O escritor libanês Nassim Taleb utilizou o conceito de “cisnes negros” para caracterizar eventos inesperados e raros, com impactos amplos ou extremos, que perturbam a economia global e prejudicam as pessoas. Como já divulgamos neste post, o conceito foi adaptado como “cisnes verdes”, no Livro “The Green Swan”, para analisar os riscos das mudanças climáticas à sociedade global.
Uma das características dos eventos de “cisnes verdes” é que a comunidade científica conhece os impactos das mudanças climáticas, com alta probabilidade de ocorrer, mas ainda não sabe precisamente sua gravidade e extensão.
Uma das perguntas atualmente mais desafiadores da humanidade é: afinal, quais serão os custos globais das mudanças climáticas? Uma pesquisa publicada em julho de 2020, por cientistas estadunidenses, avançou nesse sentido, ao contribuir com uma estimativa empírica, baseada em dados, dos prováveis danos humanos e impactos econômicos das mudanças climáticas.
Os investigadores estimaram o risco de mortalidade, em escalas global e local, devido ao aumento futuro das temperaturas, causado por mudanças climáticas. Eles também avaliaram os custos econômicos e os benefícios sociais das medidas de adaptação ao aquecimento global.
Até então, as estimativas eram subestimadas, em função do conhecimento insuficiente e incompleto dos impactos das mudanças climáticas, por parte de cientistas e formuladores de políticas. Além disso, grande parte das pesquisas anteriores dependiam desproporcionalmente de dados de economias ricas e climas temperados.
A pesquisa, publicada na revista National Bureau of Economic Research, simulou como altas temperaturas poderão aumentar as taxas de mortalidade.
Os cientistas analisaram como os locais que enfrentam frio extremo hoje irão se beneficiar, pelo aumento das temperaturas, enquanto os danos humanos serão alarmantes nos locais mais pobres e/ou quentes. O impacto estimado será especialmente maior para os idosos, nas próximas décadas, em diferentes locais do Planeta.
O acesso a tecnologias, como aquecedores, em locais muito frios, e refrigeradores, em regiões quentes, entre outras medidas, como serviços de assistência a saúde, são fundamentais ao processo de adaptação.
Com isso, ao avaliar os danos humanos, em termos de mortalidade, que o calor extremo poderá causar, o estudo chama atenção sobre como as extremas desigualdades sociais tenderão a agravar um cenário de mudanças climáticas.
Os responsáveis pelo estudo fazem parte do Climate Impact Lab, um consórcio de pesquisadores estadunidenses. Eles passaram alguns anos mapeando a relação entre temperatura, renda e mortalidade.
Os resultados da pesquisa trouxeram novidades à comunidade científica, bem como a planejadores de políticas. Os riscos de mortalidade, decorrente das mudanças climáticas, são bem piores do estimado, em estudos anteriores.
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As atividades sociais e econômicas são o motor das mudanças climáticas. Energia e uso da terra são a principal fonte de emissões de gases de efeito estufa e poluentes no ar, os quais interferem no clima da Terra. Por sua vez, as mudanças climáticas terão sérios impactos nessas atividades.
Como nossas ações impulsionam as mudanças climáticas, também podemos atuar para reduzir o impacto de nossas atividades no clima (mitigação), bem como para minimizar o impacto das mudanças climáticas sobre nós (adaptação).
O ciclo abaixo mostra como estratégias de mitigação e de adaptação são usadas para definir possíveis respostas às mudanças climáticas. Por um lado, as ações se concentram nas estratégias de mitigação, para limitar o atual impacto humano nas emissões de carbono. Por outro, as estratégias de adaptação são adotadas para limitar o impacto das mudanças climáticas sobre os humanos.
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A figura mostra uma curva, em formato de "U", representando a relação mortalidade-temperatura extrema, especialmente para os idosos (maiores de 65 anos).
A curva é nivelada, em função de rendimentos mais elevados e medidas de adaptação ao clima local (por exemplo, sistemas de aquecimento robustos, em climas frios, e sistemas de refrigeração, em climas quentes). Quando a temperatura aumenta, há redução de mortes, cuja taxa volta a crescer, quando o calor atinge níveis extremos.
