O deserto do Saara, na África, é um dos lugares mais secos do mundo, que normalmente recebe pouca ou nenhuma precipitação anual. Ali, raramente acontece um evento extremo de chuva (menos de uma vez por década).
O deserto está há milhares de quilômetros de distância do Brasil. Mesmo assim, um fenômeno chamado Oscilação Madden-Julian (OMJ) tem conectado o clima dessas duas regiões. Trata-se de uma onda de nuvens profundas que se move-se para o leste, acompanhada de perturbações de tempestades, chuva, ventos e anomalias de pressão.
A passagem da onda OMJ é marcada por uma fase úmida e uma fase seca. A imagem gerada pelo Laboratório Lapis, com dados do dia 03 de setembro, mostra que o atual pulso seco do fenômeno passa pela América do Sul.
Outra fase ainda mais seca se aproxima do Brasil, nos próximos dias, podendo causar altas temperaturas. A mudança do pulso seco para o úmido pode levar vários dias ou semanas.
Consultamos o meteorologista Humberto Barbosa, do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis) para entender a influência do fenômeno.
Segundo ele, enquanto a fase seca da OMJ tem reduzido chuvas nas regiões brasileiras, chuvas incomuns se concentram no Saara. Neste mês de setembro, grande parte do deserto deve receber mais de 500% da precipitação.
A fase seca do fenômeno atinge todo o Brasil. Com isso, não favorece sistemas causadoras de chuva em setembro. Como você pode ver na imagem, a fase seca da OMJ bloqueia a Zona de Convergência Intertropical (ZCIT). A umidade não é levada para a Amazônia, reduzindo as chuvas naquela região.
“A ZCIT se deslocou mais para o Hemisfério Norte, afastando-se da Linha do Equador. Com isso, as chuvas atípicas aumentaram no deserto do Saara, desde o fim de abril. Isso ocorreu no mesmo período que começou a seca na área central do Brasil”, ressalta Humberto.
Além disso, a OMJ reduz a influência de sistemas que causam chuvas intensas nas regiões Sul e Sudeste, como frentes frias e outros sistemas que têm perdido força no Atlântico Sul.
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Uma das principais diferenças está na umidade do ar. Enquanto a Amazônia é uma das regiões mais úmidas do mundo, o Saara é uma das mais secas. Os volumes elevados de chuva, próximo à Cordilheira dos Andes, deve-se à ascensão da umidade, transportada pelos ventos alísios, da ZCIT.
A imagem acima mostra a precipitação média mensal para o mês de agosto, nos últimos 53 anos. Você pode ver que a região do Saara não teve um único registro significativo de chuva.
Já na Amazônia, choveu em média de 60 a 70 mm por mês, durante o período. Seca extrema, como ocorreu naquela região desde junho do ano passado, em razão do El Niño e do aquecimento do Atlântico Norte, são eventos considerados incomuns.
A imagem abaixo mostra a análise mais recente da chuva para o estado do Amazonas. A linha preta destaca o volume normal de chuva, enquanto as linhas laranja (2023) e vermelha (2024) representa a seca.
Você pode observar que, desde junho de 2023, houve uma grande redução nos volumes de chuva, em relação à média histórica. Isso ocorreu por conta da influência do El Nino e do aquecimento anormal do Atlântico Norte. O El Niño é o aquecimento anormal das águas superficiais do Pacífico tropical.
A ZCIT é o principal sistema formador de chuvas para a região Norte e Nordeste do Brasil. Com o Atlântico Norte mais quente, ventos alísios de sudeste mantêm a ZCIT muito afastada da Amazônia, inibindo as chuvas e beneficiando o Saara. Esse é apenas um dos impactos indiretos que a posição da ZCIT na África pode ter no clima da Amazônia.
De acordo com modelos climatológicos do Centro Europeu de Previsões Meteorológicas a Médio Prazo (ECMWF), algumas regiões do Saara podem ter volumes de chuva cinco vezes maiores do que a média, neste início de setembro. Isso torna esse evento excepcional, enquanto a seca persiste na Amazônia.
A previsão do Laboratório Lapis é que setembro seja um mês de chuvas atípicas no Saara e seca na Amazônia. “Seca na Amazônia tem como impacto menos chuva no Sudeste e Centro-Oeste. Essas duas regiões da área central do Brasil são impactadas simultaneamente, pois dependem da umidade vinda da Amazônia”, explica Humberto.
"Como consequência, os 'rios voadores' se transformam em 'rios de fumaça', pois além da falta de chuva, a fumaça das queimadas se intensifica na Amazônia e os ventos a carregam para o Centro-Sul", completa o meteorologista.
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O Laboratório Lapis divulgou uma atualização sobre a situação das temperaturas no Brasil. De acordo com o mapa do Índice de Risco Climático (IRC) para a terça-feira, dia 03 de setembro, uma onda de calor está instalada em áreas das regiões Centro-Oeste e Sudeste.
Hoje, já é possível se estimar como a mudança climática alterou as temperaturas diárias, em qualquer localidade. O mapa é baseado no IRC, que varia de -5 a +5, indicando a alteração nas temperaturas locais. As altas temperaturas foram analisadas com base no modelo de previsão da NOAA e coincidem com áreas altamente degradadas.
"Essa onda de calor no Centro-Oeste e Sudeste não é natural, mas provocada pela degradação das terras, principalmente pelo desmatamento e queimadas, em um ambiente de seca severa. As partículas de fumaça dos incêndios florestais na Amazônia Legal são transportadas para essas regiões e provocam uma onda de calor”, explica Humberto Barbosa, fundador do Laboratório Lapis e responsável pelo monitoramento.
A imagem do satélite GOES mostra o caminho da fumaça das queimadas desde a Amazônia até a região Sudeste.
Destaca-se também o forte aquecimento das águas superficiais no Atlântico Norte e em áreas do Pacífico Norte (Veja na imagem de abertura deste post). A condição de neutralidade do El Niño-Oscilação Sul (ENOS) continua.
“O resfriamento mais acentuado do Pacífico tropical (na região do La Niña) pode diminuir o impacto do aquecimento do Atlântico Norte e trazer um alívio climático para a Amazônia”, explica Humberto.
Enquanto isso, a massa de ar quente e seco persiste sobre a área central do Brasil, dificultando a formação de chuva no Sudeste e Centro-Oeste.
Desde o início de abril, esse bloqueio atmosférico afeta grande parte do País. A previsão do Laboratório Lapis indica possibilidade de a massa de ar seco permanecer neste mês de setembro.
Grande parte do Brasil continua enfrentando seca, após um inverno quente e com seca. A seca é um fenômeno climático complexo, que pode ser estimado de várias maneiras. O Laboratório Lapis utiliza um conjunto de indicadores para avaliar a condição de seca nas regiões brasileiras. Um deles é o mapa do número de dias consecutivos sem chuva.
Você pode observar no mapa do mês de agosto, que a seca continuou crítica na área central do Brasil (em grande parte do Sudeste e Centro-Oeste), além do Nordeste. Todavia, houve melhoria na frequência da chuva em São Paulo, Mato Grosso do Sul e Paraná.
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Os mapas e imagens de satélites utilizados neste post foram gerados no QGIS, o software livre de Geoprocessamento mais usado do mundo. Para processar esses produtos, você pode passar 01 ano inteiro sendo treinado pelo Laboratório Lapis.
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LETRAS AMBIENTAIS. [Título do artigo]. ISSN 2674-760X. Acessado em: [Data do acesso]. Disponível em: [Link do artigo].
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