“Não há justificativa climática para pico de queimadas em São Paulo”, afirma cientista


Pico de queimadas em São Paulo ocorreu no dia 23 de agosto deste ano. Fonte: Laboratório Lapis.


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A seca não é responsável pelo aumento das queimadas em São Paulo, como mostram dados de monitoramento do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis).

De acordo com o meteorologista Humberto Barbosa, fundador do Laboratório Lapis e responsável pela pesquisa, se dependesse das condições climáticas, a explosão de queimadas em São Paulo teria ocorrido de maio a julho deste ano.

O Laboratório Lapis utiliza um conjunto de indicadores para avaliar a condição de severidade da seca nas regiões brasileiras, a partir de dados de satélites. Neste estudo, foram analisados dados da cobertura vegetal, umidade do solotemperatura, precipitação e ventos, além das áreas atingidas por queimadas.

Queimadas em São Paulo são provocadas e estão fora do período climático crítico

Na pesquisa do Laboratório Lapis, identificou-se que o período mais propício ao aumento das queimadas em São Paulo, do ponto de vista climático, foi  de meados ao final de julho. Como você pode ver no gráfico acima, período mais seco deste ano em São Paulo ocorreu de maio a julho, quando houve três grandes ondas de seca no estado.

“Historicamente, o clima seco e o aumento das queimadas acontecem ao mesmo tempo, normalmente no mês de agosto. Mas este ano foi diferente em São Paulo, pois o ápice da seca e do calor ocorreu na segunda quinzena de julho, não agora em agosto. Por isso, do ponto de vista climático, não haveria justificativa para o atual pico de queimadas no estado”, explica Humberto.

De acordo com Humberto, o final de julho foi o período climático mais crítico e propício ao aumento das queimadas, não neste final de agosto. "No final de julho, ocorreu a combinação de altas temperaturas, vegetação seca e ausência de chuva. Normalmente, esse pico climático ocorre em agosto e setembro, mas esse ano foi antecipado", ressalta Humberto. 

"Apesar de ser um ano crítico de seca em São Paulo, na semana passada houve mehoria nas condições climáticas do estado. A média da temperatura ficou mais baixa e a umidade do solo mais alta, condição que não é propícia para que pessoas queimem a vegetação", explica o meteorologista.

Outro gráfico mostra a situação da umidade do solo em São Paulo, de setembro de 2023 a junho de 2024. Os dados permitem identificar que, no final de maio e no final de junho deste ano, houve uma grande secura nos solos do estado, quando comparado com a média histórica para o período. Os dados mostram a estimativa da quantidade de água contida na superfície do solo, a partir de satélites.

O Laboratório Lapis também mapeou quantos dias ocorreram chuvas em São Paulo, nos últimos 30 dias. Para isso, foi gerado o mapa do número de dias secos. As áreas em vermelho, no mapa, indicam quantos dias o satélite passou sem registrar chuva. Já as áreas em verde mostram os locais onde houve registro de chuvas relativamente regulares.

O meteorologista ressalta ainda que se o atual pico de queimadas em São Paulo fosse de origem natural, supostamente decorrente da seca, não teria acontecido agora, mas em meados de julho. 

"Neste mês de agosto, o clima em São Paulo não está tão favorável para um pico de queimadas. Mesmo assim, prevaleceu a tradição de se atear fogo na vegetação nesse período. Todas elas são queimadas provocadas pela ação humana, pelo menos 99% de todos os focos de incêndios monitorados”, completa Humberto.

Você pode observar no gráfico abaixo que no período de março a agosto deste ano, as temperaturas médias em São Paulo ficaram acima do normal. O início de maio foi o período mais crítico para altas temperaturas no estado, quando houve duas ondas de calor. Por outro lado, na segunda quinzena de julho, houve a combinação de calor acima do normal com o período mais crítico de seca e a consequente perda de biomassa.

De acordo com o Programa Queimadas, do Inpe/MCTI, somente neste mês de agosto, já foram registrados pelo satélite de referência um total de 3.530 focos de incêndios, somente em São Paulo. É o pior recorde já registrado para o mês no estado, desde 1998. O pico deste mês ocorreu na última sexta-feira, dia 23 de agosto, com número excepcional de 1.886 focos de incêndios no estado.

Antes, o recorde era 2010, com 2.444 focos de queimadas monitoradas em agosto. Vale ressaltar que aquele foi o pior ano de queimadas da vegetação em São Paulo, com mais de 7 mil focos acumulados durante os 12 meses.

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Incêndios em São Paulo aumentaram em condições climáticas incomuns

Imagem de satélite mostra queimadas em São Paulo

A imagem de satélite mostra a concentração de partículas de fumaça sobre São Paulo, no dia 24 de agosto. Parte dessa poluição é oriunda das queimadas na Amazônia, Cerrado e Pantanal, sendo carregada pelos ventos para o Sudeste.

A imagem de satélite chama atenção para o impacto das queimadas no Pantanal e no Cerrado sobre o corredor de fumaça que chega ao Centro-Sul. É que o aumento das queimadas nessas regiões, provocadas pela ação humana, se soma aos incêndios florestais registrados na Amazônia brasileira e nos países vizinhos.