Além de calcular os danos humanos das mudanças climáticas, causados pelo aumento das temperaturas, os cientistas também irão estimar os custos do processo aos diversos setores econômicos. Eventualmente, eles irão tratar de impactos à energia, agricultura, propriedades costeiras, produtividade do trabalho e manufatura.
Essas informações científicas são cruciais aos planejadores de políticas, que podem priorizar o investimento em adaptação climática.
Estimar o custo dos danos humanos e prejuízos das mudanças climáticas, em diferentes regiões do Planeta e setores econômicos, é um avanço sem precedentes na área de economia climática. O resultado da pesquisa responde a uma das interrogações mais desafiantes do mundo, para a formulação de políticas climáticas globais e nacionais.
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Além da conexão intrínseca entre desenvolvimento socioeconômico e risco de mortalidade, por aquecimento global, o estudo do Climate Impact Lab também oferece subsídios para a estimativa do atual custo social do carbono.
Ou seja: os pesquisadores estimaram quanto precisamos investir hoje, para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, visando reduzir o risco de mortalidade futura, associada à liberação de cada tonelada métrica adicional de CO2.
O custo social do carbono é um conceito fundamental na economia da mudança climática. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), ele busca identificar o custo econômico, ocasionado por cada tonelada adicional de CO2, emitida na atmosfera, sobre as atividades econômicas, o bem-estar social e os ecossistemas. É definido como o valor monetário do dano causado, ao emitir uma tonelada adicional de carbono, durante determinado período.
Nos Estados Unidos, durante a gestão do presidente Barack Obama, o custo social de uma tonelada métrica de carbono era calculado em 50 dólares. Sob Donald Trump, o preço foi reduzido para apenas 7 dólares, embora um relatório recente do escritório de responsabilidade que assessora o presidente tenha contestado a falta de fundamento científico para o cálculo atual.
De acordo com a nova estimativa do Climate Impact Lab, o custo dos danos climáticos, atribuído apenas à mortalidade por calor, é de 17,10 dólares, por tonelada de CO₂, se as emissões forem mantidas abaixo do esperado. Já em um cenário de alta emissão, a estimativa é de 36,60 dólares. Outros impactos, como desafios trabalhistas ou aumento do nível do mar, aumentarão ainda mais os custos com danos.
Depois desse estudo, será possível planejar os investimentos necessários em adaptação, para proteger as pessoas de um futuro mais quente, mensurando, em valores monetários, a redução da pobreza e os danos esperados das mudanças climáticas. Dessa forma, torna-se possível entender melhor a dimensão do risco e investir em adaptação, antes que os impactos comecem a aparecer.
A pesquisa preenche uma lacuna científica crucial, pois passamos muito tempo discutindo se o aquecimento global é real e quem o causou. Porém, a tendência de mudanças climáticas já é consenso hoje, entre grande parte da comunidade científica.
Diante de uma situação tão desafiante, duas questões se tornam mais relevantes para esclarecermos, da melhor maneira possível: 1) O que provavelmente irá acontecer? 2) Qual é a pior coisa que pode ocorrer? Considerando que o evento mais improvável pode se concretizar, como é típico dos “cisnes verdes”, é necessário se prepararmos para o cenário mais dramático.
Apesar de existirem ferramentas tão distintas sobre as projeções dos impactos das mudanças climáticas, a batalha que realmente interessa é integrar conhecimentos de grupos mais otimistas e mais pessimistas, para um consenso sobre o futuro do clima no Planeta.
Dessa forma, será possível chegarmos a uma estimativa, a mais realista possível, dos danos futuros do aquecimento global. Seguindo a lógica dos “cisnes verdes”, os resultados menos prováveis e de maior impacto são tão importantes quanto os eventos com maior probabilidade de ocorrerem.
Os pesquisadores do Climate Impact Lab avançaram nesse sentido. Eles fornecerem projeções tangíveis dos impactos das mudanças climáticas, em termos de risco de mortalidade, em um Planeta superaquecido, e do custo social do carbono.
