La Niña chega com características incomuns. O que isso significa para o clima?



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O Centro de Previsão Climática (CPC) dos Estados Unidos anunciou na última quinta-feira, dia 09 de janeiro, que o La Niña começou oficialmente. Uma análise detalhada descobriu que as condições para o fenômeno se estabelecer começaram em dezembro do ano passado, com condições fracas, durante este verão.

A Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA) também anunciou que um padrão climático de La Niña, muito aguardado, finalmente está em andamento. Porém, a agência dos Estados Unidos prevê que esse resfriamento deve persistir somente até março, e logo o Pacífico volta novamente à condição de neutralidade.

Porém, o evento é um pouco incomum, já que várias regiões do mundo enfrentam, há alguns meses, condições semelhantes às de El Niño. Isso inclui condições secas em áreas do norte da Califórnia, onde há incêndios devastadores, e no Nordeste brasileiro, com uma pré-estação chuvosa abaixo da média.

La Niña verão_QGIS

O La Niña é a fase fria do El Niño Oscilação Sul (ENOS), marcada por temperaturas da água da superfície do mar abaixo de 0,5 ºC, em relação à média, em uma área importante do Pacífico oriental. O fenômeno costuma ter maior impacto durante o verão, no Hemisfério Sul.

Mas por que o La Niña deste ano está seguindo padrões incomuns? De acordo com o meteorologista Humberto Barbosa, fundador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), foi atípico o surgimento de condições semelhantes às de um La Niña na atmosfera, antes mesmo do resfriamento significativo da superfície do Pacífico tropical.

“Há mais de um ano, os oceanos globais estão muito mais quentes do que a média, o que pode ter contribuído para o atraso de La Niña. Além disso, a mudança climática pode estar influenciando mais do que o esperado", ressalta Humberto.

Os cientistas vão levar anos e, possivelmente, décadas, para examinar e comparar os dados atuais com os dados históricos do ENOS. Até então, não há respostas concretas sobre o motivo pelo qual os padrões climáticos do La Niña atual não se alinham com os anteriores. Vale lembrar que os conceitos de La Niña e El Niño não existem há muito tempo, com uso generalizado pela NOAA apenas desde a década de 1980.

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La Niña se tornou mais quente. Como isso impacto no clima?

No século passado, havia uma diferença clara entre La Niña e El Niño. Após um El Niño, os recordes de calor no mundo costumavam cessar. Mas nas últimas duas décadas, o La Niña também tem liberado calor oceânico preso para a atmosfera, aumentando também as temperaturas globais.

O La Niña é a fase mais fria que o normal do El Niño Oscilação Sul (ENOS), uma série de eventos oceânicos e climáticos no Pacífico, que influencia nas tempestades e chuvas globalmente. Já o El Niño é a fase quente do fenômeno, que pode desencadear secas em lugares como o Nordeste do Brasil e o sudoeste dos Estados Unidos.

No entanto, isso agora é mais do que compensado pelo aquecimento global. O ano de 2024 foi o mais quente da história recente, com o período 2016-2024 sendo o mais quente já registrado. Ou seja, os anos de La Niña agora são mais quentes do que os anos com El Niño forte no passado.

A última previsão do modelo European Centre for Medium-Range Weather Forecasts (ECMWF), para o início do inverno, indica uma área quente se espalhando no Pacífico tropical oriental, com o desaparecimento das anomalias frias. Nos próximos meses, o La Niña ficará ainda mais fraco.

Em março, o cenário deve ficar neutro negativo, com chance de avançar para águas mais aquecidas. Possivelmente, há chance de surgir um El Niño já no início do próximo inverno. Com isso, este ano pode superar 2024, considerado o mais quente da história.

Será que essa sucessão de recordes vai acabar? Isso porque um La Niña quente e a tendência de aquecimento global resultaram em acúmulo de calor na atmosfera. E vai demorar para esse calor se dissipar.  A longo prazo, o Planeta vai continuar se aquecendo, enquanto continuarmos jogando carbono no ar. Não há indícios de que isso acabará logo.

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Calor recorde nos oceanos. Entenda o impacto para a sua região

La Niña verão_QGIS 

O ano de 2024 foi o mais quente da história do Planeta e o mais quente da série histórica do Brasil, de acordo com a Organização Meteorológica Mundial (OMM). Mas o que pouco se fala é sobre o impacto do recorde de calor nos oceanos para o clima global.

Os oceanos estão muito mais quentes que o normal, com aumento do calor a cada década, desde 1960. Esse aumento implacável é um indicador direto da mudança climática. À medida que os oceanos esquentam, seu calor sobrecarrega os sistemas climáticos, tornando mais comuns eventos climáticos extremos.

Os oceanos absorvem cerca de 93% da energia capturada pelos gases de efeito estufa crescentes, decorrentes das atividades humanas, sobretudo da queima de combustíveis fósseis.

Como a água retém mais calor do que a atmosfera, com imensos volumes envolvidos, a temperatura da água do mar é uma memória direta do aquecimento global. Oceanos mais quentes fornecem umidade extra para a atmosfera.

Ondas de calor marinhas são picos de temperatura dos oceanos acima do normal. Alimentadas pelo aquecimento dos oceanos, essas ondas de calor podem impactar os ecossistemas marinhos por anos, mesmo depois que a água esfriar novamente.

