quente no Atlântico Norte, desempenhando também papel importante, no quadro geral do clima brasileiro.
A anomalia da pressão superficial mostra um padrão interessante sobre o Pacífico tropical. Está prevista uma ampla zona de baixa pressão cobrindo os trópicos do Pacífico oriental e o Caribe, especialmente no oeste da Amazônia. Por outro lado, uma zona de alta pressão deve cobrir grande parte do Nordeste brasileiro. Esse padrão é típico do fenômeno El Niño. A intensificação do El Niño aumenta extremos de chuva e temperaturas.
Com base no aumento das anomalias de temperatura da superfície do Pacífico, na região Niño 3.4, no último mês de julho, há chance de 90% de que a Terra esteja caminhando para seu primeiro El Niño de intensidade forte, desde 2016. Você pode verificar no gráfico abaixo a recente intensificação do El Niño.
Infelizmente, a modelagem climática mostra que, à medida que as temperaturas continuam a aumentar, os eventos climáticos se tornam mais extremos.
>> Leia também: O sistema atmosférico que pode influenciar na intensidade do El Niño
É difícil ignorar que algo incomum está acontecendo com o clima em 2023. Enquanto algumas regiões enfrentam calor recorde, outras passam por chuvas extremas.
A imagem acima da anomalia média da temperatura da superfície do mar (TSM), baseada em dados de 28 de julho, mostra águas com aquecimento acima do normal, no oceano Atlântico Sul. Também destaca áreas da costa norte e leste do Nordeste brasileiro mais quentes que o normal, em relação à média histórica.
Essa onda de calor oceânica, associada à presença de ventos que vêm do Sudeste, têm trazido mais umidade ao Atlântico Sul. Essa umidade é responsável pelas recentes chuvas na costa leste do Nordeste brasileiro.
>> Leia também: Árvores da Amazônia podem morrer com El Niño e aquecimento climático
As temperaturas na superfície do oceano Atlântico Norte atingiram os níveis mais altos já registrado na história das medições. No último dia 30 de julho, a temperatura média diária de toda a bacia do Atlântico atingiu quase 25 °C.
A imagem acima mostra a anomalia da temperatura do mar nas regiões global e tropical, no último dia 30 de julho. O nível de calor no oceano está muito acima do normal. Você pode ver como as águas do Pacífico também estão ficando mais quentes, em razão do atual evento deEl Nino. Ao mesmo tempo, o Atlântico, o Caribe e o Golfo estão mais quentes que o normal.
Embora tenhamos um forte evento de El Niño este ano, o que estatisticamente resulta em menos atividade tropical no Atlântico, o pico que se aproxima da temporada de furacões de 2023 pode tirar vantagem dessas temperaturas recordes dos oceanos. Essas condições podem levar ao fortalecimento e intensificação dos ciclones, mais rápido do que o normal.
>> Leia também: El Niño e Planeta mais quente podem trazer seca incomum à Amazônia em 2023
O mapa atualizado do número de dias secos, gerado com dados de satélite do período de 31 de julho a 06 de agosto, destaca predomínio de estiagem na maior parte do Brasil, na última semana.
Comparando com a média histórica, os dados do mapa mostram uma leve redução da estiagem na área central da Amazônia brasileira, na última semana. Por outro lado, na última semana, houve redução da frequência das chuvas em todo o leste do Brasil, na área que vai desde o leste da Bahia até a região Sul do Brasil.
No mapa, as áreas na cor marrom indicam onde não ocorreu chuva, nos últimos sete dias consecutivos. Já as áreas em verde mostram onde houve chuva significativa ou os locais que tiveram apenas 1 a 2 dias sem chover, durante o período.
O “mapa do número de dias secos” é um dos produtos de monitoramento por satélite que fazem parte do método “Mapa da Mina”, do Laboratório Lapis. O produto permite identificar e geolocalizar a irregularidade das chuvas nas regiões brasileiras, sendo essencial para tomada de decisão.
O mapa foi elaborado com dados oriundos do produto Climate Hazards Group InfraRed Precipitation with Station data (CHIRPS), usando o software de geoprocessamento QGIS. O parâmetro utilizado baseia-se no número de dias secos, ou seja, quando o satélite não registrou chuvas, em 24 horas.
Conheça como funciona o método "Mapa da Mina", do Laboratório Lapis, para saber como gerar mapas e produtos de satélites, para monitoramento climático, agrícola e ambiental, usando o software livre QGIS. Assista a este vídeo com o passo a passo do método para usar o verdadeiro poder do QGIS, do zero ao avançado.
*Post atualizado em: 07.08.2023, às 08h30.
LETRAS AMBIENTAIS. [Título do artigo]. ISSN 2674-760X. Acessado em: [Data do acesso]. Disponível em: [Link do artigo].
Copyright © 2017-2024 Letras Ambientais | Todos os direitos reservados | Política de privacidade