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A pesquisa usou um enorme conjunto de dados globais, de registros de mortes e temperaturas. No início da pesquisa, eles enfrentaram o desafio da falta de dados de mortalidade por calor, em quase metade do mundo. Para contornar isso, estabeleceram cientificamente uma relação entre calor e morte, para 41 países, que cobrem 55% da população mundial.
Chama atenção a robustez dos dados obtidos: eles analisaram quase 400 milhões de mortes, causadas por ondas de calor, combinadas à observação da temperatura diária e local, durante décadas.
Para identificar a relação entre desigualdade socioeconômica e taxas de mortalidade, ao longo do tempo, os pesquisadores dividiram o mundo de hoje em mais de 24 mil áreas diferentes. Dessas estatísticas, projetaram estimativas para o mapa global do risco de mortes por calor extremo.
O estudo concluiu que os riscos futuros de mortalidade humana, por excesso de calor, são diretamente determinados pelo nível de desigualdades sociais de uma região. Ou seja, dependendo do lugar onde você mora e das suas condições socioeconômicas, os impactos das mudanças climáticas poderão ser mais letais. A mortalidade por aquecimento global será muito maior em países pobres.
Como acontece com a atual pandemia, em geral, as mortes pela Covid-19 têm raça, gênero e classe social específicos. O coronavírus tem afetado fatalmente minorias sociais mais vulneráveis, como negros, indígenas, mulheres e pobres, que vivem nas periferias urbanas, e não têm acesso aos serviços de saúde que necessitam.
No caso das mudanças climáticas, nas regiões pobres, com menos acesso a infraestruturas de proteção ao calor extremo e a um adequado atendimento de saúde, estimam-se que as taxas de mortalidade serão muito piores. As projeções foram comparadas com o risco da população que vive em países ricos e tecnologicamente desenvolvidos, mesmo sob temperaturas quentes semelhantes.
Os cientistas analisaram os impactos diretos e indiretos de situações de calor extremo sobre a saúde humana. Com isso, foi possível projetar como alguns indicadores sociais, a exemplo do aumento da renda e redução das abissais desigualdades sociais, poderão reduzir o número de mortes por excesso de calor, em um mundo em aquecimento.
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O fortalecimento da capacidade de adaptação permitirá uma melhor resposta da população a esses eventos extremos, em especial das pessoas em situação de pobreza.
Como ocorreu com a atual pandemia, a perda econômica da crise climática, bem como o custo de adaptação, serão sentidos em todo o mundo, inclusive nos países ricos. Tanto o frio quanto o calor extremo aumentam as taxas de mortalidade.
Porém, os autores descobriram que essas relações são modificadas pelos níveis de renda da população afetada. Com isso, o crescimento da renda futura projetada trará benefícios substanciais na adaptação ao clima.
“Mudanças climáticas e desenvolvimento socioeconômico estão profundamente interligados. Isso significa que não podemos entender a vida e a morte em um Planeta mais quente, sem primeiro entender a desigualdade”, afirmam os pesquisadores na publicação.
Ou seja: as taxas futuras de mortalidade estão intimamente relacionadas à desigualdade socioeconômica. Mesmo em regiões com climas futuros semelhantes, a mortalidade por calor será mais comum em populações de áreas com baixa renda e menos acesso a medidas de saúde e segurança. Esses resultados permitiram modelar como ações de adaptação afetam a sensibilidade de uma população a temperaturas extremas.
A pesquisa analisou tanto os benefícios do aumento das temperaturas, em regiões de frio extremo, como Noruega e Canadá, quanto os impactos diretos das altas temperaturas na mortalidade humana. Dessa forma, foi possível estimar os custos de investimentos em adaptação ao clima, compreendendo que, em um Planeta mais quente, garantir a saúde da população passa necessariamente pela redução das desigualdades.
De acordo com o estudo do Climate Impact Lab, a redução das desigualdades pode diminuir a taxa de mortalidade projetada, por calor extremo, em cerca de 60%. Essa descoberta se traduz na possibilidade de salvar milhões de vidas, dos nefastos efeitos da crise climática, reduzindo-se as disparidades sociais entre e dentro dos países.