O fato é que os oceanos estão tão mais quentes do que o normal, que um rápido resfriamento do Pacífico tropical pode fazer diferença. É o caso de a atmosfera já está respondendo a uma condição de La Niña, em algumas regiões do Brasil, como no Nordeste e áreas da região Sul.

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Clima do Sul e Nordeste já responde à condição de La Niña

 Imagem do satélite Meteosat_QGIS

Em 2024, o mundo esperou com expectativa o La Niña, com modelos climáticos até indicando que isso ocorreria no último outono. Mas as temperaturas de algumas regiões do Pacífico não atingiram o patamar necessário para a formação do fenômeno.

Apesar de a chegada do La Niña ser muito recente e com intensidade fraca, há várias regiões no mundo, onde condições atmosféricas já respondem a características típicas dessa fase fria do ENOS. É o caso da seca mais comum no extremo Sul do Brasil e de mais chuvas na região Nordeste.

Como você pode observar na imagem acima, do satélite Meteosat, desde o último dia 10 de janeiro, houve uma trégua importante na massa de ar seco sobre o Nordeste. Desde então, chuvas volumosas têm atingido a região. O bloqueio atmosférico persitia desde agosto do ano passado, com predomínio de seca e altas temperaturas. 

Mas o meteorologista Humberto Barbosa, fundador do Laboratório Lapis, alerta que o risco de variabilidade climática é uma das possíveis consequências dessa condição incomum do La Niña. Isso significa que essas regiões brasileiras podem enfrentar irregularidades na distribuição da precipitação, como chover bem em algumas áreas, e continuar seco, em outras. 

Ainda não está claro se esses eventos estão sendo causados pelo El Niño ou pelo aquecimento global, com aumento dos níveis de vapor de água. Essa incerteza ocorre porque o ENOS é um sistema climático acoplado entre a atmosfera e oceano, sobretudo nos trópicos.

Além disso, o ENOS não é a única influência do clima global. Há outros fatores importantes, como a Oscilação do Atlântico Norte e a Oscilação do Ártico, além dos Dipolos do Atlântico e do Índico. O Laboratório Lapis monitora o índice de temperatura do Atlântico Norte e do Atlântico Sul.

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Áreas do Nordeste e Centro-Oeste estão com alto risco climático

Chuvas La Niña Nordeste

A fase úmida da Oscilação Madden-Julian (MJO) passa atualmente pelo País. Isso favorece a formação de nuvens “overshootings”, com grande desenvolvimento vertical e topo frio, sobre a costa norte do Nordeste, associadas a áreas de baixa pressão. 

Na meteorologia tropical, “overshootings” é o nome dado às nuvens Cumulonimbus (Cb), que são enormes, chegam na estratosfera e liberam muito calor latente.

No mapa do Índice de Risco Climático (IRC), dia 15 de janeiro, o cinza intenso indica áreas de instabilidade atmosférica, favorecendo uma maior cobertura de nuvens e chuvas com possíveis trovoadas. O alto risco climático do Brasil se concentra atualmente em áreas do Nordeste, sobretudo norte de Ceará, e em municípios do Centro-Oeste. As temperaturas ficam mais amenas.

A escala de IRC em +5 indica que a temperatura está 5 vezes maior, por influência da mudança climática. Essa escala de risco indica que a mudança climática alterou a temperatura local.

Vale lembrar que há outras influências sobre a temperatura local, requerendo estudos específicos. Já a escala de IRC negativa (cor cinza), quer dizer que não há influência direta da mudança climática na temperatura local, mas predomínio de cobertura de nuvens e áreas de instabilidade.

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Fenômeno favorece chuvas intensas no Centro-Norte do Brasil

Onda Oscilação Maddem Julian - Chuvas no Nordeste

De acordo com o Laboratório Lapis, a expectativa é que a atuação contínua de um pulso úmido e quente da Oscilação Madden-Julian (OMJ) vai intensificar as áreas de instabilidade e risco de chuvas intensas, em áreas do Centro-Norte do Brasil.

O mapa acima mostra essa fase úmida da onda atmosférica, com movimento ascendente, sobre a região. Localmente, essas chuvas podem ser volumosas, acompanhadas de trovoadas e algumas rajadas de vento.

A OMJ é uma onda de nuvens profundas que surge no oceano Índico e se desloca para o leste, pelo Pacífico. O fenômeno aumenta a formação de tempestades tropicais, ao atingir a costa oeste da América do Sul. Seu ciclo varia de 30 a 60 dias, ou seja, um novo pulso chega a cada um ou dois meses. Ela se manifesta em duas fases:

1) Fase quente e úmida: ocasionada pela ascensão do ar quente na atmosfera, processo que dá origem a nuvens de chuva (em tons de azul, no mapa);

2) Fase seca e fria: quando ocorre o movimento vertical descendente do ar frio, caracterizado por céu claro e seco (em tons de amarelo e laranja, no mapa). 

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COMO CITAR ESTE ARTIGO:

LETRAS AMBIENTAIS. [Título do artigo]. ISSN 2674-760X. Acessado em: [Data do acesso]. Disponível em: [Link do artigo].

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