A imagem acima mostra os focos de queimadas no Amazonas, Acre, Rondônia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, São Paulo e Minas Gerais (Veja no mapa, em vermelho). O destaque são as partículas de fumaça que chegam a São Paulo, oriundas das queimadas da Amazônia, além do Pantanal e Cerrado.

A imagem do satélite PlanetScope registrou, no dia 23 de agosto, o fluxo de fumaça oriundo de outras regiões chegando a Robeirão Preto (SP). Nesse dia, a situação ficou mais grave em São Paulo e foi registrado um recorde histórico de focos de queimadas no estado. 

Humberto explica que assim como os rios voadores que transportam a umidade da Amazônia para o Centro-Sul, gerando chuvas, esse corredor agora carrega fumaça.

Na pesquisa do Laboratório Lapis, também foram utilizados mapas do Índice de Vegetação por Diferença Normalizada (NDVI). Trata-se de um índice de seca, baseado em dados do satélite Meteosat, que permite observar a situação do vigor da vegetação, a depender dos níveis de precipitação e umidade do solo.

O gráfico abaixo mostra a situação da cobertura vegetal de São Paulo, desde março deste ano. É possível identificar a tendência de queda na cobertura vegetal, com breves períodos de recuperação. Observe que em meados de julho, ocorreu o período mais crítico de perda de biomassa, em razão da seca e altas temperaturas.

“Condições climáticas de seca, associadas a alguns fatores da atmosfera e dos ventos, potencializam as queimadas nesses biomas. Porém, em São Paulo, as queimadas aumentaram de forma atípica em agosto, sem estarem associadas às áreas mais secas dos últimos 30 dias”, explica Humberto Barbosa, fundador do Laboratório Lapis e responsável pelo estudo. 

Como você pode observar nos mapas, a estiagem na Amazônia, Pantanal e Cerrado, nas primeiras semanas de julho, tem relação direta com a intensificação das queimadas provocadas nesses biomas. Mas essa relação não é observada necessariamente em São Paulo, que não está entre as áreas atingidas por secas severas no Brasil.

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Queimadas na Amazônia e Sudeste pioram ondas de calor nessas regiões

Imagem da Nasa mostra incêndios florestais são paulo

A imagem de satélite, processada pelo Laboratório Lapis, mostra a situação dos focos de incêndios florestais ativos, no dia 25 de agosto. O destaque é a concentração dos focos de queimadas nas regiões Sudeste e Centro-Oeste e Norte. Na imagem, os ventos passam pela Amazônia e seguem o fluxo para Minas Gerais, carregados de fumaça.

O monitoramento das queimadas, a partir de dados de satélite, permite acompanhar a situação em grandes escalas regionais, o que é importante para o Brasil, pela sua característica continental. Isso permite gerar análises temporais e espaciais da ocorrência do fogo, com metodologia padronizada, o que seria difícil de se obter de outra forma.

A relação dos focos detectados com as queimadas não é direta, nas imagens de satélite. Um foco indica a existência de fogo, em um elemento de resolução da imagem (pixel). Nesse pixel, pode haver uma ou várias frentes de fogo ativo, mesmo que a indicação seja de um único foco ou ponto.

 

O mapa anual do Índice de Precipitação Padronizado (SPI), baseado em dados de satélites do produto CHIRPS, permite identificar quando há situação extrema ou excepcional de seca em São Paulo.

Observe que há áreas do estado que não estão nessa condição de seca severa. Mesmo assim, elas têm concentrado grande quantidade de focos de incêndios na vegetaçãoAssim, o mapa demonstra não haver uma relação direta entre seca severa e pico de queimadas em São Paulo. 

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Imagens mostram queimadas em áreas de reserva legal de propriedades rurais

imagens do satélite Planet_QGIS
O Laboratório Lapis identificou imagens de satélite que mostram o fogo em áreas de reserva legal de propriedades rurais. Ao lado do trecho de floresta em chamas, áreas de lavouras irrigadas por pivôs centrais permanecem intocadas.

As imagens de satélite do sistema PlanetScope registraram essa situação na divisa de São Paulo com Minas Gerais, entre os municípios de Miguelópolis (SP) e Uberaba (MG). Veja o antes e depois. Na primeira imagem, há presença da reserva legal, no dia 23 de agosto. Já na segunda, um dia depois, o satélite já registrou a reserva legal reduzida a cinzas, no dia 24 de agosto.

"As imagens de satélite de uma área agrícola, gerenciada e com vários níveis de manejo, reforçam que os incêndios não são aleatórios, mas provocados pela ação humana. As queimadas em São Paulo não são acidentais, mas provocados e têm atingido importantes áreas de reserva legal no interior das propriedades rurais", pontua Humberto.

O meteorologista assegura que não havia condições meteorológicas para o surgimento desses incêndios, naquela data. "As imagens mostram um mosaico de solos – alguns preparados para plantio, outros com lavouras cultivadas e também áreas com matéria seca pós-colheita, que não foram atingidas pelo fogo. Por outro lado, uma reserva legal com vegetação verde foi totalmente destruída", completa. 