Vale lembrar que algumas regiões do mundo já estão duas vezes mais quentes do que a média global. Essa tendência deixará mais pessoas vulneráveis ao calor extremo, causando um aumento de 50% no risco de mortalidade por acidente vascular cerebral, doença cardiovascular ou condições pulmonares.
O gráfico acima compara a projeção de mortes por excesso de calor, de acordo com as medidas de adaptação adotadas, em diferentes cenários de mudanças climáticas, em 2100. Os impactos são mais ou menos graves, de acordo com os cenários de emissões de carbono considerados e do cenário socioeconômico projetado.
O estudo mostra que, em países pobres, os impactos das mudanças climáticas poderão causar mais mortes do que todas as doenças infecciosas atuais, no mundo (incluindo tuberculose, HIV/AIDS, malária, dengue e febre amarela).
De acordo com as estimativas do novo estudo, a taxa média global de mortalidade anual, apenas por excesso de calor, poderão chegar a 85 mortes, a cada 100 mil pessoas, no fim do século. A projeção considera o pior cenário, no qual não haja medidas de contenção das emissões de carbono.
Em um cenário de alta poluição atmosférica, com renda global futura e taxas de crescimento populacional que se aproximam das observações recentes, a situação seria catastrófica. As estimativas do estudo foram feitas com base em modelos climáticos e econométricos (modelos matemáticos, baseados em estatísticas, que relacionam variáveis econômicas).
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Os números são assustadoramente comparáveis às 79 mortes, por 100.000 habitantes, que Nova York contabiliza, pela Covid-19, desde janeiro deste ano. Semelhante à atual pandemia, as pessoas mais vulneráveis às mortes, por excesso de calor, são aquelas que já têm condições preexistentes ou não dispõem de infraestrutura para enfrentar o problema.
De acordo com dados divulgados pela agência Bloomberg, a pesquisa alerta para o desafio de que países pobres e emergentes terão, para conseguir se adaptar, especialmente na ausência de ações para reduzir o ritmo das mudanças climáticas.
Como acontece com a pandemia do novo coronavírus, nos países com maior nível de pobreza, das áreas mais quentes do mundo, a capacidade de adaptação às ondas de calor será limitada.
Além das dificuldades tecnológicas e de gestão, o preço da adaptação também será mais alto, em regiões onde os recursos já são escassos. Com isso, considerando os desafios para maior capacidade de adaptação e resposta às mudanças climáticas, os impactos serão mais dramáticos a uma superpopulação exposta, nesses locais.
Os últimos seis anos foram os mais quentes já registrados na história. O ano de 2020 também deve ocupar o seu lugar no topo. Pesquisadores do clima consideram a população idosa como a mais vulnerável a temperaturas extremas, sendo um indicador líder da mortalidade por calor.
Desde 1990, a vulnerabilidade da população idosa às altas temperaturas já aumentou mais de 10% na África, no Sudeste Asiático e no Pacífico Ocidental. Estudos também já demonstraram a grande vulnerabilidade dos idosos ao calor, na Europa e no leste do Mediterrâneo.
Em 2003, morreram cerca de 70 mil pessoas na Europa, por causas relacionadas ao calor. Anualmente, cerca de 12 mil pessoas morrem pelo mesmo motivo, nos Estados Unidos, um número que pode aumentar oito vezes até 2100.
O estudo do Climate Impact Lab conclui que as mudanças climáticas levarão a um futuro com mais mortes, em lugares já quentes, do que nas regiões mais frias de hoje. Em razão das desigualdades sociais, o calor extremo acarreta um risco maior de morte do que o frio extremo, e a tendência é de essa disparidade aumentar com o tempo.
A temperatura global aumentou 1 oC, em relação ao início da industrialização. Essa mudança já provoca situações de calor extremo, secas, incêndios, tempestades e inundações. Cientistas do Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC) estimam um aquecimento superior a 3 oC, na temperatura global, até 2100.
Com a redução das emissões de carbono, as mortes relacionadas às altas temperaturas serão reduzidas a menos de um terço, se comparadas ao cenário mais grave, descobriram os pesquisadores do Climate Impact Lab. Os custos econômicos também serão significativamente menores.