De acordo com o Código Florestal brasileiro (Lei n° 12.651/2012), toda propriedade rural deve manter uma área de reserva legal, com a função de assegurar o uso econômico sustentável dos recursos naturais do imóvel rural. Essas áreas auxiliam na conservação e reabilitação dos processos ecológicos e promovem a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção da fauna silvestre e da flora nativa. 

O sistema PlanetScope é uma das mais sofisticadas tecnologias para obtenção de imagens de satélites, com dados de alta resolução espacial (3 metros) e de alta frequência temporal (diária).
As imagens são usadas pelas instituições de pesquisa e segurança pública para monitoramento das florestas e investigações sobre crimes ambientais, como queimadas. O Laboratório Lapis é uma das instituições brasileiras que utilizam esses dados para monitoramento. 

As imagens captadas pelo satélite Super Dove, da constelação PlanetScope destacam a dimensão da cobertura florestal destruída, causada por uma onda de incêndios em áreas agrícolas. A imagem de satélite foi processada no software QGIS.

Onda de calor decorrente da fumaça das queimadas atinge Centro-Sul

Mapa da onda de calor no SUL_QGIS

O estudo do Laboratório Lapis também analisou a situação das temperaturas no Brasil, a partir do mapa do Índice de Risco Climático (IRC).

De acordo com o mapa, nesta sexta-feira, dia 30 de agosto, uma onda de calor está instalada em áreas das regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul, associada à fumaça das queimadas. As altas temperaturas foram analisadas com base no modelo de previsão da NOAA. Essas altas temperaturas coincidem com áreas altamente degradadas.

"Essa onda de calor no Centro-Sul não é natural, mas provocada por ações humanas de degradação, como desmatamento e queimadas, em uma condição de seca severa. As partículas de fumaça dos incêndios florestais na Amazônia Legal são transportadas para essas regiões e provocam a onda de calor”, explica Humberto.

Hoje, já é possível estimar como a mudança climática alterou as temperaturas diárias, em qualquer localidade do País. O mapa é baseado no IRC, que varia de -5 a +5, indicando o impacto da mudança climática sobre a temperatura local.

A mudança climática é o aumento gradual da temperatura do Planeta, em relação aos níveis pré-industriais, detectado desde os anos 1980. A principal causa do aquecimento global são as atividades humanas e as queimadas são uma das formas de degradação da terra. O processo tornou eventos climáticos extremos mais frequentes.

O IRC estima os riscos de eventos climáticos extremos, incluindo ondas de calor provocadas pela ação humana, como é o caso da fumaça das queimadas. 

Fumaça das queimadas da Amazônia chega ao Centro-Sul no fim de semana

Fumaça das queimadas na Amazônia chea ao Centro-Sul

Grandes áreas da Amazônia Legal são devastadas pelo fogo. A imagem do satélite Copernicus registrou a enorme quantidade de focos de incêndios florestais no bioma, nos dias 27 e 28 de agosto.

A alta quantidade de fumaça, proveniente desses incêndios florestais, tem se concentrado sobre o sul da Amazônia, desde a última terça-feira, 27 de agosto. A tendência é que as partículas de monóxido de carbono (CO) se espalhem e cheguem as regiões Sul e Sudeste, no fim da semana. A previsão é que essa poluição por fumaça seja mais intensa do que na semana passada. 

De janeiro até agora, foram registrados no Brasil mais de 112 mil focos de queimadas, um aumento de quase 60% em relação ao mesmo período do ano passado. Os dados são do Programa Queimadas, do Inpe/MCTI.

No Brasil, em 99% dos casos, as queimadas são causadas pela ação humana. As queimadas provocadas continuam sendo a base para a expansão econômica no País.

O uso do fogo é permitido no Brasil apenas em três situações, de acordo com o Código Florestal (Lei no 12.651/12): 1) Práticas agropastoris ou florestais, autorizadas pelo órgão estadual ambiental, sendo exigido medidas de controle de incêndios; 2) Unidades de Conservação: previsto em seu plano de manejo e como prática conservacionista; e 3) Pesquisa científica autoriza da pelo órgão ambiental estadual.

Quando não autorizada, as queimadas são enquadradas na Lei de Crimes Ambientais (Lei no 9.605/98). Todavia, a ausência de um sistema coordenado de fiscalização faz com fique praticamente impune, considerada como crime comum. 

Mais informações

Os mapas e produtos de satélites utilizados neste post foram gerados no QGIS, o software livre de Geoprocessamento mais usado do mundo. Para processar mapas e imagens de satélite, semelhantes aos utilizados neste post, você pode passar 01 ano inteiro sendo treinado pelo Laboratório Lapis.

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COMO CITAR ESTE ARTIGO:

LETRAS AMBIENTAIS. [Título do artigo]. ISSN 2674-760X. Acessado em: [Data do acesso]. Disponível em: [Link do artigo].

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