O estresse térmico está aumentando no Centro-Sul do Brasil. Sentir muito calor não é apenas desconfortável. O estresse térmico causa não apenas desidratação, dores de cabeça e náuseas. Quando as pessoas são expostas a altas temperaturas por períodos prolongados, correm o risco de adquirir graves problemas de saúde e até mesmo de perderem a vida.
A situação só vai piorar. Cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas advertem que "globalmente, a porcentagem da população exposta ao estresse térmico deverá aumentar dos atuais 30% para 48%-76% até o final do século, dependendo dos níveis futuros de aquecimento e localização".
O alerta de calor é dado quando há uma combinação de alta temperatura com alta umidade, ameaçando a saúde de parte considerável da população. Temperatura e umidade elevadas causam problemas de saúde que podem inclusive levar à morte.
De acordo com o meteorologista Humberto Barbosa, fundador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), quando falamos em calor, não é correto usar o termo "sensação térmica". Essa expressão vale apenas para se referir a dias frios. No calor, o correto é usar o termo índice de calor.
O índice de calor é o parâmetro mais adequado para determinar o efeito da umidade relativa sobre a temperatura aparente do ar. O índice de calor nos mostra que temperatura elevada aliada à umidade relativa alta, também propicia uma situação de risco. Uma pessoa sobrevive poucas horas se exposta a uma temperatura de 35 ºC e umidade de 85%.
Outra condição que pode levar à morte é a temperatura do bulbo úmido de 35 ºC. Bulbo úmido é um tipo de termômetro, que mede a temperatura do ar, se ele estivesse saturado para o vapor d’água.
Isso acontece porque a principal causa de morte em ondas de calor é a insolação. Devido à umidade, a vítima perde a capacidade de controlar sua temperatura pelo suor. A temperatura do corpo sobe, causa danos no cérebro e pode levar à morte.
Existe um instrumento meteorológico chamado psicrômetro e ele tem dois termômetros: um de bulbo seco (que mede a temperatura do ar) e outro de bulbo úmido. Não confundam o valor do índice de calor com a temperatura do bulbo úmido.
Um estudo coordenado por Colin Raymond, no Laboratório de Propulsão a Jato, da NASA, destaca que há quarenta anos atrás, temperaturas de bulbo úmido de 33 °C aconteciam quatro ou cinco vezes por ano, em todo o mundo; agora, eles acontecem 25 a 30 vezes por ano.
O limite de bulbo úmido fatal de 35 °C não deveria ocorrer com regularidade, até por volta de 2050, com base em projeções de modelos climáticos. Mas algumas estações meteorológicas estão agora registrando o bulbo úmido nessa condição extrema.
A forma de minimizar tais problemas é tão óbvia quanto intuitiva: manter-se sempre hidratado e refrescado, se possível por meio de ar-condicionado, ventilador ou banho frio. Nos países com menor nível de renda, o desafio é maior, especialmente para pessoas que se encontram em situação de rua.
Os resultados da pesquisa nos levam a algumas reflexões sobre as extremas desigualdades sociais no Brasil, considerando as atuais mortes pela pandemia e os prováveis impactos do aumento das temperaturas, nas próximas décadas.
No dia 27 de julho, a organização Oxfam divulgou um relatório, mostrando que, durante a pandemia, houve um crescimento de US$ 34 bilhões, nas fortunas dos bilionários brasileiros. Ou seja, um seleto grupo de 42 super-ricos tiveram uma escalada de 27,6% no seu patrimônio, passando de US$ 123,1 bilhões, para US$ 157,1 bilhões, no período de março a julho de 2020.
As doações feitas pelos bilionários, durante a pandemia, não costumam acompanhar o ritmo da explosão de sua riqueza. Há uma tendência global de bilionários concentraram riquezas e poder em fundações privadas familiares, obtendo vantajosos incentivos fiscais. Porém, um percentual muito baixo dos recursos dessas fundações é direcionado a instituições de caridade, a exemplo de escolas e hospitais que, de fato, atuam pelo interesse público.
Segundo a Oxfam, a “trajetória do vírus é uma fotografia das profundas desigualdades do País”. O fato de essa parcela bilionária está mais rica do nunca, mesmo durante a pandemia, contrasta com o cenário de desamparo dos grupos sociais vulneráveis. A população pobre enfrenta fome, desemprego, informalidade e insegurança, sendo também a maior vítima fatal da Covid-19, no Brasil.
Além disso, o Brasil concentra 77% das mortes de gestantes e mulheres no pós-parto, por Covid-19, registradas no mundo. Foi o que mostrou um estudo publicado no periódico médico International Journal of Gynecology and Obstetrics, por um grupo de pesquisadores brasileiros.
Esse enorme abismo social e econômico no Brasil, coincide atualmente com o fato de o País ocupar o dramático segundo lugar, no ranking global de mortes pelo coronavírus. Esse dado é um alerta para um cenário de alta letalidade por aumento das temperaturas, em função das mudanças climáticas.
Corremos o risco de, mais uma vez, passarmos por tragédia semelhante à pandemia, em razão das desigualdades. É provável que, em um cenário de calor extremo, pessoas pobres e minorias sociais paguem com suas próprias vidas o custo das desigualdades.
A questão é preocupante se considerarmos regiões mais quentes do País, e com menores indicadores de desenvolvimento humano, como o Semiárido brasileiro, onde vivem cerca de 28 milhões de pessoas.
Para entender melhor o assunto, recomendamos a leitura do Livro “Um século de secas”, que relaciona temas como mudanças climáticas, impactos, desigualdades sociais, secas e políticas de adaptação no Semiárido brasileiro. Acesse aqui a página do Livro.
Como observado durante a pandemia, na maioria dos pequenos municípios dessa região, a infraestrutura hospitalar é bastante precária e a baixa renda das famílias não lhes propicia segurança para enfrentar períodos de crise.
O aumento da temperatura elevará, ainda mais, as abissais desigualdades sociais de hoje, levando a mais mortes por excesso de calor, a menos que o desenvolvimento socioeconômico e o investimento em adaptação possam reduzir o risco da perda de vidas.
A pesquisa do Climate Impact Lab avança na fronteira do conhecimento sobre quanto custam os danos e impactos das mudanças climáticas, bem como os investimentos necessários em medidas de adaptação.
A maneira mais segura de lidar com as consequências mortais das mudanças climáticas é evitar que isso aconteça. A estimativa adequada do custo social do carbono é capaz de fomentar atuais medidas de adaptação, capazes de reduzir a mortalidade por mudanças climáticas.
A vida e a morte futuras serão moldadas pelas atuais desigualdades. Dessa forma, não basta reduzir as emissões de gases de efeito estufa a zero, o mais rápido possível. A redução das desigualdades sociais é a maneira mais efetiva de enfrentar a crise climática. O aumento da renda reduzirá, em mais de 50%, o risco de mortalidade por excesso de calor, segundo as descobertas do Climate Impact Lab. A taxa de mortalidade cairá substancialmente, com as adequadas medidas de adaptação.
No Brasil, as extremas desigualdades sociais e o atual número de mortes pela pandemia, do novo coronavírus, alertam para um cenário dramático de superaquecimento, pelas mudanças climáticas. A área mais atingida será o Semiárido brasileiro, a região mais quente do Brasil hoje e com baixos níveis de renda.
A experiência da pandemia nos trouxe várias lições, dentre as quais, destacamos três pontos:
1) não ignorar as previsões da ciência sobre a possibilidade de desastres, como fizemos com os alertas sobre o risco de uma grave pandemia;
2) não negligenciar que o enorme abismo das desigualdades sociais pode acarretar dores profundas à população;
3) não considerar que eventos muito improváveis realmente podem acontecer, causando impactos fulminantes à economia e sociedade globais.
Essas lições são importantes para pensarmos nos eventos de “cisnes verdes”, impactos profundos das mudanças climáticas, adotando medidas de mitigação e adaptação, que passam necessariamente pela redução das perversas desigualdades socioeconômicas.
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LETRAS AMBIENTAIS. [Título do artigo]. ISSN 2674-760X. Acessado em: [Data do acesso]. Disponível em: [Link do artigo].
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